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O Supremo Tribunal Federal (STF) realiza, nos próximos dias 21 e 22 (segunda e terça-feira), uma audiência pública inédita para discutir a atual crise ambiental brasileira e suas implicações para a emergência climática. É a primeira vez na história do Brasil que a crise do clima chega à corte, mas o debate vai além: estará em avaliação o desmonte da gestão ambiental no governo de Jair Bolsonaro.
A audiência foi convocada pelo ministro Luís Roberto Barroso, relator de uma ação de quatro partidos (Rede, Psol, PSB e PT) que questiona a omissão do Ministério do Meio Ambiente ao deixar parado, desde o início de 2019, o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, um dos principais instrumentos de financiamento na luta contra o aquecimento global. Barroso situou o fundo num contexto mais amplo e convidou dezenas de autoridades e especialistas da academia, sociedade civil, setor privado e governo para montar um panorama da situação ambiental do país. Para o ministro, o Fundo Clima ilustra um conjunto de ações e omissões que pode representar um estado generalizado de inconstitucionalidade.
O debate terá início na véspera do discurso de Jair Bolsonaro na Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), na terça, às 10h (horário de Brasília). Espera-se que o presidente negue mais uma vez a explosão das queimadas, do desmatamento e da violência contra povos indígenas. Os dados indicam que o desmatamento na Amazônia está, há dois anos, fora de controle, com alta de 34% na taxa oficial, em 2019, e de mais 34% nos alertas em 2020, conforme o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). As queimadas na Amazônia já superam as do ano passado, mesmo após quatro meses de ação do Exército na região. Além disso, o Pantanal vive a pior temporada de fogo de sua história: pelo menos 16% do bioma já queimou. Imprensa, ONGs, ex-ministros do Meio Ambiente e servidores ambientais federais denunciam a destruição de 35 anos de governança ambiental. Investidores e compradores de commodities ameaçam o país com sanções comerciais.
Comparecerão à audiência ministros de Estado (Augusto Heleno, Ricardo Salles, Tereza Cristina, entre outros), os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP); a ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira; o ex-diretor do Inpe Ricardo Galvão; a líder indígena Sônia Guajajara; o relator da ONU David Boyd; o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga; e o presidente do Itaú Unibanco, Candido Bracher (saiba mais no box ao final do texto).
Num movimento que já demonstra os efeitos da pressão da ação — e numa tentativa de esvaziá-la —, o governo:
- recompôs recentemente o Comitê Gestor do Fundo Clima, depois de mais de 18 meses sem se reunir;
- aprovou o plano de aplicação de recursos para 2020, em 15 de julho passado;
- transferiu R$ 350 milhões do orçamento de 2019 do fundo para o BNDES;
- formalizou o empenho de R$ 232 milhões da parte reembolsável para 2020;
- autorizou outros R$ 6,2 milhões da parcela não reembolsável para 2020.
Essas providências de última hora estão longe de ser suficientes para enfrentar os desafios do Fundo Clima, a começar pelo caráter genérico do plano aprovado para 2020. Além disso, há um ponto de atenção: o anúncio de direcionamento prioritário dos recursos do Fundo Clima para recuperação de resíduos sólidos. A área representa cerca de 2,5% das emissões nacionais de gases de efeito estufa e é apenas uma entre nove linhas possíveis de aplicação reembolsável, geridas pelo BNDES.
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF-708) chegou ao Supremo pelas mãos de quatro partidos políticos. Esse tipo de ação busca evitar ou reparar dano a algum princípio básico da Constituição resultante de ato ou omissão do Poder Público. A ADPF 708 baseia-se em documentos técnicos compilados pelo Observatório do Clima — rede composta por 50 organizações da sociedade civil. A ação aponta que o Fundo Clima estava congelado desde o início do governo Bolsonaro. Outra ação com origem similar (recebida pela ministra Rosa Weber) indica o mesmo destino para o Fundo Amazônia.
