Você está na versão anterior do website do ISA

Atenção

Essa é a versão antiga do site do ISA que ficou no ar até março de 2022. As informações institucionais aqui contidas podem estar desatualizadas. Acesse https://www.socioambiental.org para a versão atual.

Câmara aprova projeto de Política Nacional de Manejo do Fogo

Proposta institui medidas para prevenção de incêndios florestais em todos os biomas brasileiros por meio do manejo integrado do fogo
Printer-friendly version

Reportagem: Ester Cezar

Às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 26), que começa no dia 31/10, a Câmara dos Deputados aprovou, na tarde desta quinta-feira (28), o Projeto de Lei 11.276/18, que institui a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo (PNMIF) e visa à redução dos incêndios florestais em todos os biomas, por meio do manejo adequado, prescrito e controlado do fogo.

O texto aprovado foi o substitutivo proposto pela relatora, deputada Rosa Neide (PT-MT), e segue agora para o Senado.

O projeto prevê a criação da política nacional de combate aos incêndios florestais, atualmente inexistente no Brasil. O eixo central da proposta é a articulação entre as diversas instituições e esferas do poder público e setores da sociedade, por meio da implementação conjunta de ações preventivas, dentro das regras estabelecidas em lei e autorizadas pelos órgãos de controle ambiental.

Conforme a redação aprovada, o Manejo Integrado do Fogo (MIF) tem execução prevista para todo o território nacional e, no meio rural, deverá acontecer por meio de práticas agrícolas e de manejo do fogo; atividades de pesquisa científica e capacitação de brigadistas florestais, povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares.

O substitutivo define como “incêndio florestal” “qualquer fogo não controlado e não planejado que incida sobre florestas e demais formas de vegetação, nativa ou plantada, em áreas rurais e que, independentemente da fonte de ignição, exija resposta”.

“A regulação em lei das brigadas de combate a incêndios florestais é um fator de extrema relevância na atual conjuntura socioambiental. Tais brigadas são compostas por verdadeiros heróis, muitas vezes anônimos na imensidão das florestas brasileiras, arriscando suas próprias vidas para salvar patrimônios materiais, pessoas, a fauna e a biodiversidade brasileira”, explica Kenzo Jucá Ferreira, assessor legislativo do ISA.

Segundo a proposta aprovada, a implementação da lei será feita por meio do “Comitê Nacional de Manejo Integrado do Fogo”, que contará com a participação de representantes da União, estados, Distrito Federal, municípios e da sociedade civil, que terá direito a voz e voto e com pelo menos um terço da representação geral na composição do colegiado. Os representantes da sociedade civil serão eleitos por seus pares e incluirão, pelo menos, representantes das entidades de defesa do meio ambiente, do setor agropecuário, de povos indígenas, de comunidades quilombolas e outras comunidades tradicionais.

“A criação do marco regulatório nacional de manejo integrado do fogo é uma demanda histórica, tanto do setor da conservação ambiental, quanto do setor agropecuário”, ressalta Ferreira. “O reconhecimento e a integração dos métodos tradicionais de manejo do fogo, utilizados por populações indígenas e comunidades tradicionais, com as ações do Corpo de Bombeiros e das brigadas voluntárias de combate a incêndios florestais, bem como, das técnicas agrícolas que utilizam o fogo como base de rotatividade, significa um avanço normativo capaz de subsidiar outros avanços necessários no setor”, completa.

"As práticas de manejo do fogo realizadas pelas populações indígenas e tradicionais podem ser consideradas técnicas sustentáveis de cultivo agrícola e manejo da paisagem que contribuem com uma fração menor que 5% dos focos de calor registrados na Amazônia" diz Antonio Oviedo, assessor e pesquisador do ISA.

Ele informa que o PL visa discriminar tais práticas de outras que usam o fogo e que afetam grandes áreas com impactos ambientais severos, garantindo o direito dessas populações à segurança alimentar e suas práticas culturais, bem como valoriza o rico conhecimento tradicional dessas populações sobre o meio ambiente.

"As queimadas serão permitidas em locais com peculiaridades que justifiquem o uso do fogo em práticas agrícolas, nas queimas prescritas, em atividades de pesquisa científica e na capacitação e na formação de brigadistas florestais. Também serão permitidas as queimas prescritas, que é o uso planejado e controlado do fogo para fins de conservação, de pesquisa ou de manejo em áreas determinadas. O projeto permite as queimadas realizadas por povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares, conforme seus usos e seus costumes, desde que observadas algumas regras, como comunicação aos brigadistas florestais. A proposta ainda traz medidas para a substituição do uso do fogo por tecnologias alternativas, como compostagem, rotação de culturas e plantio direto", diz o relatório da deputada Rosa Neide.

