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Givânia da Silva, educação e ação política como caminho para dias melhores!

#ElasQueLutam! A coordenadora da Conaq é, há décadas, uma voz potente na defesa dos direitos quilombolas e na luta pela transformação social
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“Eu sou herdeira das Crioulas. São elas que me movem e me sustentam até hoje. Pertencer à essa história não te dá o direito de ver a violência, ver a opressão, e não se indignar, não buscar dias melhores”.

Nos idos de 1802, em pleno sistema escravista, seis mulheres negras se uniram e fundaram um território quilombola - Conceição das Crioulas, no Pernambuco.

Nascida na comunidade, Givânia da Silva herdou esse legado de resistência e protagonismo e é, há décadas, uma voz potente na defesa dos direitos quilombolas e na luta pela transformação social.

“Até 1995, ir além das séries iniciais na minha comunidade ficava apenas nos sonhos de algumas e alguns de nós,” conta. As meninas, muitas vezes, tentavam conciliar os estudos ao trabalho como domésticas, o que nem sempre era possível; e os meninos frequentemente iam para São Paulo, onde passavam a trabalhar por salários baixos e em condições de precariedade. Mas, curiosa, inquieta e recebendo muito incentivo dos pais, Givânia foi a primeira pessoa do território a se formar no magistério e se tornar professora. “É uma coisa que eu conto não com orgulho e sim com tristeza, porque era a negação do direito à educação [aos demais]”, reflete.

Como educadora e, posteriormente, primeira diretora da Escola Fundamental criada dentro da comunidade, Givânia ajudou a construir um currículo escolar que incluísse as vivências e sabedorias passadas pela comunidade e os aprendizados sobre questões raciais aos quais ela já tinha contato. “Hoje a gente tem uma comunidade com alto índice de pessoas com curso superior, então para mim, ter aberto essa porta foi também abrir a porta pra comunidade, para que outras pessoas pudessem estudar”, comenta.

“A educação é a minha paixão. Eu acho que essa é a possibilidade que a gente tem de fazer alguma mudança”. Mestre e doutora pela Universidade de Brasília, Givânia já é referência nas pesquisas sobre educação escolar quilombola e estuda também as estratégias de organização política das mulheres quilombolas e as questões agrárias em quilombos.



Ainda estudante, reconhecendo os ciclos de opressão que seu povo precisava enfrentar e decidida a mudá-los, aproximou-se de movimentos sociais ligados à Igreja, como a Pastoral da Juventude e as Comunidades Eclesiais de Base, bem como do Movimento Negro Unificado. Estudando a história do seu território e tendo acesso às trajetórias e lutas de outras comunidades, Givânia passou a participar ativamente da construção do movimento quilombola. Ela contribuiu para a realização do 1º Encontro Nacional Quilombola e, pouco depois, para a criação da Conaq - Coordenação Nacional de Articulação dos Quilombos, que completou 25 anos em 2021.

“Nós temos feito, nesses 25 anos, uma ação radical de combate ao racismo, de defesa dos direitos. A luta do povo negro sempre foi assim e a Conaq é a continuidade [disso]”, aponta. Um dos seus grandes orgulhos é saber que, se em 1996, quando nascia a Conaq, pensava-se existirem 412 comunidades, hoje já são mais de 6.000. “Fato é que a Conaq foi e é a grande organização de mobilização e defesa dos direitos quilombolas e também de afirmação da identidade quilombola”.

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Outras conquistas da organização incluem a incidência na construção de políticas de titulação dos territórios quilombolas, de educação escolar quilombola e de combate à Covid-19. “Mas a gente não pode se contentar com isso, nós precisamos continuar lutando”, diz.

Givânia passou também pela política partidária, como vereadora de Salgueiro, município onde está o Quilombo Conceição das Crioulas; e integrou as equipes de gestão federal das políticas para a população quilombola: foi Secretária de Políticas para as Comunidades Tradicionais, dentro da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, e Coordenadora de Regularização Fundiária dos Territórios Quilombolas no Incra. “Eu me ocupei de consolidar a política [de titulação]”, explica, sobre a experiência no Incra. “[A política] não tem recurso, não tem orçamento, não tem nada, mas ela tem um fluxo; e esse fluxo foi influenciado ali sob a minha coordenação”.

“Todas as políticas para os pobres no Brasil vêm sofrendo só declínio, e a política de regularização fundiária não sai desse lugar, porque os governos, tanto de Michel Temer como de Jair Bolsonaro, são comprometidos em exterminar direitos”, ela avalia. “O Incra está no Ministério da Agricultura, um ministério comprometido com latifúndios, com os ruralistas. Você entrega o galinheiro para a raposa, é muito difícil”.

Como mulher negra e quilombola, Givânia vivenciou, ao longo de sua trajetória, o violento processo “de negação de direitos e de extermínio dos nossos corpos, saberes e territórios” provocado pelo casamento entre o machismo e o racismo. No entanto, ela se anima ao perceber como as mulheres têm formas múltiplas e valiosas de enfrentamento a estas violências e o quanto elas nos ensinam todos os dias.

“A gente vem mostrando que a perspectiva do quilombo é esse lugar de resistência e ação política, esse lugar que tem as mulheres como protagonistas dos processos. Então, [espero] que a sociedade entenda que esse modo de vida é importante e pode inspirar outras possibilidades de organização social”, comenta. Olhando para si própria, ela complementa: “eu sou uma mulher comprometida com a história do meu tempo e com as lutas sociais. Eu posso dizer que eu acordo todos os dias desejando e tentando encontrar caminhos para contribuir para uma sociedade mais justa”.

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Victoria Martins
ISA
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