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A construção da Ferrogrão (EF-170) pretende consolidar um corredor logístico de exportação de commodities agrícolas no coração da Amazônia, entre as bacias hidrográficas dos rios Tapajós e Xingu. A ferrovia segue um traçado paralelo à BR-163 em uma região há décadas líder em desmatamento, grilagem e garimpo ilegal.
O paralelo não está só no traçado, mas também na forma como o projeto está chegando em uma área habitada por dezenas de povos indígenas e comunidades tradicionais historicamente afetadas por obras de infraestrutura: sem diálogo.
A ferrovia também concorre com outros projetos logísticos para a região, como a duplicação da BR-163 — pior do ponto de vista socioambiental - mas também com outras iniciativas como a integração do norte de Mato Grosso com a malha ferroviária da Cosan/Rumo via porto de Santos (SP), por meio da extensão da Malha Norte entre Rondonópolis e Lucas do Rio Verde.
A Ferrogrão é tida como uma grande solução para o entrave logístico brasileiro ao facilitar a exportação dos grãos de soja e milho produzidos em Mato Grosso pelo complexo portuário no rio Tapajós, no Pará. Mas o projeto tem sido tratado de forma isolada, sem considerar o conjunto de obras de infraestrutura que o complementam e sem as quais perde sentido, como a hidrovia do baixo Tapajos e as estações de Transbordo de carga em Itaituba. Um um enredo que atualiza a tragédia socioambiental que aconteceu durante implementação da BR-163, há 50 anos e que promoveu “frentes de pacificação" e contatos forçados que resultaram em epidemias e expulsão dos povos Kayabi, Munduruku, Panará, Apiaká e Kayapó, entre outros, de seus territórios originários.
De lá para cá, a região tem sido palco de conflitos fundiários e socioambientais, associados a grilagem de terras públicas, garimpo e extração de madeira ilegal, o que lhe confere protagonismo no Arco de Desmatamento da Amazônia.
O cenário esperado com a ferrovia é a aceleração do desmatamento e dos conflitos por disputas de terra. Até o momento, não foi discutido um plano de desenvolvimento territorial vinculado à sua construção, tampouco têm sido devidamente dimensionados os direitos dos grupos sociais mais vulneráveis como os ribeirinhos, posseiros, assentados e indígenas localizados na região de impacto da obra, o que compromete a qualidade dos estudos de viabilidade da ferrovia.
A viabilidade da da Ferrogrão passa necessariamente pela compreensão e dimensionamento do poder de indução de modelos de desenvolvimento regional que ela tem a capacidade de gerar sobre uma área de alta relevância socioambiental na Amazônia brasileira. Tanto a Ferrogrão como de qualquer outro projeto de logística nessa escala requer formulação de um “Plano de Desenvolvimento Regional” que explicite as externalidades negativas e positivas do projeto e sua articulação com o conjunto de políticas públicas que o devem acompanhar em todos os níveis de governo.
Essa política deverá orientar um Plano Tapajós-Xingu Sustentável, com ações nos eixos estratégicos de Gestão territorial, fomento à produção econômica sustentável, monitoramento e governança.
No Eixo de Gestão Territorial devem estar definidas as ações de desintrusão de TIs e UCs; implementação dos PGTAs e Planos de Manejo; definição de áreas prioritárias para integração ecológica entre as bacias do Xingu e do Tapajós; realização de diagnóstico sobre o estado atual de ocupação e uso das áreas da União sem destinação .
O Eixo de Fomento à produção econômica sustentável, deve ter ações direcionadas ao crédito, financiamento e assistência técnica da economia sustentável da floresta, além da implementação de equipamentos públicos de infraestrutura social.
O Eixo de monitoramento de impactos socioambientais do Corredor Logístico de Exportação deve ter ações direcionadas ao acompanhamento público e transparente do atendimento e efetividade das condicionantes socioambientais do conjunto de empreendimentos que compõem o Corredor Logístico.
O Eixo de Governança deve garantir a implementação de um centro Administrativo para o Plano Tapajós-Xingu Sustentável, para reunir/instalar as representações de instituições federais e estaduais envolvidas em sua execução, com um Comitê Gestor com participação paritária da sociedade civil organizada da região. Assim, garante-se que o Plano seja gerido de forma equânime e representativa, sendo composto por: um representante de cada instituição federal envolvida, um representante de cada instituição estadual envolvida, um representante de cada município, um representante de cada povo indígena, um representante das comunidades ribeirinhas de cada UC de uso sustentável, um representante dos produtores rurais, um representante dos trabalhadores rurais, um representante do comércio, um representante da indústria e um representante da universidade. Além dos recursos orçamentários, o Plano deve recepcionar recursos complementares privados, por meio dos empreendimentos concessionados do Corredor Logístico de Exportação, vinculados no contrato de concessão de forma a garantir a autonomia de sua governança e sua capacidade de executar decisões que influenciam positivamente o desenvolvimento social e econômico da região.
As medidas de mitigação e compensação do empreendimento devem ter contrapartidas públicas com ações de responsabilidade do Estado relacionadas minimamente com ordenamento territorial, fomento à produção econômica sustentável, fiscalização e governança.
A história recente mostra as consequências desastrosas de empreendimentos feitos sem participação efetiva das comunidades afetadas e sem avaliações consistentes de viabilidade socioambiental. A Ferrogrão tem a oportunidade de apontar para um novo modelo de investimento em infraestrutura no Brasil, mas, para tanto, precisará ser abertamente discutida com a sociedade local e nacional.