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A migração de Komadeeroa Isaías Fontes

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Ex-diretor da Foirn alçou voo de retorno junto aos ancestrais em 1º de fevereiro de 2021. Deixou a esposa, dois filhos, um neto e um enorme legado para o movimento indígena do Rio Negro
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"Busquemos sempre o equilíbrio, o bem-estar e a harmonia para o nosso bem viver. Nunca o conflito. ”

Perdemos nosso querido Isaías. E não há quem dispense o adjetivo “querido”. A gentileza no trato e a serenidade no olhar sempre o acompanharam. Com sorriso característico - tímido, mas abundante - nunca perdia a oportunidade de respeitosamente provocar risos nos que lhe cercavam.

Falante das línguas Baniwa e Kubeu, além do português, Isaías era nascido na comunidade de Ucuqui Cachoeira, localizada no igarapé Uaranã na cabeceira do Rio Ayari. Pertencia ao mais alto clã da fratria Hohoodeni, que significa filho do pássaro inambuzinho. Um líder nato, que dedicou sua vida à luta pelos direitos dos povos indígenas do Rio Negro.

Carregava a serenidade e o espírito de liderança em seu nome de benzimento, Komadeeroa, que, segundo os parentes Baniwa, em uma tentativa de tradução para o português, se aproxima de “líder guerreiro, manso como pato”.

Ainda jovem, nos anos 1980, saiu de sua comunidade para seguir os estudos na escola salesiana de São Gabriel e depois na Escola Agrícola em Manaus. Ao concluí-los, retornou ao território Baniwa e se tornou o sócio fundador da Organização Indígena da Bacia do Içana (OIBI) em 1992 e fundador da primeira organização indígena do povo Baniwa no Rio Ayari em 1995, a Associação das Comunidades Indígenas do Rio Ayari (Acira). À frente dessa associação, foi responsável por contribuir para a representatividade dos povos Baniwa e Koripako no incipiente movimento indígena do Rio Negro.

No início dos anos 2000, após concluir seu mandato pela Acira e enfrentar a perda dolorosa de um irmão, se mudou definitivamente para São Gabriel da Cachoeira. Porém, jamais abandonou suas origens e tampouco o movimento indígena.

Em São Gabriel da Cachoeira, passou a atuar como administrador do departamento financeiro da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), onde mais tarde, se tornou diretor da coordenadoria representativa dos povos Baniwa e Koripako (CABC na época). Em 2018 ajudou na reestruturação da coordenadoria, que passou a ser reconhecida como Organização dos Povos Baniwa e Koripako Nadzoeri.

Ao longo da sua trajetória no movimento indígena, Isaías defendeu assiduamente a educação escolar indígena, assegurando a implantação de políticas públicas para a formação de professores Baniwa e a criação da rede de escolas Baniwa e Koripako. Foi ávido na luta pela proteção territorial contra as insistentes invasões garimpeiras e empresas de exploração de minérios. Batalhou pela ampliação do sistema de saúde indígena nos territórios e assumiu, mais uma vez, o seu papel de liderança no enfrentamento da Covid-19 no Alto Rio Negro junto aos seus colegas da Foirn e parceiros interinstitucionais.

No final de 2020, Isaías havia sido reconduzido para o seu terceiro mandato na diretoria da Foirn, ocupando o principal posto de representante dos povos Baniwa e Koripako.



Território Medzeniako em luto

Isaías Fontes veio da linhagem de mais alta liderança do clã Hodoodeni, os Eenawinai. Por isso ele carregou a personalidade de quem ele sempre foi, simples, generoso, sereno, mas com grande pensamento positivo para bem viver indígena. Através da pessoa que ele sempre foi nos deixou um legado expresso em frase em muitos momentos de discursos, que faço resumo da seguinte forma: "Busquemos sempre o equilíbrio, o bem-estar e a harmonia para o nosso bem viver. Nunca o conflito. ”
Dzoodzo Baniwa, secretário executivo da Organização Nadzoeri

Dentro de seu clã, Isaías era um dos principais da linhagem de liderança. Por isso tinha essa liderança natural dele, era alegre, sereno, sempre conciliador e buscando alegria. Não sou só eu que perco o Isaías. Não é só o povo do Ayari e os Baniwa que perdem uma liderança. Perdemos um companheiro que pensa, idealiza, um homem com visão de futuro. Todos perdemos. Isaías lutou para evitar mortes, ajudou muitos Baniwa e não Baniwa com seu trabalho na Foirn, levando material, conduzindo, discutindo. Vamos continuar essa luta!
André Baniwa, vice-presidente da Organização Indígena da Bacia do Içana (Oibi)

Isaías foi um grande parceiro e amigo durante toda a nossa primeira jornada como diretores da Foirn (2013-2016), quando ele foi eleito vice-presidente de nossa federação, e depois durante o segundo mandato (2017-2020). Durante esse período, Isaías desempenhou um papel fundamental na articulação e execução de projetos e na quitação das pendências institucionais da instituição. Sempre trocamos muito a cada passo dado e planejado, avaliando os impactos das ações e continuidade dos trabalhos.
Esse grande líder sereno, tranquilo e calmo é um exemplo de persistência. Mesmo diante das pressões e perseguições que às vezes sofremos, nunca desistiu da luta. Sempre buscou representar seu povo e ajudar outros povos de nossa região como representante na Foirn.
Teríamos um novo ciclo juntos (2021–2024) mas, com muita tristeza, acompanhamos a sua partida. Meu grande companheiro, que sempre me apoiou de todas as maneiras possíveis. Tínhamos um sonho de terminar os compromissos assumidos com as nossas bases juntos. Mas como ele sempre dizia ao perguntarem como estávamos em nosso grupo Aruak (Baniwa e Baré): “estamos bem”. Vamos continuar a sua luta e o seu legado.
Marivelton Baré, presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN)

Até logo, Komadeeroa



Isaías manifestou os primeiros sintomas da Covid-19 na mesma semana em que completou seu 53º aniversário. Após oito dias em cuidados domiciliares, deu continuidade ao tratamento na Unidade de Atendimento Primário Indígena (UAPI) e no Hospital da Guarnição em São Gabriel da Cachoeira (HGu), enquanto aguardava remoção para capital. Em 27 de janeiro, Isaías foi levado ao Hospital Delfina em Manaus mas, infelizmente, seus pulmões já estavam demasiadamente comprometidos pela doença. Isaías não resistiu à longa fila de espera do sistema de saúde colapsado do estado do Amazonas.

Komadeeroa alçou voo de retorno junto aos ancestrais na noite de 1º de fevereiro de 2021. Deixou a esposa, dois filhos, um neto e um enorme legado para o movimento indígena do Rio Negro e para a reconstrução do bem viver Baniwa e Koripako.

Parentes e amigos da liderança foram até o portão do cemitério municipal de São Gabriel da Cachoeira, onde o corpo foi sepultado, para prestar as últimas homenagens.

Alegre, sereno e conciliador. Assim nos recordaremos de nokitsinda Komadeeroa.

Natália Camps Pimenta
ISA
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