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Artigo originalmente publicado no UOL
Estamos muito preocupados, tristes e revoltados. O ano de 2021 foi muito ruim para os povos indígenas. Na Terra Yanomami, aumentaram as xawaras [doenças] e também a quantidade de invasores. São mais de 20 mil garimpeiros rasgando todos os dias nossas comunidades para extrair ouro e ganhar dinheiro fácil. Por onde eles passam, deixam um rastro de destruição, violência, drogas, prostituição e morte.
Em 2022, a invasão vai continuar. Bolsonaro não está tomando as providências para expulsar os garimpeiros. Ele não quer tirá-los de lá — muito pelo contrário! E não só da Terra Yanomami. Existem vários projetos de invasão das terras indígenas no Brasil.
Eu sou xamã e não estou sozinho. Só os xamãs sabem a visão do futuro do Brasil e do mundo. O Tɨtɨri [Espírito da Floresta] se comunica com os xamãs. Somos ligados à terra e à floresta. Todos nós, povo do planeta, vamos sofrer, como já estamos sofrendo. O nosso mundo, o Planeta Terra, está totalmente ameaçado.
Milhões já morreram com a doença Krukuri sɨkɨ wai [Covid-19]. O não indígena da cidade pensa que não vai adoecer, mas vai. A poluição traz a xawara, que já está toda espalhada, na floresta e no mar. O mundo está cheio de problemas.
O povo da cidade pensa que o planeta está bem, mas no fundo, nós que conversamos com Tɨtɨri, sabemos que não. O Planeta Terra está gritando, pedindo socorro para que a floresta seja protegida. O povo da cidade não consegue escutar o pedido de socorro da Mãe-Terra.
Precisamos deixar o Planeta Terra em paz, porque ele está sentindo muita dor. Ele também pede isso de mim e eu enxergo e escuto esse sofrimento. Eu estou preocupado. Não sabemos como vamos curar o pulmão da Terra. Não temos remédio. Nós, Yanomami e não indígenas, precisamos curá-la juntos. Eu sou uma formiguinha, faço a minha parte e cuido do meu povo. Essa é a minha função.
Por isso que eu denuncio para o mundo todo o que está acontecendo na Terra Yanomami. Se os invasores não forem retirados, o sofrimento vai piorar! Na cabeceira do Rio Apiaú, onde dizem que tem muito ouro, é a casa dos meus parentes Moxihatëtëma — os índios “isolados”, como os não indígenas chamam. Eles não estão preparados para se defender. Eles não conhecem os garimpeiros, não sabem nem que existe o garimpo. Eu estou muito preocupado com eles. Eles protegem a minha casa e eu projeto a casa deles.
O Rio Alto Catrimani está cheio de garimpo também e, com o aumento da malária, a saúde está fraca. Não temos apoio. A Sesai (Secretaria e Distrito Sanitário Especial Indígena) não está cuidando dos Yanomami e Ye’kwana. Por isso que estou hixiu [bravo], porque o garimpo está nos matando, junto com o Governo Federal e Estadual.
Na região do Palimiú, aconteceu um problema sério, virou notícia mundial. Uma comunidade foi atacada em 10 de maio pelos garimpeiros. Duas crianças correram dos ataques e morreram afogadas Na região de Parima perdemos outras duas crianças afogadas pela ação de uma máquina de garimpo.
Em Homoxi, a situação está péssima e só piora. Ali, já teve garimpo nos anos de 1986 e 1991, mas agora ele voltou ainda mais forte. No Xitei, o garimpo desmatou muito, segundo os especialistas aumentou 1000% entre dezembro de 2020 e setembro deste ano. O total histórico de floresta destruída pelo garimpo em toda a Terra Yanomami é de três mil hectares — isso equivale a cerca de três mil campos de futebol.
Quem compra o ouro ilegal é garimpeiro também. Os donos das lojas que compram e vendem ouro também estão envolvidos nesse crime. Os donos de avião e os pilotos são criminosos. É crime garimpar na Terra Yanomami e em todas as outras terras indígenas no Brasil! Por que o artigo 231 da Constituição, que foi criada pelos não indígenas, não é aplicado? Por que as autoridades estão deixando os Yanomami morrer?
Sobre 2022, eu só vou dar conselhos a quem apoia os povos indígenas. Eu não vou aconselhar o governo, que mata os povos indígenas. Eu vou aconselhar os próprios parentes que estão na luta, como os Kayapó, Xavante, Tucano, Macuxi, Wapichana, Wamiri-Atroari, Munduruku, Ye’kwana e Yanomami — os amigos dos povos da floresta.
Vamos continuar andando juntos, lutando juntos, até o presidente Bolsonaro sair do poder. Eu vou esperar para ver se outro presidente vai cuidar da floresta e do Brasil. Estou sempre desconfiado. Eu já conheço o jeito da civilização, só fazem o bem para eles. O homem da cidade só pensa nele. Só pensa na mercadoria. Mas eu vou continuar pedindo apoio para tentar salvar a nossa natureza, a nossa Mãe-Terra.
Essa é a minha fala!
* Davi Kopenawa Yanomami é escritor, xamã, líder yanomami e presidente da Hutukara Associação Yanomami, sendo a principal liderança do povo Yanomami.
Também é autor do livro "A Queda do Céu, Palavras de um Xamã Yanomami", com coautoria do antropólogo francês Bruce Albert, além de roteirista do filme "A Última Floresta", com o cineasta Luiz Bolognesi.
Ainda é membro colaborador da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e vencedor dos prêmios United Nations Global 500 Award, da Ordem do Rio Branco, da Ordem do Mérito Cultural do Brasil e da Menção Honrosa pelo júri do Prêmio Bartolomé de las Casas da Espanha.
As grafias de origem indígena foram mantidas na língua original e não aportuguesadas.