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Por Tainá Aragão e Sandra Silva
Um ano antes de ser eleito, em 2017, Jair Bolsonaro avisou em visita ao Mato Grosso que durante seu governo as Terras Indígenas não teriam “um centímetro quadrado demarcado”. Ao longo dos últimos três anos, muito além de cumprir a nefasta promessa, o presidente lançou uma verdadeira ofensiva contra os direitos dos povos indígenas, avançando sobre o que é mais valioso para sua existência: a terra.
Segundo nota técnica elaborada pelo Instituto Socioambiental (ISA), a partir de dados do programa Prodes do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o salto no desmatamento em Terras Indígenas na comparação entre a média dos três anos do governo atual (2019 a 2021) com os três anos anteriores (2016 a 2018) foi de 138%.
A partir dos dados de 2021 do Prodes pode-se ter a impressão de que o estrago não é tão grande, já que houve uma redução de desmatamento de 18,6% em comparação com 2020. No entanto, conforme argumenta o documento do ISA, o nível de invasões e ilegalidade no interior das TIs ainda é muito elevado e representa mais de 18 milhões de árvores derrubadas e 2,5% do desmatamento total na Amazônia Legal.
Governo Bolsonaro consolida projeto de destruição da Amazônia
“O Prodes registra apenas o desmatamento de corte raso, ou seja, a supressão total da vegetação nativa. Entretanto, as TIs sofrem intensos processos de invasão e degradação florestal, provenientes do roubo de madeira, garimpos ilegais e incêndios criminosos”, explica Antonio Oviedo, coordenador do Programa de Áreas Protegidas do ISA.
“Tais vetores de degradação florestal não são registrados pelo sistema Prodes. E, com isso, além dos 32.864 hectares de desmatamento registrados pelo sistema Prodes em 2021, outros 22.707 hectares foram degradados nas TIs. Ao contrário do desmatamento de corte raso, registrado pelo Prodes, a degradação florestal aumentou 55% nas TIs em 2021”, pontua.
Lar de 26 povos indígenas, centenas de comunidades ribeirinhas e principal barreira de proteção da floresta amazônica, a Bacia do Xingu se estende por aproximadamente 53 milhões de hectares nos estados do Pará e Mato Grosso.
O território comporta 21 Terras Indígenas, que abrigam uma grande diversidade de povos e ecossistemas, além de ter um dos maiores mosaicos de TIs e Unidades de Conservação de todo o mundo: o Corredor de Áreas Protegidas do Xingu.
Não por acaso, as Terras Indígenas do Xingu foram das áreas mais devastadas nos últimos anos, como confirmam os números. A TI Apyterewa (PA), campeã de destruição, teve mais de 6,7 mil hectares desmatados, 7% a mais que em 2020. Um dos motores desse desmatamento é o forte esquema de grilagem instalado na região, onde os invasores ganham espaço na TI em lotes vendidos, leiloados, ou até mesmo doados de forma irregular por redes criminosas.
Lar do povo Parakanã, a Apyterewa está localizada na área de influência da Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte. A retirada dos invasores e a implementação de um plano de proteção é uma das condicionantes ambientais da obra, que deveriam ter sido implementadas em 2011, antes da instalação da hidrelétrica.
Como se não bastasse, a grande atividade pecuária em São Félix do Xingu, município onde a TI se localiza, contribui para o cenário de degradação da natureza. O município concentra o maior rebanho do país, com mais de dois milhões de cabeças e ocupa o posto de maior emissor de gases de efeito estufa do Brasil.
A mineração ilegal também tem ganhado força nesse território, exercendo mais pressão no povo Parakanã, que sobrevive em meio a tantas frentes de ataque. Essa é a TI mais desmatada nos últimos três anos, de acordo com o Sistema de Indicação por Radar de Desmatamento (Sirad X), da Rede Xingu+.
Sistemas de monitoramento com maior resolução espacial (capacidade de identificar pequenas áreas desmatadas) mostram que a destruição na TI Apyterewa é ainda maior do que os valores registrados pelo sistema Prodes.
O Sirad X, por exemplo, mostra que a TI Apyterewa, durante o período de medição do sistema Prodes 2021, registrou 8.135 hectares de desmatamento, o que representa um aumento de 38% em comparação com o mesmo período anterior.
Em setembro de 2021, a TI Apyterewa registrou seu maior valor de área desmatada desde janeiro de 2018, quando o sistema Sirad X iniciou o mapeamento da série mensal.
