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Marques vota contra direitos indígenas e Moraes suspende julgamento no STF mais uma vez

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Análise sobre regras de demarcações fica suspensa até data indefinida. Placar está empatado, com um voto a favor e outro contra direitos indígenas
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Reportagem e edição: Oswaldo Braga de Souza, com informações da assessoria da MNI
Texto atualizado em 16/9/2021, às 11:19

Coube a um dos principais protagonistas da cena política do momento interromper mais uma vez o julgamento que pode definir o futuro dos povos indígenas no país. No meio da tarde desta quarta (15), o ministro Alexandre de Moraes pediu “vistas” para analisar melhor o processo que discute as regras sobre o reconhecimento das Terras Indígenas (TIs) no Supremo Tribunal Federal (STF). Com isso, o caso está suspenso até uma data incerta.

Moraes fez a solicitação após a manifestação do ministro Nunes Marques, que abriu divergência em relação ao voto do relator, Edson Fachin, lido na semana passada. Fachin posicionou-se a favor dos direitos indígenas e rechaçou a existência de um "marco temporal" para as demarcações.

Já Marques defendeu as posições ruralistas (leia abaixo). Assim, o julgamento está 1 x 1. Faltam nove ministros para votar. Eles podem concordar com uma das duas posições ou propor uma alternativa.

Moraes teria dito a colegas que pretende liberar o processo em breve, embora não tenha informado quando, segundo a colunista do UOL Carolina Brígido. O regimento interno do STF estabelece um prazo de 30 dias para isso, prorrogável por mais 30. A Corte não prevê sanções em caso de descumprimento da norma, porém, e é comum que esse período de tempo seja estendido indefinidamente.

Depois da devolução, depende do presidente da corte, Luiz Fux, pautar o caso novamente. Sua análise deve ser reiniciada com o voto de Moraes, que será seguido pelos outros oito ministros, do mais novo ao mais velho, Gilmar Mendes. O último a falar é Fux.

O julgamento começou no dia 26/8 e chegou a sua quarta semana sob grande expectativa. Antes disso, só neste ano, havia sido adiado quatro vezes, quando outras ações foram apreciadas: em 11, 30 e 31/6 e em 25/8. As sessões do plenário do Supremo ocorrem apenas às quartas e quintas, por tempo limitado, entre às 14h e 18h. Por isso, casos complexos podem arrastar-se por semanas.

"A falta de decisão do STF dá margem a aumentar a tensão, os conflitos que já existem. Ainda estamos nessa insegurança jurídica”, analisou Samara Pataxó, da coordenação jurídica da Articulação dos Povos Indígenas no Brasil (Apib), após o fim da sessão do tribunal. “Ainda ficamos reféns dessas omissões por parte do Poder Executivo, ou seja, os processos que estão na Funai [Fundação Nacional do Índio], no Ministério da Justiça ou pendentes de homologação, na mesa do presidente da República, ficam no estado em que estamos", acrescentou.

As demarcações estão totalmente paralisadas desde o final do governo Temer (2016-2018). Jair Bolsonaro tem o pior desempenho no reconhecimento dos territórios indígenas desde o fim da ditadura militar.

Inimigo de Bolsonaro

Moraes conduz alguns dos inquéritos que envolvem Jair Bolsonaro e seus filhos, como os relacionados à disseminação de notícias falsas e aos atos antidemocráticos, e foi escolhido pelo presidente como um de seus inimigos. Nas manifestações do último 7 de setembro, Bolsonaro fez novas ameaças golpistas e chegou a chamá-lo de canalha.

Pouco depois, seguindo sua tática habitual de radicalização e recuo, pediu que seus apoiadores se desmobilizassem e divulgou uma carta, afirmando que nunca teve a “intenção de agredir quaisquer Poderes” e pregando a “harmonia” entre eles. Chegou a ligar para Moraes. Texto e conversa foram intermediados pelo ex-presidente Michel Temer.

“A gente pede a Deus que, logo mais, o nosso Supremo Tribunal Federal não altere o marco temporal”, afirmou Bolsonaro, em um evento no Palácio do Planalto, na manhã desta quarta, ainda em tom mais leve que o usual, segundo o site O Antagonista. “Se esse novo marco temporal passar, será um duro golpe no agronegócio. Seria catastrófico”, disse, sem apresentar provas.

Voto de Marques

Em seu voto, Nunes Marques defendeu o “marco temporal” das demarcações e as outras restrições aos direitos indígenas previstas na decisão do STF sobre a TI Raposa Serra do Sol (RR), de 2009. Ele admitiu que esse precedente não pode ser aplicado automaticamente a outras situações, mas teria “força moral” para consolidar uma jurisprudência sobre o tema.

