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Chirley Pankará, no solo da aldeia e nos corredores da Alesp!

#ElasQueLutam! A educadora e primeira co-deputada indígena do estado de São Paulo tem uma longa trajetória de resistência e ativismo
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Por Victoria Martins

Ao lado dos seus, olhando no olho, é como Chirley Pankará se sente verdadeiramente bem. Se pudesse, passaria os dias na aldeia, em seu pedaço de terra, vendo “as árvores dançarem”. Ainda assim, ela não foge de briga — e diz se enfiar em qualquer lugar para lutar. “É em defesa dos direitos dos povos indígenas? Eu estou dentro!”, exclama.



É com esse espírito de quem carrega a militância na veia, e com a força de quem sabe que os povos originários devem ocupar espaços e gritar, que Chirley atua, desde 2018, como co-deputada do Estado de São Paulo, junto à Bancada Ativista (Psol).

“[A política] é a possibilidade de falarmos sobre nós mesmos. É ser a voz que representa tantas outras vozes que diariamente são silenciadas pelo Brasil”, afirmou ao Ecoa UOL. “É cansativo, desafiador, mas se faz necessário, porque sabemos que é ali [na política partidária] onde se efetivam as políticas públicas e onde estaremos rebatendo retrocessos”, conta ao ISA.

Cada um dos co-deputados que integram o mandato coletivo tem autonomia para propor projetos de lei que atendam às necessidades dos grupos e bandeiras que representam. Para Chirley, isso significa reforçar a existência indígena no estado de São Paulo e levar as pautas territoriais, de saúde, educação e geração de renda ao Legislativo, “para que a gente evite descasos aos nossos modos de vida”.

A partir deste ano, um projeto de sua autoria passa a incluir o Agosto Indígena no calendário oficial do estado. Em referência ao Dia Internacional dos Povos Indígenas, celebrado no dia 9, o Agosto Indígena é um movimento para reconhecer este mês como uma época para homenagear as histórias reais e cotidianas de resiliência e participação ativa dos povos indígenas na trajetória do nosso país - em oposição aos estereótipos sobre estas comunidades muitas vezes associados ao Dia do Índio, que acontece em 19 de abril.

A chegada de Chirley à Assembleia Legislativa do estado de São Paulo é o mais recente passo em uma longa trajetória de resistência e ativismo. Nascida no município de Floresta (PE), ela migrou para São Paulo no fim dos anos 1990 para poder estudar e buscar oportunidades, onde trabalhou como diarista e operária. Se formou pedagoga, mestre em Educação e, mais recentemente, entrou para o Doutorado em Antropologia.

Em 2009, começou a participar da Rede GRUMIN de Mulheres Indígenas, organização criada por Eliane Potiguara para o fortalecimento e integração das mulheres indígenas no processo sociopolítico do país, e passou a se envolver com grande entusiasmo no movimento indígena e nas lutas por território, igualdade e educação de qualidade.

O carinho pela educação indígena, pelo teatro, pela dança e pela contação de histórias e seu compromisso e determinação com as causas indígenas a levaram a se integrar à Agenda 21 no Consórcio das Sete Cidades do ABC Paulista, dentro do qual promoveu um projeto de valorização das culturas indígenas nas escolas municipais de Mauá.

Chirley participou do Observatório de Educação Escolar Indígena, onde promoveu pesquisas sobre os sentimentos e pertencimentos de estudantes indígenas em escolas não-indígenas e, ao longo de oito anos, atuou como coordenadora do Centro de Educação e Cultura Indígena (CECI), sempre junto aos Guarani Mbya que vivem em São Paulo.

“Desde criança, eu sempre trouxe o ativismo, desde as brincadeiras na mata, fazendo cerâmicas de barro. Sempre houve esse despertar,” conta. “O que me move é a defesa dos povos indígenas, é lutar pela memória dos nossos ancestrais, é garantir o direito para que nossas crianças e nossos mais velhos possam existir em paz. [É] preservar o que nós temos de povos indígenas hoje, tão sofridos e tão resistentes nesse país”.

Bancada Ativista

Muito participativa dentro do movimento indígena e sempre disposta a discutir políticas públicas e luta por direitos, Chirley foi instigada por alguns parentes a concorrer, em 2018, a um assento na Câmara dos Deputados. Não topou, por entender que tinha pouca participação e experiência na política partidária para entrar em um cargo federal, mas o interesse permaneceu.

Foi então que lhe apresentaram o mandato coletivo, que ainda estava em construção, e ela se viu acolhida e preparada para “somar forças”. “E fui aprendendo. [Imagine,] uma pessoa que passa 20 dias em um acampamento em Brasília lutando por demarcação de terras, pela saúde, pela educação, junto com o povo, olhar para esse lado da política partidária, que já vem carregado de burocracias, de cobranças…", afirma. “[Mas] apesar dos desafios enfrentados, está valendo a pena”.

Ainda que seja a única indígena no Legislativo paulista, Chirley garante que nunca está só. Não apenas ela leva toda a coletividade e particularidades dos povos indígenas do estado para a Alesp, como se fortalece e se inspira em outras mulheres indígenas que estão, hoje, ocupando espaços de poder. “[Veja] o quanto a deputada Joênia Wapichana foi importante [na luta] contra o Projeto de Lei 490, contra o Marco Temporal, o quanto essa mulher foi guerreira, foi forte e atuou junto com a gente”, relembra.

“É muito gratificante estar atuando ao lado de grandes mulheres guerreiras. [Estamos] na linha de frente, defendendo a nossa Mãe Terra, nos contextos urbanos, nas assembleias, nas universidades. Estamos avançando e queremos dialogar junto [com os homens], dar as mãos e fazer uma caminhada por justiça e garantia dos nossos territórios”. Ao Portal Catarinas, ela completa: “a literatura tem nos visto por anos como frágeis, mas estamos aqui para dizer que somos a força”.

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