Vitória do meio ambiente

A deputada Rosa Neide também avaliou o resultado da votação como uma vitória e criticou o governo Bolsonaro pelo descaso com o meio ambiente e pelos ataques às organizações ambientalistas.

“Aprová-lo [o projeto] nesse dia foi uma construção a muitas mãos. Não é o texto talvez que uma ou outra entidade sonhava pro manejo do fogo no Brasil, mas foi o mais avançado que conseguimos fazer neste momento. Um recuo de alguns, avanço de outros, o momento que o Brasil vive — um governo que não se preocupa com a vida do seu povo, que não respeita o meio ambiente, que faz uma propaganda desleal com aqueles e aquelas que ajudam a cuidar do meio ambiente no Brasil”, afirmou.

“Esse projeto de lei é a oportunidade que esta casa tem para responder a essa situação de queimadas, de desmandos, de falta de iniciativa governamental, daquilo que a gente vem assistindo hoje”, ressaltou o deputado Nilto Tatto (PT-SP).

“É oportuno que esta casa dê uma resposta para o mundo mas também para o Brasil, aprovando uma legislação que crie mecanismos e condições [para o combate às queimadas] para que os entes federativos, no âmbito federal, nos estados, nos municípios, que valorize o papel dos brigadistas, da sociedade civil, que está empenhada cada vez mais na proteção do meio ambiente e está junto nos esforços para combater os incêndios”, complementou.

Entre as motivações para a aprovação da nova legislação, ele mencionou o “dia do fogo”, mobilização de invasores, no sul do Pará, para queimar trechos de áreas protegidas, em 10 de agosto do ano passado. Segundo áudios coletados pela Polícia Federal, os criminosos teriam sido estimulados pelo discurso do presidente Jair Bolsonaro contra a proteção ambiental.

Projeto e contexto

O projeto foi elaborado pelo Ministério do Meio Ambiente, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), entre 2012 e 2018.

Em 2020, durante o incêndio que consumiu cerca de 30% do Pantanal, a Câmara criou uma comissão externa para tratar do problema do fogo descontrolado no país. A deputada Rosa Neide coordenou o colegiado. O relatório da comissão foi um dos subsídios usados pela parlamentar para consolidar seu substitutivo.

Antes de ir ao plenário, a matéria passou pelas Comissões de Direitos Humanos e Minorias; Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural; Trabalho, de Administração e Serviço Público; Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável; Finanças e Tributação, e Constituição e Justiça e de Cidadania e, por fim, uma Comissão Especial.

A PNMIF aparece em um contexto onde o Brasil sofre com recordes de queimadas a cada ano que passa. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o país teve 222.798 focos de queimadas no ano passado, um aumento de 12,7% em relação ao ano de 2019, onde houve registro de 197.632.

Desde o início do governo Bolsonaro, os índices de queimadas e desmatamentos têm aumentado e ultrapassado os anos anteriores. Em 2020, foi registrado o maior índice de queimadas dos últimos nove anos (150.783 focos de fogo) na Amazônia Legal, um valor 20% maior que no ano anterior e 18% maior que nos últimos cinco anos.

Programa-piloto

Em 2014, um programa piloto de manejo integrado do fogo foi implementado pelo Ibama e o ICMBio em três unidades de conservação, no Tocantins. Após três anos, houve redução de 57% das áreas queimadas no período final da seca. Segundo os resultados do trabalho, uma política nacional de manejo do fogo irá colaborar para:

- Reduzir as áreas impactadas com os incêndios no Brasil e consequentes emissões de Gases de Efeito Estufa.
- Reduzir os gastos com operações de combate e prejuízos com propriedades e bens impactados por incêndios.
- Gerar emprego e renda relacionado às atividades do MIF (prevenção, monitoramento, avaliação e combate aos incêndios).
- Estimular a criação de brigadas voluntárias e privadas que permitirão a implementação mais ampla do MIF, para além das áreas protegidas.
- Estimular a recuperação de áreas degradadas.
- Aumentar as oportunidades de investimento externo.

Regulamentação da lei

A PNMIF tem por objetivo regulamentar o que está previsto no art. 40 da Lei nº 12.651/2020, que prevê que:

“O Governo Federal deverá estabelecer uma Política Nacional de Manejo e Controle de Queimadas, Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais, que promova a articulação institucional com vistas na substituição do uso do fogo no meio rural, no controle de queimadas, na prevenção e no combate aos incêndios florestais e no manejo do fogo em áreas naturais protegidas.

§ 1º A Política mencionada neste artigo deverá prever instrumentos para a análise dos impactos das queimadas sobre mudanças climáticas e mudanças no uso da terra, conservação dos ecossistemas, saúde pública e fauna, para subsidiar planos estratégicos de prevenção de incêndios florestais.
§ 2º A Política mencionada neste artigo deverá observar cenários de mudanças climáticas e potenciais aumentos de risco de ocorrência de incêndios florestais.”

ISA
Imagens: