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Nesta semana, tivemos a notícia de mais uma importante liderança indígena que partiu em decorrência das complicações da Covid-19. Carlos Terena era do Clã Xumonó, da metade oposta à minha (Sukirikionó), e primo do meu pai, Newton Galache, ambos naturais da Terra Indígena Taunay-Ipegue, em Mato Grosso do Sul.
Contam, nas histórias antigas, que nossa família descende de um grande rezador, chamado Pakakú, que via o futuro através dos sonhos e tinha poderes de cura, que remontam desde tempos nos quais não havia fronteiras brasileiras, paraguaias e bolivianas. Apenas o Chaco era nossa morada, chamado em nossa língua de Êxiwa. Das sementes do Koixomuneti (Pajé) Pakakú, saíram importantes figuras do Povo Terena, que se embrenharam em diferentes searas, principalmente em decorrência do contato exaustivo com a sociedade não indigena. Dessa linhagem de Pakakú, já tivemos parentes que lutaram na Guerra do Paraguai (1864-1870), na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e que desbravaram outros caminhos nesses séculos de histórias.
Um desses Terena foi Carlos Justino Marcos, conhecido pela família como Maninho, e pelo mundo como Carlos Terena. Na juventude, mudou-se para Brasília, junto com outro grupo de jovens indígenas, e sempre com um sonho de reunir as diversas nações indígenas do mundo. Teve participação ativa também na Constituinte (1987-1988), ao lado do seu irmão Marcos Terena. Mas foi pelo esporte que ganhou notoriedade, com a criação dos Jogos dos Povos Indígenas. A primeira edição foi em 1996, em Goiânia. Até o ano de 2015, o evento já contava com 13 edições, incluindo os Jogos Mundiais dos Povos Indígenas (2015), com participação de povos originários de diversos países.
A luta e vida de Carlos Terena ocorreram principalmente no campo do esporte. Por meio dele promovia grandes encontros interculturais com Povos indígenas que nunca se viram e nunca foram vistos pela sociedade em geral, disputando simbolicamente alguma prática esportiva nativa ou algo que fosse somente um passatempo divertido, atraindo olhares de diversos setores da sociedade, inclusive o artístico.
Carlos Terena, nos deixou no sábado, 12 de junho de 2021, aos 66 anos, em decorrência de complicações da infecção por Covid-19. Ele estava internado desde o dia 24 de maio, e não resistiu após o agravamento de quadro de saúde.
Nessa pandemia, as comunidades indígenas foram afetadas drasticamente pelo novo coronavírus, com a morte de inúmeras lideranças, que levaram consigo saberes milenares, como a pajé Iamony Menihako, o cacique Aritana Yawalapiti, o Kaiapó Paulinho Paiakan e agora nosso parente Carlos Terena. O legado dessas grandes lideranças segue agora nas mãos de seus filhos, sobrinhos e netos e, no caso de Maninho, de suas filhas, Maíra Elluké e Melissa Mõngé, além de sua neta Hanna Queiroz. São elas que trazem agora uma perspectiva feminina à luta dos nossos antepassados. Que nossos cantos ecoem pelas madrugadas, nesse mundo e em outros.