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Semana do Extrativismo mostra expansão da Rede de Cantinas da Terra do Meio, no Pará

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Realizada online, sétima edição do evento aproximou empresas, beiradeiros, indígenas e agricultores familiares por um novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia
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O que faz com que duas castanhas-do-Pará idênticas sejam, no fundo, tão diferentes?

Perguntar antes de consumi-las ajuda a desvendar. Sabemos quem as produziu e como? Sabemos como é a relação dessas pessoas com as castanheiras e com a floresta? Os produtores são remunerados corretamente?

Afinal, qual é o valor desta castanha? E qual o valor dos serviços prestados pelas comunidades para levar esta castanha à sua mesa e, ao mesmo tempo, manter a floresta em pé?

Para ajudar a responder a essas perguntas, a 7ª Semana do Extrativismo da Terra do Meio (Semex), realizada nos dias 10 e 17 de setembro em formato online e pelo rádio por conta da pandemia, conectou no mesmo link empresas, organizações da sociedade civil, agentes públicos, indígenas, beiradeiros e agricultores familiares que, juntos, trabalham pela construção de uma estratégia comum para a economia da sociobiodiversidade.

Promovida todos os anos pela Rede de Cantinas da Terra do Meio (saiba mais sobre a rede no box), a Semex é um momento chave em que os diferentes atores que compõem as cadeias produtivas fortalecem suas alianças e costuram contratos que valorizam a floresta e quem nela vive e produz.



Nesta edição, a Rede de Cantinas mostrou seus resultados (veja abaixo), apresentou estratégias de prevenção à Covid-19, discutiu a proteção dos territórios e projetou um futuro possível, com qualidade de vida para todos.

O que é a Rede de Cantinas da Terra do Meio?

A Rede de Cantinas da Terra do Meio, articulada por ribeirinhos, indígenas e agricultores familiares da região de Altamira (PA), conta com miniusinas de processamento multiprodutos instaladas dentro das comunidades para agregar valor à economia da floresta.

São castanha, óleos e farinhas que compõem uma cesta de produtos diversificada com grande capacidade produtiva, pronta para atender grandes mercados.

A região, com seus 8,5 milhões de hectares, produz para alimentar as cidades do entorno, e também atrai a atenção de grandes empresas que já entenderam o valor socioambiental do trabalho das comunidades. A relação estabelecida entre compradores e comunidades opera em uma lógica de contratos diferenciados para vendas significativas em volumes e valores, em acordos definidos em reuniões anuais com total transparência.

A Rede de Cantinas faz parte da rede Origens Brasil®, que promove relações comerciais éticas e transparentes entre empresas e comunidades que contribuem com a conservação da Amazônia.

“A Rede de Cantinas nasce com o propósito de promover o bem viver, a proteção e articulação entre as comunidades ribeirinhas, indígenas e de agricultores familiares”, afirmou Francinaldo Lima, assessor da rede.

“A cantina não é só um espaço onde você vai entregar o produto extraído da floresta e se abastecer de mercadoria. Vai além disso. Integrar as comunidades para além da questão produtiva. Discute proteção do território e projetos de futuro”, completou.

“Hoje estamos com as cartas na mão para que as empresas entendam os produtos. A gente precisa pensar em um modelo para que a gente siga nessa carreira”, disse Pedro Pereira de Castro, da Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio. “A gente sempre destaca o valor do produto, da floresta e desse ar puro que a gente tem aqui.”

Das empresas e organizações, a rede ouviu perspectivas sobre a economia da sociobiodiversidade que ajudam a fundamentar os modelos de desenvolvimento para o arranjo produtivo local.

“A gente tem uma crise tão gigantesca que é capaz de mudar comportamentos. O comportamento das empresas, com pressão da sociedade, está sendo obrigado a mudar”, afirmou Valmir Ortega, do Conexsus. “Isso está acontecendo porque a sociedade quer uma economia diferente, que se relacione com a natureza de uma forma diferente. É uma oportunidade para a bioeconomia da sociobiodiversidade”.

