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Plano do Governo para Amazônia estabelece metas para desmatar

Proposta de Bolsonaro estabelece patamar de desmatamento condizente com a ilegalidade e é mais uma licença para o crime ambiental
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O Plano 2021/2022 para a Amazônia apresentado pelo governo Bolsonaro na quarta-feira (13/4) prevê um desmatamento 122% maior do que a meta climática com a qual o país havia se comprometido em 2015 na Política Nacional de Mudança do Clima para 2020. Bolsonaro se aproveita do caos que ele mesmo criou para estabelecer um objetivo frouxo de combate à destruição.

No Plano 2021/2022, Bolsonaro sugere que a taxa de desmatamento mantenha a média entre 2016 e 2020, que é 61% acima da média dos anos anteriores à posse de Bolsonaro, referentes à última fase do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). Ou seja, se aproveita do aumento do desmatamento que ele próprio deu causa nos seus primeiros dois anos de governo na tentativa de estabelecer uma linha de base inflada para calcular as novas metas de redução apresentadas.

Não há nada, no plano apresentado que se equipare a um plano de política pública. Ao contrário do PPCDAm, o novo suposto plano não possui: diretrizes estratégicas; metas; ações definidas para cada meta; linhas de ação; cronogramas; distribuição de competências; articulações com outros atores além do governo federal (em especial, com os governos estaduais); fontes de recursos; resultados esperados; e indicadores para monitoramento dos resultados esperados. Trata-se de um atestado de desinteresse e descuido pelo patrimônio natural do Brasil e pela regulação climática.

A proposta é anunciada no momento em que o governo negocia um acordo bilateral sobre meio ambiente com os EUA, e a uma semana da Cúpula do Clima, a ser realizada em 22/04, preparatória para a COP 26. Nesta quinta-feira (15/4), ele enviou uma carta ao presidente norte-americano Joe Biden em que afirma que quer zerar o desmatamento até 2030, numa mudança de tom que parece pouco crível para quem acompanha a trajetória de destruição da gestão Bolsonaro no campo ambiental. O Plano 2021/2022 só comprova a hipocrisia da Carta: como ele pode falar em zerar o desmatamento quando acabou com a principal política que o combatia, o PPCDAm (Plano de Ação para Prevenção e Controle do. Desmatamento na Amazônia Legal), que contribuiu com a redução de mais de 80% do desmatamento na Amazônia entre 2004 e 2012? A ambição deste Plano atual não chega nem perto dos propósitos que o Brasil já havia se comprometido para a defesa da Amazônia em anos anteriores.

A meta estabelecida neste plano para o ano de 2022 é a redução da taxa de desmatamento aos níveis da média registrada pelo sistema Prodes (o sistema de detecção de desmatamento da Amazônia do Inpe) para os anos de 2016 a 2020. Segundo esses dados, a média da taxa de desmatamento para este período é de 8.718,6 km² ao ano (referente a 1 de agosto de um ano até 31 de julho do ano subsequente).

O período proposto como referência para a redução do desmatamento (2016-2020) coincide com aquele em que o Brasil piorou as políticas públicas ambientais, intensificou o desmonte nas políticas de fiscalização e de combate ao desmatamento e, com isso, viu suas taxas de desmatamento crescerem de forma exponencial. Nesse período, o desmatamento na maior floresta tropical do mundo vem batendo recordes atrás de recordes. Nos anos de 2019 e 2020, sob a gestão de Bolsonaro, a Amazônia vem sofrendo uma escalada do desmatamento jamais vista, com índices altíssimos de derrubada de floresta mesmo durante o período chuvoso (onde o desmatamento apresenta quedas expressivas). Somente em 2020, a estimativa oficial do Prodes foi de 11.088,00 km2, a maior taxa nos últimos onze anos, 47% maior do que a taxa de 2018, antes de Bolsonaro assumir a presidência.



A meta de 8.718,6 km2 de desmatamento representa uma ambição ínfima para a proteção da Amazônia. Um valor muito maior (122% maior) do que aquela proposta pela Política Nacional sobre Mudança do Clima para o ano de 2020 (3.925 km2), descumprida pelo governo Bolsonaro. É também 61% maior do que a média alcançada na terceira fase do PPCDAm, entre 2012 a 2015 (5.420,2 km2). A proposta de Bolsonaro, ao invés de fortalecer as políticas públicas de combate ao desmatamento, estabelece metas condizentes com a ilegalidade.

