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Altamira (PA) ainda sofre com falta de água 6 anos após licença de operação de Belo Monte

Saneamento básico é condicionante para concessionária poder operar; população local saltou de 99 mil habitantes, em 2010, para cerca de 150 mil no auge da construção da barragem
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Por Elisa Estronioli

Seis anos após a emissão da Licença de Operação da Hidrelétrica de Belo Monte, expedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em novembro de 2015 e expirada em novembro do ano passado, o fornecimento de água na cidade de Altamira (PA) ainda é uma questão não resolvida.



Em Nota Técnica elaborada pelo Instituto Socioambiental (ISA) e pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) sobre o panorama do sistema de abastecimento de água e esgotamento sanitário de Altamira, se verifica que entre os bairros onde há mais falta de água estão justamente os Reassentamentos Urbanos Coletivos (RUCs), planejados e construídos pela concessionária Norte Energia para a realocação dos atingidos da área que foi alagada para a formação do reservatório da usina.

Confira a Nota Técnica na íntegra

A implantação do sistema de saneamento básico de Altamira, uma das principais condicionantes, ainda se encontra no meio de impasses entre a concessionária Norte Energia e a prefeitura municipal.

Às vésperas do Ibama se manifestar sobre o pedido de renovação da licença de operação da hidrelétrica, a Norte Energia afirma já ter cumprido com todas as suas obrigações. Para a prefeitura, por outro lado, o sistema, em especial de abastecimento de água, possui “problemas estruturais” que impedem seu recebimento.

A empresa ainda está negociando com a administração municipal o repasse das estruturas e até o presente momento, as partes ainda não chegaram a um acordo definitivo sobre o tema.

Em 2010, antes da instalação da hidrelétrica, Altamira contava com apenas 13,5% da população urbana ligada à rede de abastecimento de água tratada, de acordo com dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). Já com relação ao esgotamento sanitário, praticamente a totalidade era destinada a fossas rudimentares ou despejada nos igarapés e no Rio Xingu sem nenhum tipo de tratamento.

A cidade de Altamira fica 40 km acima do barramento da hidrelétrica, sujeita à influência da formação do reservatório. Portanto, o funcionamento adequado do sistema de saneamento é fundamental para evitar a contaminação dos corpos d’água e das águas represadas do Xingu, por conta do risco à saúde da população e ao meio ambiente. Foi por esse motivo que o Ibama incluiu a condicionante do saneamento básico no licenciamento ambiental.

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O Projeto Básico Ambiental (PBA) da hidrelétrica trazia como meta universalizar o abastecimento de água e o tratamento de esgoto para toda a área urbana de Altamira. O projeto de saneamento, no entanto, foi feito considerando apenas a poligonal urbana referente ao Plano Diretor Municipal de 2009, anterior à construção da barragem.

Altamira, sendo o principal centro urbano de referência da região da hidrelétrica, viu sua população saltar de 99 mil habitantes, em 2010, para cerca de 150 mil habitantes no auge da construção da barragem, entre 2014 e 2015. Houve um descompasso entre o planejado para o sistema e a dinâmica acelerada de transformações na cidade, o que gera assimetrias de cobertura do sistema de saneamento até hoje.

Em meio a esse processo, a prefeitura municipal resolveu criar a Coordenadoria de Saneamento de Altamira (Cosalt), tirando da Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa) a responsabilidade sobre o sistema. A iniciativa foi aprovada pela Câmara Municipal, em setembro de 2015, após sete sessões que contaram com protestos dos movimentos sociais da cidade, que denunciavam tratar-se de um primeiro passo para a privatização do serviço. A partir desse momento, a prefeitura passou a atuar diretamente sobre a gestão e operação do sistema.



Falta de água

A condicionante do abastecimento de água foi considerada como atendida pelo Ibama ainda na fase de instalação da hidrelétrica, portanto, o tema não foi assunto da licença de operação, que tratou apenas do esgotamento sanitário.

No entanto, os problemas estavam apenas começando. Em junho de 2016, a prefeitura entrou na Justiça Estadual com uma ação civil pública contra a Norte Energia alegando vivenciar “a mais grave crise de abastecimento de água já experimentada” pelo município, com bairros que chegaram a ficar até dois meses sem água. Desde então, o assunto tem sido matéria de inúmeras reuniões de negociação, no âmbito judicial ou não, audiências e vistorias técnicas, mas ainda sem uma resolução definitiva.

Durante a instalação da hidrelétrica, a empresa ampliou o sistema de abastecimento de água, construindo oito novos reservatórios apoiados (RAPs) e aumentando a rede de distribuição. No entanto, não houve, nesse período, a ampliação da capacidade de tratamento de água. Somente após diversas tratativas foi acordada a construção, pela Norte Energia, de uma nova estação de tratamento de água (ETA), bem como o aumento da captação, feita no Rio Xingu, na região conhecida como Porto Pepino.

