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Nasce a Rede de Comunicadores dos Povos e Comunidades Tradicionais do Vale do Ribeira (SP)

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Quilombolas, caboclos, caiçaras e indígenas Guarani M’bya vão transmitir as principais pautas das comunidades locais a partir de seus olhares e conhecimentos tradicionais
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Por Andressa Cabral Botelho

A Rede de Comunicadores do Fórum dos Povos e Comunidades Tradicionais do Vale do Ribeira inicia 2022 cheia de expectativas. Após quase um ano de conversas virtuais e um primeiro encontro presencial, no fim de 2021, 2022 marca o começo dos trabalhos do coletivo, que, a partir de agora, possui objetivos e diretrizes definidos pelos próprios membros para sua atuação.



Composta por quatro segmentos dos Povos e Comunidades Tradicionais - caboclo, caiçara, Guarani M’bya e quilombola, os membros da Rede estão distribuídos por 14 territórios nos municípios de Iguape, Cananéia, Peruíbe, Eldorado, Itaóca, Iporanga, Sete Barras e Tapiraí, no Vale do Ribeira, sul do estado de São Paulo.

O grupo foi formado entre março e abril de 2021 e é uma frente de atuação no Fórum dos Povos e Comunidades Tradicionais do Vale do Ribeira, que existe desde 2016, e tem por objetivo principal apresentar para o público externo as principais pautas dos segmentos a partir de seus olhares e conhecimentos tradicionais.

Além da comunicação de dentro para fora, o grupo enxerga que a comunicação interna é fundamental para que cada comunidade possa saber e se envolver com as suas demandas e como o Fórum pode atuar.

A comunicação era uma demanda antiga do Fórum e, com a impossibilidade dos encontros presenciais durante a pandemia, percebeu-se ainda mais a necessidade de se estruturar um grupo que pudesse tornar públicos os assuntos debatidos pelos pontos focais de cada segmento.

Além dos membros que já atuavam no grupo, a presença de pessoas dos territórios, principalmente jovens interessados em desenvolver ações de comunicação, é fundamental para o Fórum.

“Tendo em vista o maior envolvimento de lideranças e/ou jovens das comunidades, a Rede de Comunicadores ajuda a ampliar a nossa voz com informação a partir das nossas vivências dentro dos territórios e fora deles”, contou Lorraine Andriza, ponto focal quilombola dentro do Fórum.

Para começar o ano, os integrantes elaboraram um material que determina como a Rede funciona a partir de agora e o que esperam para os próximos anos. Alguns dos pontos listados pelos participantes são a melhoria dos pontos de internet; mais equipamentos; realização de oficinas e intercâmbios entre territórios e visitas externas/campo.

Também, reforçar a relação com parceiros locais, como o Instituto Socioambiental (ISA), entendendo como podem fortalecer esse trabalho. Entre junho e julho, os participantes receberam equipamentos - celulares, tripés e notebooks - oriundos de uma parceria com o ISA para que pudessem produzir e compartilhar conteúdos sobre suas comunidades.

A expectativa é que no primeiro semestre de 2022 a Rede de Comunicadores receba mais equipamentos de foto e vídeo, para que o Fórum possa montar um pequeno estúdio de comunicação para gravações de podcasts, um dos desejos dos participantes. O ISA também vai apoiar na manutenção dos pontos de internet instalados anteriormente até o final de 2022.

“É muito importante que a gente ainda possa atuar de casa e participar das nossas reuniões e audiências públicas que envolvam o Fórum, então esses pontos de internet são fundamentais para nós”, comentou Adriana de Lima, caiçara de Guaraú, em Peruíbe, e um dos pontos focais do Fórum.

Para ela, “vestir a camisa” da causa também é necessário e um de seus desejos para o próximo ano é que a atuação das pessoas seja maior. Poder estar junto presencialmente para trocas e novos aprendizados e fazer conexões itinerantes entre os territórios, respeitando as normas de segurança sanitária, também é um dos objetivos comuns aos participantes da Rede.

“Essa partilha com outras comunidades e povos é de extrema importância, porque a gente vira amigo das pessoas que está construindo e pode trabalhar as nossas lutas, que são comuns a nós”, refletiu Jorge Cardoso, caiçara da Enseada da Baleia, em Cananéia.