Mais empresas, mais parceiros, mais proteção

A consolidação do mosaico de Terras Indígenas e Unidades de Conservação que compõem a região da Terra do Meio é recente. O avanço do desmatamento, pressão de grandes empreendimentos como a hidrelétrica de Belo Monte, grilagem e roubo de madeira preocupa essas populações que dependem da floresta para sobreviver.

“Temos na mente e no coração o que a gente passou anos atrás. A cantina trouxe um grande avanço para nós, nos tirou de uma sinuca”, afirmou Manoel do Carmo, da cantina Manelito, Reserva Extrativista Rio Iriri. “Com as cantinas isso melhorou muito, com os contratos, empresas e parceiros que vieram nos ajudar. Onde a Rede de Cantinas está tenho certeza que está melhorando para todos”, contou.

Cantineiro, Do Carmo acompanha o dia a dia da comercialização da cesta de produtos da floresta da Terra do Meio.

Um desses produtos é a farinha de babaçu, sinônimo de inovação. Da floresta para a merenda, o babaçu agora também é ingrediente de uma cerveja. Além de usar produtos da floresta em sua fórmula, a “Colorado Amazônica”, da cervejaria paulista Colorado, busca atentar para as pressões e ameaças na região: o preço varia semanalmente de acordo com as taxas de desmatamento na Amazônia.

“O objetivo é dar luz para a questão do desmatamento e principalmente as pessoas que ajudam a manter floresta em pé, que são os produtores e os cantineiros”, explicou Guilherme Poyares, gerente de marketing da empresa.

Para Jorge Hoelzel Neto, da Mercur, parceira de longa data da Rede de Cantinas, as empresas e seus colaboradores têm muito a aprender com as comunidades e com a floresta.

“Queria deixar esse meu pedido para as empresas: tratem as florestas com muito carinho e amor, temos muito a contribuir, e eles tem muito a contribuir conosco em educação. A gente estando na cidade não tem ideia do que é viver na floresta. Poder ir pra lá e trazer esse aprendizado da floresta para dentro das nossas empresas não tem preço. É valor, não tem dinheiro que pague”, afirmou.

Enfrentando a Covid-19

Com o mote “ficar no beiradão é o melhor remédio”, os beiradeiros e seus parceiros trabalham para frear o avanço da Covid-19 na Terra do Meio. A Rede de Cantinas tem sido fundamental para garantir o isolamento dos ribeirinhos e indígenas, sua segurança alimentar e a continuidade da produção, por meio do incentivo ao trabalho com os produtos da floresta.

Da floresta para a merenda!

A articulação que leva produtos da Rede de Cantinas da Terra do Meio à merenda escolar de Vitória do Xingu e outros municípios paraenses contou com apoio da apresentadora e culinarista Bela Gil, do co-fundador do Instituto ATÁ, Alex Atala, e da nutricionista Neide Rigo.

“É enriquecedor ver de perto e conhecer a vida, a dinâmica, a logística para uma castanha chegar à mesa. É uma experiência que uma pessoa da cidade grande deve vivenciar. Muda a relação com a comida, com a floresta e com os povos da floresta”, afirmou Bela.

“A pandemia nos ensinou que não dá mais para viver sem o agricultor. Protagonismo não ao ingrediente, mas ao homem que está por trás dele. Consumir, remunerar e dar valor”, comentou Atala.

O desafio foi encontrar maneiras de manter a produção e ter garantia da comercialização no contexto da pandemia. Assim, a rede se articulou com parceiros para conseguir apoio de crédito e assegurar a renda das famílias.


Mais de 20 toneladas de alimentos, combustível e ferramentas foram enviados para abastecer as cantinas da Rede e assegurar o trabalho durante as safras da castanha, babaçu e seringa. Para incentivar a produção, foram doadas 37 toneladas de alimentos para famílias em situação de vulnerabilidade social nas cidades do entorno e para a merenda escolar.