O Fundo Clima foi estabelecido, em 2009, para financiar ações de mitigação e adaptação climáticas com royalties de petróleo e empréstimos com juros especiais, por meio do BNDES. Trata-se de um dos principais mecanismos financeiros da política climática brasileira, que permitiriam ao país cumprir a Lei nº 12.187, da Política Nacional sobre Mudança do Clima e o compromisso brasileiro no Acordo de Paris. No início do mandato, o ministro de Meio Ambiente, Ricardo Salles, dissolveu a Secretaria de Mudanças Climáticas de sua pasta, órgão responsável pelo Fundo Clima. Em abril do ano passado, um decreto do presidente Bolsonaro extinguiu seu comitê gestor.
O fundo abrange as modalidades não reembolsável e reembolsável e permite captação por órgãos e entidades da administração pública direta e indireta (federal e estadual e municipal), fundações de direito privado (incluídas as fundações de apoio), associações civis, empresas privadas, cooperativas, entre outros.
Em 2019, havia autorização orçamentária para aplicação de cerca de R$ 8 milhões não reembolsáveis no fomento a estudos, projetos e empreendimentos. No fechamento do ano, foram empenhados apenas R$ 718 mil. O restante dos recursos permaneceu sem aplicação, essencialmente por inoperância de gestão. Quanto aos recursos reembolsáveis, geridos pelo BNDES, mas também submetidos à supervisão do comitê gestor do Ministério do Meio Ambiente, os valores disponíveis em 2019 eram de mais de R$ 500 milhões. Cerca de R$ 350 milhões foram empenhados, mas só recentemente foram direcionados para o banco.
“Chegou a hora de o STF determinar a implementação das políticas ambientais de combate à emergência climática, ao desmatamento e às queimadas, sob pena de tornar letra morta os direitos da sociedade brasileira previstos na Constituição.”
Maurício Guetta, consultor jurídico do ISA
“A audiência pública constitui uma oportunidade ímpar para debater o desmonte da política ambiental no país. O governo Bolsonaro tem operado uma inação calculada nesse campo. Desestrutura institucionalidades, paralisa aplicação de recursos, atua contra os órgãos ambientais. Os problemas envolvendo o Fundo Clima, o Fundo Amazônia e a inexecução orçamentária são elementos de um mesmo quadro, a antipolítica ambiental do governo.”
Suely Araújo, especialista sênior em Políticas Públicas do Observatório do Clima
“Em meio ao fogo que destrói os biomas do Brasil e à crise do clima, o Judiciário se faz presente abrindo suas portas para discutir como o país apagará a guerra de narrativas travada entre o discurso oficial do governo e o que realmente acontece com o meio ambiente e os brasileiros.”
Fabiana Alves -Coordenadora de Clima e Justiça do Greenpeace Brasil
“A audiência no STF é histórica porque marca a primeira vez que as mudanças do clima chegam à pauta da Suprema Corte. Espera-se que o Supremo incorpore esse tema fundamental em suas decisões de agora em diante, em especial no contexto de pós-pandemia. A janela está se fechando para o mundo agir contra a crise do clima e o Brasil está andando na direção contrária.”
Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima
Segunda-feira (21/9), das 9h às 13h - Autoridades e órgãos públicos
1. Davi Alcolumbre (Presidente do Senado);
2. Rodrigo Maia (Presidente da Câmara dos Deputados);
3. Augusto Heleno (Ministro Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República);
4. Marcos Pontes (Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações);
5. André Mendonca (Ministro da Justiça e Segurança Pública);
6. Bento Albuquerque (Ministro de Estado de Minas e Energia);
7. Ricardo Salles (Ministro de Estado do Meio Ambiente);
8. Tereza Cristina (Ministra de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento);
9. Nabil Moura Kadri (Chefe do Departamento de Meio Ambiente e Gestão do Fundo Amazônia no BNDES), e Raphael Duarte Stein (Gerente do Departamento de Meio Ambiente e Gestão do Fundo Amazônia no BNDES);
10. Eduardo Fortunato Bim (Presidente do Ibama);
11. Marcos de Castro Simnovic (Diretor de Criação e Manejo de Unidades de Conservacão do ICMBio);
12. Juan Felipe Negret Scalia (Coordenador-geral de promoção ao etnodesenvolvimento/Funai), Azelene Inacio (Coordenadora regional do Interior Sul/Funai); Jocélio Leite Paulino (Chefe de coordenação técnica local em Delmiro Gouveia/Funai); Dr. Arnaldo Zunizakae (Agricultor);
13. José Mauro de Lima O' de Almeida (Secretário do Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará);
14. Tatiana Schor (Secretária de Ciência e Tecnologia do Amazonas);
15. Rubens Antonio Barbosa (Presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da Federação das Indústrias de São Paulo);