Em outubro de 2018, a prefeitura e a Norte Energia assinaram um Termo de Compromisso. No documento, a Norte Energia se responsabilizaria pela realocação das famílias da área alagadiça do bairro Jardim Independente I e, em troca, a prefeitura receberia uma série de obras executadas pela empresa na área urbana e cuja manutenção estava sendo considerada onerosa para a empresa. Por este termo, o sistema de tratamento de esgoto seria entregue até 28 de dezembro de 2018 e o sistema de água seria entregue até 29 de março de 2019, mas esses prazos não foram respeitados.

A Norte Energia construiu uma nova ETA, de 300 litros por segundo de capacidade, ao lado da estação convencional, construída pela Cosanpa ainda na década de 1980, com 130 litros por segundo de capacidade de tratamento. As duas estações diferem também na tecnologia e hoje há dificuldade de equalização entre as duas estruturas, motivo pelo qual o sistema não vem atuando com plena capacidade (430 L/s). Ainda assim, a água fornecida nas estações é considerada suficiente para o abastecimento da população atual do município.

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Atualmente, a Cosalt opera a estação convencional, enquanto a nova estação ainda está sob responsabilidade da Norte Energia, sendo operada pela empresa Hidro-Ambiental e sem uma data certa para o repasse. Segundo decisão judicial, a Norte Energia também deve fornecer os insumos químicos para o tratamento de água.

Um diagnóstico produzido pela prefeitura, em julho do ano passado, classificou a situação do abastecimento de água na cidade entre constante, deficitária e sem abastecimento, sendo 162,91 km (53,7%) de rede de abastecimento constante, 82,90 km (27,3%) deficitário e 57,52 km (18,9%) sem abastecimento, considerando um total de 303,33 km de extensão de rede.

Os RUCs são considerados como tendo abastecimento deficitário, ou seja, irregular. Por isso, uma determinação judicial obriga a Norte Energia a complementar o abastecimento dos cinco RUCs com caminhões-pipa. A solução deveria ser provisória, mas nem prefeitura nem Norte Energia tomaram medidas que permitam abrir mão desse tipo de abastecimento em um curto prazo.

Um exemplo da gravidade dessa situação é o Reassentamento Laranjeiras, composto por 563 casas. A falta de água na parte alta do bairro é uma das principais queixas dos moradores, e foi comum durante a estação seca no ano passado, entre agosto e setembro.

Além de ser um incômodo para a realização dos afazeres domésticos, a falta de água, que pode durar mais de um dia, compromete até mesmo a geração de renda, como no caso de Dilton de Paula, que produz pães caseiros para comercializar no bairro. Recentemente, o morador chegou a ficar com a produção parada por quase uma semana inteira. “Já pensei até em vender essa casa, pois aqui é muito bom, mas não dá para viver sem água”, afirmou.

Em um dos grupos de WhatsApp do bairro, moradores compartilham estratégias para driblar o racionamento, que envolvem coletar e armazenar água da chuva e deixar certas atividades, como lavar roupa ou o chão da casa, para o período da madrugada.

O sistema de abastecimento de água é interligado em cadeia desde o reservatório central na estação de tratamento (ETA) e deveria funcionar automaticamente, mas não é o que ocorre. Os reassentamentos urbanos, em geral, estão no final das redes de distribuição. Como o abastecimento acontece por gravidade, é preciso que os reservatórios estejam cheios o suficiente para que a água chegue até as caixas d’água das famílias.

Além desse problema, de acordo com Rafael Oliveira, da Coordenadoria de Saneamento de Altamira (Cosalt), há vazamentos frequentes, causados por variações na pressão e entradas de ar, em especial na parte antiga da rede, implantada antes da hidrelétrica.

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A rede antiga ainda é feita de amianto, material que, além de tóxico, é mais suscetível ao rompimento, não sendo mais recomendada sua utilização, segundo nota técnica elaborada pelo Ministério Público do Pará. Segundo Oliveira, “o problema do abastecimento é estrutural e se a prefeitura recebesse hoje [em outubro do ano passado] o sistema, seria um caos”.

Esgotamento sanitário

A operação do sistema de esgotamento sanitário é responsabilidade da Norte Energia. Durante audiência pública coordenada pela Defensoria Pública da União (DPU) sobre o assunto, em 14 de outubro de 2021, o prefeito municipal, Claudomiro Gomes (PSB) queixou-se que a prefeitura sequer dispunha de informações suficientes sobre a operação do sistema.