“[O ‘marco temporal’] atinge a solução que pondera valores constitucionais igualmente elegantes. De um lado, a proteção e o incentivo à cultura indígena. De outro, a segurança jurídica, o desenvolvimento regional, o direito à propriedade privada, o direito à moradia e ao sustento de outros cidadãos integrantes da sociedade brasileira”, sentenciou.

O "marco temporal" é uma interpretação ruralista que restringe os direitos das populações indígenas ao estipular que só poderiam ser demarcados territórios sob a sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Alternativamente, elas precisariam comprovar que haviam sido expulsas à força de suas terras, o chamado “renitente esbulho”, por meio de disputa judicial ou em campo.

A tese é injusta porque desconsidera as remoções forçadas e outras violências sofridas por esses grupos até 1988. Também ignora que, até essa época, eles eram tutelados pelo Estado e não podiam entrar na Justiça de forma independente. Na época, nenhuma comunidade estava preocupada em produzir provas sobre sua ocupação ou o conflito por uma área.

Marques reconheceu que a interpretação significa anistiar crimes cometidos contras comunidades indígenas antes da promulgação da Constituição. “A teoria do fato indígena, que embasa o posicionamento do STF no caso já referido [da TI Raposa Serra do Sol], é a que melhor concilia os interesses em jogo na questão indígena. Por um lado, admite-se que os índios remanescentes em 1988 e suas gerações posteriores têm direito à posse de suas terras tradicionais, para que possam desenvolver livremente seu modo de vida. Por outro, procura-se anistiar oficialmente esbulhos ancestrais, ocorridos em épocas distantes, e já acomodados pelo tempo e pela própria dinâmica histórica”, declarou.

“É um voto bastante retrógrado, expressão máxima do interesse do agronegócio. A gente já esperava isso, tendo em vista que o ministro Nunes Marques foi indicado recentemente pelo presidente Jair Bolsonaro. Ele é extremamente alinhado aos interesses do governo e do agronegócio”, criticou Luiz Eloy Terena, coordenador jurídico da Apib, após a sessão do Supremo.

“[O ministro] invoca, na verdade, o direito de conquista, dizendo: ‘esses povos sucumbiram ao processo de civilização ocidental e, por isso, essa situação agora tem de ser, de fato, mantida’. É como já denunciamos: o ‘marco temporal’ tem essa dimensão de invisibilizar e anistiar todos os crimes e violações cometidos contra os povos indígenas”, concluiu.


Prazo de cinco anos para demarcações

Mas Nunes Marques foi além e, baseado em uma decisão do Supremo sobre a TI Limão Verde (MS), de 2014, defendeu que o “renitente esbulho” só pode ser comprovado por meio de uma ação judicial proposta à época, e não também pela documentação de conflito material pela terra, o que tornaria ainda mais difícil às comunidades demonstrar que foram expulsas de seus territórios.

Contrariando a jurisprudência do STF, também advogou que o limite de cinco anos estabelecido na Constituição para que a União demarcasse todas as TIs não pode ser considerado apenas uma previsão destinada a pressionar o Poder Público a cumprir uma meta, mas seria “decandencial”, ou seja, terminativo. Ele acrescentou que esse seria mais um indício de que os constituintes teriam, sim, definido um “marco temporal” para os procedimentos demarcatórios.

“Na prática, de acordo com o voto do ministro Nunes Marques, as áreas que não foram demarcadas naqueles cinco anos não poderiam mais ser demarcadas”, avalia a advogada do ISA Juliana de Paula Batista. “Mas o STF sempre disse que esse prazo é ‘programático’. O que isso significa? Não se trata de um prazo que, se não for cumprido pelo Estado, extingue-se aquele direito. Trata-se apenas de uma previsão de algo que o Estado precisa fazer”, complementa.

Marques votou também contra o recurso da Fundação Nacional do Índio (Funai) para impedir a reintegração de posse movida, em 2009, pelo governo de Santa Catarina sobre um trecho da TI Ibirama-La Klãnõ (SC), ação que originou o processo agora em análise no STF. O caso chegou à corte, em 2016, e foi elevado à categoria de “repercussão geral” em 2019. Isso significa que a decisão sobre ele servirá de diretriz para a gestão federal e o Judiciário no que diz respeito a todos os procedimentos demarcatórios.

Seguindo o precedente do caso Raposa Serra do Sol, Nunes Marques votou ainda por proibir a ampliação de TIs, o que restringe os direitos das comunidades que tiveram seus territórios demarcados fora dos parâmetros previstos pela Constituição de 1988. Além disso, considerou as demarcações incompatíveis com as Unidades de Conservação e defendeu que sua gestão deve prevalecer sobre a das TIs, em caso de sobreposição entre esses dois tipos de áreas protegidas. O posicionamento vai contra as pesquisas que demonstram que as terras sob posse dos povos originários são as mais conservadas do país.

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