Uma das ações listadas no Plano é a imputação de responsabilidades contra os ilícitos ambientais. Entretanto, o governo vem editando normas que enfraquecem o processo sancionatório ambiental, como o Decreto nº 9760/2019, que incluiu uma fase conciliatória com o infrator logo após a emissão da autuação, que suspende o processo administrativo e, na prática, tem impedido o Ibama de cobrar as multas ambientais aplicadas desde 2019.

Nesse sentido, nesta quarta feira (14), Ibama e ICMBio editaram a Instrução Normativa Conjunta nº 01/2021), que dificulta ainda mais a apuração de infrações ambientais. A norma centraliza o poder decisório nas chamadas “autoridades hierarquicamente superiores”, estabelece prazos exíguos (5 dias) para análises de infrações e inverte os procedimentos administrativos, pois agora passa a exigir que seja elaborada relatório de fiscalização como condição prévia para a lavratura do auto de infração, podendo inviabilizar o procedimento interno do Ibama por meio do Auto de Infração Eletrônico.

Além disso, nos anos de 2019 e 2020, enquanto o desmatamento explodiu, houve drástica redução do número de autuações ambientais aplicadas pelo Ibama na Amazônia legal: 29% e 46%, respectivamente, num total de 61% de redução em comparação com 2018.

O Plano também estabelece o fortalecimento dos órgãos de fiscalização e combate. Mas como isso pode ocorrer com o desmonte do orçamento realizado pelo Ministro Ricardo Salles? Analisando o orçamento do Ibama, em especial os valores liquidados na ação de controle e fiscalização ambiental, a redução de recursos aplicados em 2020 foi de 66,7% em comparação com 2019. Para o ICMBio, a ação de fiscalização ambiental sofreu uma redução, em 2020, de 51,8% em relação ao ano anterior. Se compararmos o orçamento de 2021 (dotação inicial) previsto para a implementação deste Plano com a média do período estabelecido como meta de redução do desmatamento (2016 a 2020), o orçamento do Ibama para controle e fiscalização ambiental é 61% menor. E para a ação de fiscalização ambiental do ICMBio, o orçamento é 66% inferior.

Apesar do Plano fazer referência a áreas críticas, o plano afirma que priorizará apenas 11 municípios críticos, enquanto o PPCDAm atuava com prioridade em 39 municípios mais desmatados.
Diferentemente do PPCDAm, não há qualquer menção as áreas protegidas - Terras Indígenas e Unidades de Conservação -, as mais preservadas e com maior contribuição nos estoques de carbono do país, que passaram a sofrer com a forte ampliação da da escalada de invasões e desmatamentos ilegais a partir de 2019. Levando-se em conta a média dos dez anos anteriores ao governo Bolsonaro, o desmatamento nas áreas protegidas cresceu 78%. Ou seja, entre 2009 a 2018, a média registrada pelo Inpe foi de 1.091,6 km² por ano, e durante o governo Bolsonaro a média foi de 1.940,8 km² por ano.

No mais, há ações estabelecidas no Plano que, ao contrário de reduzir, levarão ao aumento dos altos índices de desmatamento verificados na atualidade. É o caso da proposta de aprovar um projeto de lei no Congresso Nacional para regular o roubo de terras na Amazônia, inclusive os mais recentes, quando a sociedade se aterrorizou com as fortes queimadas no bioma. Trata-se de medida que estimulará novas invasões de áreas protegidas e roubos de terras públicas. Nesse modelo de legitimação da ilegalidade, as ligações entre desmatamento e grilagem representam a continuidade de um processo de apropriação ilegal de terras da União. A proposta de Bolsonaro de regularização fundiária legitima a prática de grilagem, promove o desalinhamento das políticas fundiária e ambiental e beneficia médios e grandes produtores rurais em detrimento de agricultores familiares, povos indígenas e comunidades tradicionais.

Apresentar um plano com validade de dois anos, e com caráter genérico e oportunista, com metas menos ambiciosas do que as já comprometidas pelo país, reflete não só a ausência de uma visão de longo prazo para a Amazônia, o que levará ao descumprimento do Acordo de Paris, como indica que haverá continuidade na política predatória levada a cabo por Bolsonaro e Salles.

Antonio Oviedo e Maurício Guetta
ISA
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