Embora realizem encontros virtuais, muitas das vezes o grupo não consegue estar completo devido a problemas na rede de internet.

Troca de saberes e aprendizado

O encontro presencial ocorrido em dezembro foi fundamental para que os participantes pudessem se conhecer. Ao longo dos três dias de encontro, realizado entre 3 e 5 de dezembro no quilombo Ivaporunduva, em Eldorado, as pessoas puderam aprender técnicas básicas de produção de conteúdo, como escrita, oficina de edição de vídeo, realizada por membros da Mídia M’bya e produção de podcast, por Gabriele Miranda, do quilombo Porto Velho, em Iporanga.



Outro tema abordado durante a formação foi o racismo linguístico, que é a repulsa pelos falantes de variações linguísticas que destoam do padrão culto da língua portuguesa. Muitas vezes esse desrespeito é um fator impeditivo para que essas pessoas que estão no Fórum e na Rede não se expressem publicamente.

“A gente fica com medo de falar e não darem atenção por a gente não falar bonito ou do jeito certo”, disse Dirce Ferreira de Lima, liderança do segmento caboclo do Fórum que também faz parte da Rede de Comunicadores.

“Mas qual é o modo de se falar que nos é imposto e visto como correto? É o português colonial, o que mais se aproxima da academia, que respeita a norma culta. Isso, de certa forma, impacta diretamente na autoestima dessas pessoas, que acham que a sua maneira de se expressar não é a correta”, destacou Camila Mello, geógrafa da Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras (Eaacone).



A pedido do Fórum, a Eaacone foi convidada para fazer o processo de formação política dos participantes e facilitar as atividades da rede.

A historiadora Adriana Rodrigues, assessora técnica do ISA, também falou sobre racismo linguístico com os jovens e os incentivou a se expressar. “Nós não fomos ensinados a falar, mas sim a calar. Com isso, sentimos medo de nos expressar e acabamos permitindo que outras pessoas falem de nós a partir do olhar delas. É necessário criar uma nova narrativa, de vocês falando a partir dos seus pontos de vista e não de visões externas”, destacou.

Ela, que também atua com as redes sociais da Cooperativa dos Agricultores Quilombolas do Vale do Ribeira, a Cooperquivale, explicou como divulga os conteúdos. “Gosto de publicar na página exatamente da forma que eles falam comigo. Não corrigir a fala dessas pessoas para a norma culta também é um modo de mostrar que a forma deles de se expressar não é errada, mas só mais uma maneira de se falar”, observou.

No primeiro dia, os participantes puderam produzir um texto juntos e, em grupos, fizeram pequenas edições de vídeos utilizando os aparelhos celulares doados. A experiência foi bastante proveitosa. Uma das grandes expectativas do grupo é poder ter outros momentos de formação para que aprendam melhor a se comunicar “para dentro”, entendendo o que as comunidades querem saber e produzindo conteúdos que circulem internamente.

“Uma das atividades que mais gostei foi gravar o áudio do podcast. O áudio circula com mais facilidade entre as pessoas por conta do WhatsApp e com ele a gente consegue fazer a informação rodar também”, contou o guarani Jairo Fernandes, da Terra Indígena Gwyra Pepo, em Tapiraí.

Música também é comunicação

Além da fotografia, vídeo, texto e áudio que foram produzidos para oficializar o início das atividades, a música foi um dos pontos de integração entre os participantes. Guarani M’bya da Tekia (aldeia) Itapuã, em Iguape, Enzo Martins se apresentou pela primeira vez no encontro e viu na música, junto com seu amigo Werá Castro, uma forma de falar sobre a luta do povo indígena.



Os amigos decidiram compor após voltarem de Brasília e divulgam as produções no canal do YouTube Raça Guarani. “A gente viu a luta do nosso povo e quando voltou de Brasília teve a ideia de começar a escrever músicas falando das nossas vidas”, narrou Castro.

As composições são feitas de forma coletiva, assim como as pesquisas de bases musicais que vão ser mixadas junto à voz de Martins, que canta em português e em guarani.

Hoje, o processo de gravação acontece de forma precária: “Nós gravamos à noite na escola indígena e usamos um aplicativo no celular para gravar. O meu microfone é o do fone do celular”, afirmou o cantor. Assim, os equipamentos também irão ajudar na captação da voz e na edição das músicas dos jovens.

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