O desmatamento na TI Trincheira-Bacajá (PA) teve um salto de 51% no em comparação com 2020. Mais de 3,5 mil hectares foram derrubados no último ano, de acordo com os dados do Prodes.
A rota de desmatamento se dá por ramais de invasão, estradas clandestinas que se aproximam cada vez mais das aldeias. O povo Xikrin conta conseguir ver e ouvir as motosserras e tratores avançando sobre suas terras e denuncia sofrer com a pressão dos grileiros, que cresce exponencialmente desde 2019 e colocam a saúde do povo e a integridade do território em risco.
Os discursos do presidente a favor da legalização de terras griladas colocam mais lenha nessa fogueira e geram confiança e certeza de impunidade nos invasores.
Historicamente assolada pela mineração ilegal, a TI Kayapó (PA) teve 2,5 mil hectares desmatados em 2021, com um salto de 56% em relação ao ano passado. A proximidade das aldeias das cidades de Tukumã, Ourilândia do Norte e Cumaru do Norte, e a facilidade de acesso à TI por meio de uma malha de ramais facilitam a exploração do território por invasores.
O garimpo causa diversos problemas aos Kayapó da região, que ficam expostos à violência e à entrada de bebidas alcoólicas e outras drogas no território. E, assim como os grileiros, os garimpeiros também surfam na confiança dos discursos de Bolsonaro.
Em quarto lugar, a TI Cachoeira Seca (PA), morada dos Arara, povo de recente contato, chegou a 2,3 mil hectares derrubados. Mais desmatada do Brasil entre 2008 e 2020, a TI está na área de influência da UHE Belo Monte, e, assim como os Parakanã da Apyterewa, os Arara esperam até hoje que o Plano de Proteção Territorial Indígena do Médio Xingu (PPTMX), de 2011, seja cumprido.
Além da falta de regulamentação fundiária nas áreas protegidas do entorno, a grilagem de terras e o roubo de madeira contribuem para o alto patamar de destruição.
Os dados do Inpe também mostraram que o desmatamento em Terras Indígenas com a presença de isolados cresceu exponencialmente. Nesses territórios, a degradação aumentou 245% no atual governo, entre 2020 e 2021. Entre as Terras Indígenas mais impactadas estão Piripkura e Ituna-Itatá, localizadas no Mato Grosso e Pará, respectivamente.
A TI Piripkura apresentou um aumento no desmatamento sem precedentes. É a TI mais pressionada, com um aumento de 9.175%. A TI passou de 23,2 hectares para 2.151,9 hectares em apenas um ano, entre 2020 e 2021. Nesse cenário de destruição, mais de 1,2 milhão de árvores maduras foram derrubadas.
Projetos herdados da ditadura ativam invasões em terras indígenas com isolados
Desmatamento dispara em Ituna-Itatá, terra indígena com presença de isolados no Pará
Habitada por um grupo de índios isolados, a TI Piripkura representa o resultado concreto do descaso do governo federal com as regulamentações legais e decisões judiciais que protegem os povos indígenas isolados e seus territórios.
Em outubro de 2021, foi denunciada a retomada de fazendas ilegais em plena atividade no interior da TI, bem como indícios de que os invasores realizaram novos desmatamentos na área durante o período que antecedeu o término de vigência da Portaria de Restrição de Uso, fruto da expectativa e especulações dos invasores sobre a não renovação do mecanismo legal de proteção.
Já a Terra Indígena Ituna-Itatá, cuja portaria vence em 25 de janeiro de 2022, teve 440,8 hectares desmatados em 2021. A TI é lar de grupos isolados, porém, na Funai, ainda constam como registro “em estudo”, que carecem de mais informações para serem confirmados.
Esses grupos dependem integralmente da floresta para sobreviver e o fim da portaria de proteção da Funai pode interromper o processo de confirmação do registro, ameaçando fortemente a sobrevivência desses povos.
A Vila Renascer, povoado que surgiu no interior da TI Apyterewa em 2016, é ponto de logística para invasão e grilagem de terras indígenas. Recentemente, foi denunciado que os invasores possuem ligações clandestinas de energia e que até hoje a Equatorial Energia, maior empresa de fornecimento de energia do estado do Pará, não desligou os gatos. A Equatorial também admitiu que fornece energia na TI Ituna Itatá, e que inclusive instalou um medidor de energia para poder cobrar a conta dos invasores.