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A Polícia Federal arquivou na quinta-feira (6/4) o inquérito contra Almir Suruí, encerrando um processo de caráter intimidatório contra uma das principais lideranças indígenas do país. Na quarta-feira (5/5), o órgão havia arquivado o inquérito contra Sônia Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas no Brasil (APIB), por ordem da Justiça Federal.
No caso de Almir, a própria PF arquivou o processo por falta de argumentos sólidos. O inquérito aberto tentava criminalizar a campanha “Povos da floresta contra a Covid-19”. Agora, o arquivamento precisa ser confirmado pela Justiça Federal após manifestação do MPF (Ministério Público Federal).
A mobilização, que fazia parte de uma estratégia de combate à pandemia em setembro de 2020, foi promovida pela associação Instituto Wãwã Ixoth e Associação Metareilá do povo indígena Suruí, representada por Almir.
Atualmente, segundo dados da Apib, mais da metade dos povos indígenas foram diretamente atingidos pela Covid-19. São mais de 53 mil casos confirmados e 1061 óbitos até o momento. Por falta de uma política governamental efetiva de enfrentamento ao atual contexto de crise sanitária, as populações indígenas se mobilizaram para arrecadar insumos básicos e distribuí-los nas comunidades. Foi o caso dos Suruí. Com o dinheiro arrecadado, eles puderam comprar cestas básicas.
Em carta aberta, Márcio Santilli, sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA), mostrou o seu repúdio ao posicionamento da Funai, órgão que deveria promover assistência, proteção e garantias de direitos aos povos indígenas brasileiros e que está operando de encontro às suas origens. Santilli aponta o caráter de intimidação e criminalização do inquérito, que partiu do presidente da fundação. Ele também lembra da importância da ação de Almir junto ao seu povo e pela proteção das florestas de Rondônia, um dos Estados mais afetados pelo desmatamento.
“O presidente da Funai deveria te respeitar. Você não é criança e ele chegou só agora a essa função. Não tem história, nem compromisso com os povos indígenas. Veio pelas mãos dos ruralistas, a quem prestou serviços em uma CPI criada para destruir a Funai e os direitos dos povos indígenas.”, disse Santilli em apoio a Almir.
Aos 46 anos, Almir Narayamoga Suruí, do povo Suruí Paiter, é reconhecido internacionalmente como uma das lideranças indígenas mais importantes do país por ter denunciado a exploração ilegal de madeira nas terras indígenas à Organização dos Estados Americanos (OEA), por defender os direitos e a integridade dos povos isolados e por lutar contra as hidrelétricas do Rio Madeira, em Rondônia. Os Suruís de Rondônia se autodenominam Paiter, que significa "gente de verdade, nós mesmos”.
Em 2005, contrariado com a comercialização ilegal de madeira no território de seu povo, implantou um projeto de monitoramento e reflorestamento, com a proposta de recuperar pastos, capoeiras — áreas de mata rasteira — e enriquecer a floresta com espécies retiradas pelos invasores. Sua atuação principal visa à proteção da Terra Indígena Sete de Setembro e demais terras pressionadas pelo roubo de madeira.
No campo das organizações indígenas, já dirigiu o departamento Etnoambiental da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e, em 2007, atuou como conselheiro do Conselho Nacional de Política Indigenista. Hoje está à frente da Associação Metareilá e articula pautas internacionalmente.
Em 2008, ganhou o Prêmio Internacional de Defensor de Direitos Humanos, pela Société Internationale dês Droits, em Genebra. Durante a reunião da COP 15 em Copenhague, em 2009, apresentou o Projeto de Carbono Florestal Suruí, ganhando o Prêmio Maia Lin, e, em 2013, foi reconhecido com o título “Herói da Floresta” pela ONU.
No início deste ano, em conjunto com o cacique Raoni Metuktire, liderança histórica do povo Kayapó, Almir abriu denúncia sobre ecocídio contra Jair Bolsonaro (sem partido) no Tribunal Penal Internacional (TPI), elencando os crimes ambientais cometidos pelo presidente, em um contexto de crimes contra a humanidade e ecocídio. Esta é a quinta denúncia contra Bolsonaro desde o início do seu mandato.
As violações de direitos cometidas contra os povos indígenas durante a pandemia da Covid-19 só aumentam, somadas à exploração dos seus territórios por garimpeiros, madeireiros, grileiros etc. Nesse cenário, as lideranças indígenas estão na linha de frente desse combate, denunciando os crimes e violações de direitos. As acusações infundadas contra Sônia Guajajara e Almir Suruí não são casos isolados. Em 2020, sem qualquer prova, o atual governo culpou os indígenas pelas queimadas na Amazônia e no Pantanal e, em 2019, acusou o cacique Raoni de servir aos interesses estrangeiros na Amazônia.
Para o próprio Almir, as acusações tentam intimidar os líderes e permeiam a tentativa de restringir a liberdade de expressão. “A Funai e o governo Bolsonaro promovem perseguições para constranger as lideranças indígenas, para deslegitimar nossas lutas e reafirmar sua sórdida e genocida política de destruição ambiental e de extermínio dos nossos povos. Tentam calar nossas vozes, mas não conseguirão”, disse em suas redes sociais ao ser intimado pela PF.