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Claudia Andujar completa 90 anos de vida e 50 de luta pelos Yanomami

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Fotógrafa e ativista nasceu em junho de 1931 e, desde a década de 1970, se dedica a dar rosto à causa dos Yanomami, povo com quem mantêm uma relação que transcende a militância
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“Na época não me importava não entender a língua dos Yanomami. Nós nos entendíamos com gestos e mímica. As respostas, encontrava no olhar. Não sentia a falta de troca de palavras. Queria observar, absorver, para recriar em forma de imagens o que sentia. Talvez o diálogo iria até interferir. Só mais tarde, quando acabei de fotografar, eu procurei a comunicação verbal”. Trecho de reportagem do jornal Ex-, n. 14, set. 1975 e reproduzido no catálogo da exposição “Claudia Andujar: A luta Yanomami”

A fotógrafa e ativista Claudia Andujar nasceu em 12 de junho de 1931 na cidade suíça de Neuchâtel e, ainda pequena, se mudou para a Hungria, onde sentiu na pele os horrores da guerra e do deslocamento forçado. Seu pai e quase toda a família paterna, judeus, foram assassinados em campos de concentração nazistas. Com o apoio de um tio que havia emigrado para os Estados Unidos antes da Segunda Guerra, ela viajou com a mãe para Nova York, em 1948. Claudia desembarcaria no Brasil, sua pátria escolhida, aos 24.

Sem saber falar o Português, ela encontrou na fotografia um canal de comunicação com o novo mundo que se revelava. Os anos foram passando e seus registros de viagens começaram a despertar o interesse de veículos nacionais e internacionais. Em 1958, por sugestão do amigo e antropólogo Darcy Ribeiro, Claudia se conectou com a causa indígena.

Em 1971, o mergulho a levaria ao território Yanomami, objeto de uma reportagem da Revista Realidade. Naquele ano, a política integracionista da ditadura cívico-militar brasileira estava a todo vapor e a chegada da Rodovia Perimetral Norte levava destruição e doenças aos indígenas, de recente contato. Claudia, em diálogo com as comunidades pelas lentes de sua câmera, entendeu a emergência de denunciar o que estava acontecendo ao mundo. A filha do exílio, que relatava sentir que não pertencia a lugar algum, encontrou na luta pelos direitos dos Yanomami seu compromisso de vida.



Para homenagear seus 90 anos, o ISA conversou com quem construiu ao seu lado a Comissão Pró-Yanomami, que fortaleceu a luta do líder e xamã Davi Kopenawa e pressionou pela demarcação da maior terra indígena do Brasil, em 1992: a Terra Yanomami.

Carlo Zacquini, missionário da Congregação Nossa Senhora da Consolata, trabalha junto aos povos Yanomami e Ye’kwana desde a década de 60:

“Em 1978 participamos de uma manifestação na PUC [Pontifícia Universidade Católica] de São Paulo - eu, Bruce [Albert], Claudia e outros colegas, onde estavam todos os monstros consagrados do indigenismo no Brasil como Villas Boas e Darcy Ribeiro. Naquela época o ministro do interior, o general José Costa Cavalcanti, queria emancipar os indígenas, que na verdade era emancipar as terras indígenas, como aconteceu no passado, ocupadas pelos fazendeiros. Depois dessa manifestação resolvemos criar uma associação, a Comissão Pela Criação do Parque Yanomami (CCPY), mas com a Constituição de 1988, a figura de parque indígena foi abolida, assim também tivemos que mudar o nome da organização para Comissão Pró–Yanomami, foi quando fizemos primeiro mapeamento, com mapas confiáveis, da Terra Indígena Yanomami, antes eram muito falhos e sem precisão.

Collor [então presidente da República] era tido como o grande explorador, topou e mandou demarcar em 1991 a Terra Yanomami e 1992 foi homologada, registrada e legalizada, e deveria estar totalmente protegida, mas hoje está totalmente invadida.

A Claudia foi muito importante em todos esses processos, principalmente para a divulgação, praticamente no mundo todo, dos Yanomami. Mas, o que marca também o trabalho dela é a valorização do Davi Kopenawa, desde o início, quando ele nem era conhecido. Ela sempre apoiou o Davi, inicialmente aqui no Brasil, levando-o para conhecer outros povos indígenas. Assim ele passou a perceber e entender que o problema da invasão nas terras indígenas não era só na terra Yanomami, mas que, infelizmente, já tinham terras indígenas em situações muito piores. Claudia foi a primeira pessoa a levar o Davi para fora do Brasil e assim fortalecer a luta pela demarcação e homologação, sempre o acompanhou em vários países por ela ter muitos contatos e falar várias línguas”.

Beto Ricardo, antropólogo, pesquisador, ativista e um dos fundadores da CCPY:

"Claudia querida, nós temos que nos preocupar agora de passar a bola para a nova geração de líderes yanomami, como o Dário Kopenawa, [filho do líder e xamã do povo Yanomami, Davi Kopenawa], e da equipe do ISA que apoia os Yanomami que também tem jovens que estão assumindo esse trabalho tão importante e que precisa ser persistente. Os Yanomami estão sofrendo um grave drama com o território invadido por milhares de garimpeiros e as autoridades não fazem nada para diminuir o sofrimento desses povos, portanto, esse teu trabalho não foi em vão, mas ele tem que persistir”.



Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami:

“Ela conhece muitos bisavôs Yanomami. É uma pessoa com o coração muito bom para ajudar. Chegou primeiro na missão Catrimani em 1971 para ajudar e proteger o nosso povo. Quando ela encontrou meu pai [Davi Kopenawa], conversou com ele, ensinou a lutar pela terra e o apoiou na defesa do povo yanomami. Foi uma pessoa de extrema importância no processo de homologação e demarcação, junto à CCPY, onde fez um bom trabalho.

Nós, povos Yanomami e Ye'kwana, reconhecemos o trabalho que a Claudia fez. Ela demonstrou compromisso e amor à população Yanomami. Ajudou muito as nossas lideranças mais velhas. Demonstrou sua capacidade e conhecimento sobre a cultura do povo Yanomami para mostrar ao mundo quem nós somos.

Eu sou geração da Claudia, como jovem reconheço esse apoio com carinho, respeito e admiração com toda proteção aos nossos povos. Ela conhece nossos pais e avós. Ela sofreu junto com a gente e fez com que a sociedade não indígena nos reconhecesse. Levou nossa voz, deu visibilidade aos nossos problemas de invasão da terra. A história dela faz parte da história dos povos Yanomami e Ye'kwana.

Claudia abriu a visão do meu pai para falar com autoridades. É uma pessoa muito corajosa”.
No próximo ano, quando a Terra Yanomami completará 30 anos, queremos a Claudia aqui. Não sei se vai conseguir chegar por conta da idade, mas gostaríamos muito de homenageá-la. Graças à ela vamos completar 30 anos da nossa terra, do nosso território demarcado, com mais de nove milhões de hectares”.

A Hutukara também faz parte desse mundo não indígena que a Claudia nos apresentou, com todo apoio e testemunho de um trabalho dela. Nossa grande parceira!”

Evilene Paixão
ISA
Imagens: