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Bolsonaristas e ruralistas aprovam em comissão maior ameaça a direitos indígenas em décadas

Presidentes da Câmara e da Comissão de Constituição e Justiça manobram para aprovar proposta que permite anular Terras Indígenas e inviabiliza demarcações
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Reportagem: Oswaldo Braga de Souza (ISA) e Jéssica Botelho (Apib)
Texto atualizado às 15:37 de 25/6/2021

Sob liderança de ruralistas e bolsonaristas, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou, por 40 votos contra 21, o texto principal do Projeto de Lei (PL) 490/2007. A votação terminou, no fim da tarde de hoje (23), após uma batalha de requerimentos apresentados pelos oposicionistas para tentar suspender a votação e retirar a proposta da pauta durante todo o dia.

A previsão é de que os oito destaques ao relatório do deputado Arthur Maia (DEM-BA) sejam votados na comissão, na terça (29). Depois disso, o parecer segue para o plenário. Se for aprovado, vai ao Senado.

O PL 490 é uma bandeira de Jair Bolsonaro e da bancada que diz representar o agronegócio. Se aprovado, na prática vai inviabilizar as demarcações, permitir a anulação de Terras Indígenas (TIs) e escancará-las a empreendimentos predatórios, como o garimpo, estradas e grandes hidrelétricas. A proposta é inconstitucional, na avaliação do movimento indígena e de vários juristas.

“O que nós queremos é que a lei seja cumprida, que a Constituição Federal seja respeitada. Esse projeto de lei pode anular as demarcações de Terras Indígenas no país, é uma agressão aos povos originários”, criticou Dinamam Tuxá, da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e a presidente da CCJ, Bia Kicis (PSL-DF), manobraram para retardar o início da sessão do plenário principal da casa, permitindo que a reunião da comissão fosse prolongada e o PL fosse aprovado. Desde o meio da manhã, Kicis rejeitou, um a um, os inúmeros requerimentos, questões de ordem, pedidos de audiência pública e apelos pelo diálogo com o movimento indígena, que pede para ser ouvido sobre a proposta há semanas, feitos pela oposição.

Kicis suspendeu a reunião da comissão marcada para ontem, após um protesto pacífico de indígenas contra o PL ser reprimido com violência pela polícia, do lado de fora da Câmara. Num ato considerado incomum e autoritário pela oposição, ela pautou a proposta como único item da pauta de hoje.

A violência policial deixou três indígenas feridos. Outros dez passaram mal. Os manifestantes protestavam pacificamente, no estacionamento do Anexo 2 da Câmara, quando foram atacados pela PM, com balas de borracha, bombas de gás lacrimogêneo e efeito moral. Crianças e idosos estavam no local.

A manifestação fez parte do Acampamento Levante da Terra (ALT), que está instalado ao lado do Teatro Nacional, em Brasília, há três semanas, para protestar contra a agenda anti-indígena do governo e do Congresso, e também em defesa de decisões favoráveis no Supremo Tribunal Federal (STF). Cerca de 850 indígenas, de 48 povos diferentes de todas as regiões do Brasil, participam do acampamento. Estão todos vacinados e seguindo os protocolos sanitários (distanciamento, uso de máscara e higienização constante das mãos).

Ao longo de todo o dia de hoje, os indígenas seguiram se manifestando do lado de fora da Câmara de forma pacífica. Eles chegaram a entregar flores aos policiais que vigiavam o protesto.


Inconstitucionalidade

“Nossa Constituição não pode ser mudada por qualquer interesse egoísta, individual, de que tem olhar de cobiça para as Terras Indígenas. Esse olhar que a gente vê em todos os discursos que querem emplacar o PL 490. Pura cobiça nos recursos naturais das Terras Indígenas, que são garantidas pela Constituição Federal", ressaltou a deputada Joenia Wapichana (Rede-RR). De acordo com a parlamentar, o procedimento legislativo na CCJ foi falho, justamente por não identificar a inconstitucionalidade da matéria.

Vários oposicionistas lembraram que o STF deverá se pronunciar sobre vários dos pontos previstos no PL 490, a exemplo do “marco temporal”. Trata-se de uma tese ruralista que defende que as comunidades indígenas só teriam direito às terras que estivessem sob sua posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. “Tentam apressar esse assunto dentro de um Projeto de Lei para que justamente haja uma competição com o Supremo. Isso é um absurdo", frisou Joenia.

Ainda ontem, 13 entre os maiores juristas do país encaminharam uma carta a Arthur Lira e Bia Kicis pedindo a retirada de pauta do projeto da pauta da CCJ. Eles também argumentaram que a Câmara deveria aguardar a decisão do STF.

Preconceitos e discriminação contra os indígenas

Entre ontem e hoje, deputados governistas fizeram falas que podem ser consideradas preconceituosas e discriminatórias contra a mobilização e os povos indígenas em geral. A deputada Alê Silva (PSL-MG) chegou a comparar as Terras Indígenas a “zoológicos humanos” e acusou os manifestantes do lado de fora do Congresso de “arruaceiros” e “boçais”.

Ontem, Arthur Lira acusou os indígenas de fazer uso de drogas no teto do parlamento. "Na semana passada, chegaram aqui alguns representantes dos índios e invadiram o Congresso Nacional, subiram ao teto das cúpulas e ficaram usando algum tipo de droga”, afirmou, sem nenhuma evidência.

Joenia Wapichana, que é a primeira deputada federal indígena eleita no país, também foi desqualificada pelos bolsonaristas. Ela anunciou que irá fazer uma denúncia no Conselho de Ética contra outra líder da tropa de choque governista, Carla Zambelli (PSL-SP). De acordo com Wapichana, ao encontrá-la nos corredores da Câmara, Zambelli disse que ela não representaria os indígenas e que "os seus índios são assassinos".


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