“Nesse momento de pandemia, todos levaram um susto. E os alunos que só comiam na escola?”, comentou Daniela Damasceno, nutricionista do município de Vitória do Xingu, um dos mercados institucionais parceiros da rede. Na primeira etapa da ação, a rede doou 9,6 toneladas de castanhas-do-Pará, farinha do coco babaçu e misturas para bolo para alimentar os 4,5 mil alunos e seus familiares no município. “Ficamos muito felizes, suprimos a necessidade da alimentação dos alunos. conseguimos honrar nosso compromisso com a cantinas”, conta. [Saiba mais]

A estratégia teve sucesso. Ainda que Altamira, cidade referência na região, já tenha passado de 4 mil casos confirmados e 116 mortes, os primeiros casos nas Resex foram detectados em apenas em meados de setembro.

Até o dia 21 de setembro, havia nove casos confirmados na Resex Rio Iriri.

O Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) da região foi o último do país a confirmar um óbito por Covid-19. Beptok Xikrin, o cacique Onça, da TI Trincheira Bacajá faleceu no início de setembro.

A instalação de sistemas de telemedicina nas comunidades também faz parte da estratégia de enfrentamento a Covid-19. Fruto de uma parceria do ISA, associações extrativistas, Universidade Federal do Pará (UFPA) e Health in Harmony, a iniciativa também possibilitou a melhoria da comunicação sobre a produção e fortaleceu o trabalho da Rede. [Saiba mais]

A Rede de Cantinas da Terra do Meio em números

A Rede de Cantinas da Terra do Meio é formada por 14 associações de comunidades indígenas, ribeirinhas e da agricultura familiar que envolve mais de 600 famílias em 27 cantinas espalhadas por um território de mais de 8,5 milhões de hectares de Terras Indígenas e Unidades de Conservação.

Ameaçada pela grilagem, roubo de madeira, mineração ilegal e desmatamento, a região enfrenta nova onda de pressão com a diminuição das ações de fiscalização e o aumento das invasões dentro de Áreas Protegidas durante a pandemia de Covid-19. Nesse contexto, a Rede de Cantinas se consolidou como uma importante articulação para a produção de produtos da floresta e proteção territorial.

Já são mais de 15 produtos que compõem a marca “Vem do Xingu”, e 30 relações comerciais estabelecidas - as mais recentes com a marca de calçados Save the Forest e com a Cervejaria Colorado. A Rede de Cantinas é membro da rede Origens Brasil®, que promove relações comerciais diretas, éticas e transparentes entre comunidades e empresas pela conservação da Amazônia

Na safra de 2020, a Rede comercializou mais de 200 toneladas de castanha in natura e duas toneladas de castanha desidratada, envolvendo cerca de 300 famílias indígenas e ribeirinhas no processo de produção.

Apenas nos últimos quatro anos, a rede forneceu 10 toneladas de farinha de babaçu para a merenda escolar. Só neste ano, a prefeitura de Vitória do Xingu adquiriu mais de três toneladas do produto e mais cinco toneladas estão sendo comercializadas para a ATINA, indústria de ativos naturais para cosméticos. Além disso, foram fabricados 500 pacotes de mistura para bolo de farinha de babaçu com cacau, uma parceria com a Cooperativa de produtores de cacau da Transamazônica, a CacauWay. Até agosto de 2020 também foram produzidos 330 litros de óleos vegetais entre babaçu, castanha e andiroba.

Na última safra foram comercializados oito toneladas de óleo de copaíba para a empresa Firmenich, uma das parceiras mais antigas da rede. Também foram produzidas mais de duas toneladas de mantas de borrada e três toneladas de blocos prensados, enviados para a empresa Mercur. Para Jorge Hoelzel, da Mercur, a parceria de longa data é o que faz a diferença: “A gente não pode ir pra floresta achando que vai fazer um contrato de curto prazo. Na floresta não estamos comprando matéria-prima, estamos ajudando a construir valor”.

A VII Semana do Extrativismo da Terra do Meio foi realizada pelo ISA e TNC em parceria com a Unyleya, e com apoio da União Europeia, da Rainforest Foundation Norway, da EDF-Moore e da CLUA. O evento contou com a mediação do DJ Eugênio Lima e da poeta Luz Ribeiro e foi conduzido pela empresa Aprendix.

Isabel Harari e Roberto Almeida
ISA
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