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Bolsonaro promove a mineração predatória

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Para quem acompanha a política mineral, o título acima é o óbvio ululante. Mas para a grande maioria das pessoas, os efeitos nefastos do atual governo nessas atividades são invisíveis em meio a tantas outras aberrações, como as centenas de milhares de mortes evitáveis na pandemia, a fome que atormenta milhões de pessoas, a devastação do meio ambiente em geral e a inflação que foge do controle.

Porém, a degradação da política mineral está associada a todos esses elementos e ainda provoca danos irreversíveis, decorrentes da própria natureza da atividade minerária quando praticada sem controles. Para começo de conversa, vale lembrar que os recursos minerais se incluem entre os bens da União e que o seu uso não é renovável. Significa que o benefício público e o zelo ambiental deveriam ser condições inerentes a ele.

Também importa destacar que a predação mineral realizada hoje, notadamente na Amazônia, tem caráter empresarial, requer elevados investimentos em maquinário pesado, logística aérea, terrestre e fluvial, além do acesso ao comércio ilegal do ouro e de outros minérios e a esquemas de proteção política, jurídica e policial. Nada a ver com o garimpo praticado em outros tempos, de forma espontânea e com tecnologias de baixo impacto.

A predação mineral se expandiu de forma vertiginosa nos três anos de governo Bolsonaro. É incentivada, de forma recorrente, pelo próprio presidente, através de lives, entrevistas e projetos de lei para legalizar o que é vedado pela Constituição. No caso das terras indígenas Munduruku, Kayapó e Yanomami, o garimpo empresarial se expandiu em mais de 300% sobre o acumulado histórico anterior, se valendo da impunidade, do alto preço dos minérios e da facilidade, em tempos de miséria, para recrutar pessoas dispostas a chafurdar na lama e enriquecer quadrilhas.

Os representantes das organizações criminosas que predam jazidas minerais em terras indígenas, unidades de conservação e outras terras públicas, inclusive em áreas formalmente requeridas por outras empresas junto à ANM (Agência Nacional de Mineração), circulam livremente pelos órgãos públicos e participam até de lives presidenciais. Não há estratégia de governo para responsabilizá-los pelos crimes em curso. As operações de repressão só ocorrem por força de decisões judiciais, com recursos precários e, assim mesmo, têm resultado em apreensões de aviões, embarcações, veículos terrestres, dragas, bombas, escavadeiras, além de toneladas de ouro e de combustíveis. Está demonstrado o vínculo entre a mineração predatória e o narcotráfico, que se utiliza da sua logística, como as pistas de pouso clandestinas, e da própria atividade garimpeira para lavar dinheiro.
Código de mineração

O assalto das empresas de mineração predatória ao patrimônio público e privado conta, também, com o apoio de medidas administrativas e de iniciativas legislativas. A ANM tem facilitado a concessão de direitos de lavra garimpeira incidentes sobre o leito dos rios amazônicos, fazendo vista grossa ao status jurídico das terras às suas margens. Recentemente, encaminhou pedidos de autorização ao Conselho de Defesa Nacional para a operação de balsas de garimpo no trecho do Rio Negro entre as terras indígenas Médio Rio Negro I e II, situadas em faixa de fronteira. Esses requerimentos atingem, inclusive, as ilhas que resguardam a biodiversidade aquática e onde vivem dezenas de comunidades indígenas. As ilhas integram formalmente o território indígena, mas a ANM e o CDN estão burlando a exigência constitucional de autorização do Congresso Nacional e de consulta às comunidades afetadas para que tais atividades pudessem ser realizadas.

A pretexto de regulamentar a concessão de direitos de pesquisa e de lavra de minérios em terras indígenas, o que está previsto na Constituição, Bolsonaro encaminhou ao Congresso o projeto de lei 191/2019, que pretende legalizar as invasões já existentes de empresas predatórias nessas áreas, o que é expressamente vedado pela Constituição. O PL pretende expor as terras indígenas a todo tipo de interesse econômico de terceiros: instalação de hidrelétricas, exploração de gás natural e petróleo, arrendamento de terras, plantio de transgênicos e mineração industrial. Seria uma espécie de “liberou geral” para o esbulho desses territórios.

Nesse final de ano, a prioridade do governo e da mineração predatória é a adaptação do Código de Mineração aos seus interesses inconfessáveis. Ela pretende se camuflar sob o conceito de “pequena mineração familiar”. Quer se fazer passar pelo antigo garimpo manual, como se fosse um problema social. Apropria-se, então, de uma versão minerária do conceito de agricultura familiar, para acessar diversas facilidades nos processos de concessão de direitos e privilégios em relação a todos os demais detentores de direitos territoriais ou minerários sobre as áreas que já invadiram ou que ainda pretendam ocupar. É um “vale-tudo” descarado em favor das empresas do garimpo predatório.

O projeto do governo é instituir dois códigos em um: um para atender à mineração predatória – que poderá ocupar qualquer lugar, arregimentar mão de obra sem respeito a direitos trabalhistas, destruir florestas e cursos d’água, contaminando tudo e todos com mercúrio, sonegar impostos, comercializar ilegalmente minérios, promover a prostituição e a criminalidade, corromper agentes públicos; e outro código que se aplicaria às empresas que atuam na legalidade e precisam cumprir as leis trabalhistas, ambientais e comerciais vigentes, dependem de investimentos externos e do cumprimento de condicionantes socioambientais crescentes e que poderão perder os direitos de acesso quando as áreas por elas requeridas interessarem ao crime organizado.

Há uma resistência crescente à mineração predatória por parte de organizações da sociedade civil e do movimento indígena, que a denunciam no Brasil e no exterior. O turismo e a pesca já sentem os impactos da contaminação e da destruição dos recursos naturais. Os meios de comunicação têm divulgado cenas e informações chocantes sobre a audácia com que atua a mineração predatória, como o recente bloqueio do Rio Madeira por centenas de balsas de garimpo.

No entanto, apesar dos altos preços dos minérios e da sua lucratividade, as empresas formais de mineração não têm conseguido reagir à altura, mesmo diante da concorrência predatória incentivada pelo governo. Por um lado, ficaram debilitadas junto à opinião pública com os desastres socioambientais recentes ocorridos em Mariana e Brumadinho, e, por outro, vêm perdendo força política desde que foram vedadas as doações eleitorais por empresas privadas, o que dá grande vantagem às empresas predatórias, que não se constrangem em bancar, através de propinas e de doações ilegais, os políticos que promovem a subversão do Código de Mineração.

2021 se encerra sem que o PL-191 tenha conseguido avançar na sua tramitação. Mas há um grupo de trabalho, constituído pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, para elaborar a proposta de alteração do Código de Mineração, que ainda pode ensejar algum golpe de mesa para a sua aprovação antes do recesso legislativo do final do ano. Até o final da tarde de ontem estava difícil reunir votos suficientes para isso, mas esse risco ainda exige atenção redobrada de todos.

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