16. Alessandro Molon (Deputado federal– PSB).
Segunda-feira (21/9), das 14h30 às 18h15 – Organizações sociais e institutos de pesquisa
1. Inger Andersen (Diretora executiva do Pnuma);
2. Fabiana Alves (Coordenadora de clima e justiça do Greenpeace Brasil);
3. Sônia Guajajara (Coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB)
4. Renato Morgado (Transparência Internacional Brasil);
5. Maria Laura Canineu (Diretora da Human Rights Watch Brasil);
6. Maurício Voivodic (Diretor executivo do WWF Brasil);
7. Karen Oliveira (Gerente de relações institucionais da TNC Brasil);
8. Conectas Direitos Humanos;
9. Instituto Democracia e Sustentabilidade;
10. Marina Motta Benevides Gadelha (Conselheira federal e presidente da Comissão Nacional de Direito Ambiental do CFOAB);
11. Carlos Nobre (Iniciativa “Terceira Via Amazônica”/Projeto Amazônia 4.0);
12. Paulo Moutinho (cientista sênior e cofundador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – Ipam);
13. Brenda Brito (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia – Imazon);
14. Mauricio Guetta (Consultor Jurídico do Instituto Socioambiental – ISA);
15. Mariano Cenamo (Diretor de Novos Negócios do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável – Idesam.
Terça-feira (22/09) – das 9h às 12h30 – Academia
1. Armínio Fraga (Ex-presidente do Banco Central)
2. Ricardo Abramovay (Professor do Departamento de Economia da FEA/USP);
3. Beto Veríssimo (Pesquisador sênior do Imazon);
4. Ingo Wolfgang Sarlet (Professor titular da PUC-RS) e Tiago Fensterfeiner (Defensor Público);
5. Ricardo Galvão (Ex-diretor do Inpe);
6. Izabella Teixeira (Ex-ministra do Meio Ambiente, 2010-2016);
7. Witkowski Frangetto (Gerente de Projetos do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – Pnuma);
8. Pedro de Camargo Neto (Master of Science pelo Massachusetts Institute of Technology);
9. Sergio Margulis (Ex-secretário de Desenvolvimento Sustentável da Presidência da República, 2013-2015);
10. David Boyd (Relator Especial das Nações Unidas sobre Direitos Humanos/2018 e Professor na Universidade British Columbia);
11. Thelma Krug (Pesquisadora aposentada do Inpe e vice-presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima – IPCC);
12. Tasso Azevedo (Coordenador-técnico do Observatório do Clima);
13. Bráulio Ferreira de Souza Dias (Professor da UnB e ex-secretário-executivo da Convenção Sobre Diversidade Biológica da ONU);
14. Joana Setzer (Professora da London School of Economics).
Terça-feira (22/09) – das 14h30 às 18h – Atividades empresariais
1. Luciana Villa Nova Silva (Gerente de Sustentabilidade da Natura Brasil);
2. Hugo Barreto (Diretor de Sustentabilidade e Investimento Social da Vale);
3. Pablo Machado (Diretor Executivo de Relações e Gestão Legal da Suzano);
4. Candido Bracher (Presidente do Itaú Unibanco);
5. Marina Grossi (Presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável);
6. Alexandre Mendonça de Barros (Associação Brasileira do Agronegócio);
7. Rodrigo Justus de Brito (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil);
8. Deputados federais Arnaldo Jardim; Zé Vitor, Sergio Souza (Frente Parlamentar da Agropecuária);
9. José Altino Machado (Associação dos Mineradores do Tapajós);
10. Roberto Rodrigues (Organização das Cooperativas Brasileiras e coordenador do Centro de Agronegócio da FGV/EESP);
11. Ricardo Manoel Arioli Silva (Associação Brasileira dos Produtores de Soja);
12. Frank Rogiere de Souza Almeida (Fórum Nacional das Atividades de Base Florestal);
13. Deputado federal Rodrigo Agostinho (Frente Parlamentar Ambientalista);
14. Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica.
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