As estruturas foram construídas do zero, com as redes de coleta, estações elevatórias e uma estação de tratamento de esgoto (ETE) do tipo “terciária”, considerada o nível mais avançado. Os efluentes tratados são despejados no Rio Xingu, que corre no sentido contrário à cidade, mas o local é relativamente próximo a áreas de banho, como a própria praia artificial construída pela empresa como parte do projeto de “requalificação urbana”.

A capacidade da estação é de 200 litros por segundo e já tem sido questionada pela prefeitura. A administração municipal considera que o sistema já opera no limite, considerando a população urbana, e que nos próximos anos terá que ser ampliado.

Às vésperas da renovação da licença de operação de Belo Monte, a principal questão pendente perante o Ibama, órgão licenciador, com relação ao saneamento são as ligações intradomiciliares ao sistema de esgotamento sanitário, ou seja, a conexão efetiva de cada imóvel à rede que leva os dejetos à ETE.

O órgão imputou à empresa a obrigação de realizar as ligações intradomiciliares de esgoto na licença de operação, já que elas são imprescindíveis para que o sistema possa ser considerado em funcionamento.

Em seminário feito em setembro de 2017, prefeitura e empresa acordaram coletivamente a meta de 18.833 ligações intradomiciliares na cidade e o prazo para sua finalização: junho de 2018. A Norte Energia afirma que já concluiu e até superou a meta, tendo executado 19.873 ligações domiciliares à rede de esgotamento sanitário.

Para o Ibama, porém, a meta não foi cumprida, uma vez que a Norte Energia incluiu no cálculo as 3.850 unidades domiciliares dos reassentamentos urbanos coletivos, que não deveriam ser computadas.



A pedido do Ibama, a Norte Energia reviu 3.301 casos considerados “inviabilidade técnica” (casas com impossibilidades de conexão ao sistema por estarem mais baixas que a rede). A empresa concluiu que ainda há 962 imóveis que podem ser conectados à rede de esgoto. No entanto, a empresa afirma que só vai retomar as ligações se a prefeitura receber o sistema de saneamento básico como um todo.

Famílias da Lagoa

Os impasses com relação ao sistema de saneamento relacionam-se a outro objeto de polêmica entre prefeitura e Norte Energia: a situação das famílias remanescentes na área da Lagoa do Independente I.

Após seis anos de lutas coordenadas pelo MAB, o Ibama recomendou que a Norte Energia realocasse todas as famílias moradoras de casas de palafitas e aquelas moradoras de imóveis em “terra firme” que não pudessem ser ligados à rede de esgoto por gravidade.

Ao todo, foram reassentadas ou indenizadas 493 famílias moradoras das palafitas e 102 famílias (82 imóveis) do entorno, onde não seria possível ligar o sistema de saneamento.

No entanto, restaram 370 famílias, moradoras de 194 imóveis, que foram cadastradas, mas não tiveram tratamento. Desses casos remanescentes, há 79 imóveis considerados “inviabilidades técnicas” para conexão ao sistema de saneamento e que o Ibama recomendou que fossem removidas. Há, ainda, 18 imóveis onde a ligação foi executada, porém, que apresentam problemas com o retorno de efluentes.

As discussões entre a prefeitura, sob a administração atual, e a Norte Energia indicam que a empresa pode se responsabilizar pela realocação das famílias remanescentes se, em troca, a prefeitura aceitar definitivamente o recebimento do sistema de saneamento básico e de outras estruturas urbanas feitas pela Norte Energia como condicionante. As condições deste acordo ainda estão em negociação e até o fechamento desta matéria não tinham sido concluídas.
Impasses sobre a gestão do sistema

A manutenção do sistema de saneamento custa cerca de R$ 20 milhões anuais para a concessionária da hidrelétrica. Por outro lado, a prefeitura de Altamira está judicialmente impedida de cobrar taxa de água dos moradores da cidade até que a implantação do sistema seja efetivamente concluída.

A gestão municipal anterior, do prefeito Domingos Juvenil (MDB), iniciou um processo de abertura de edital para a concessão privada do serviço, contando com apoio da Norte Energia para desenvolver a modelagem do plano municipal de saneamento. O plano chegou a ser apresentado em apenas uma audiência pública, em setembro de 2019.

No entanto, o processo de aprovação foi suspenso a partir de uma recomendação conjunta do Ministério Público do Pará (MPPA), Ministério Público Federal (MPF) e Defensoria Pública da União (DPU) devido à falta de participação social efetiva na convocatória e na realização de reunião para aprovação do plano.

Em julho de 2020, o Congresso Nacional aprovou o Novo Marco do Saneamento (Lei 14.026), proibindo que os municípios firmem parcerias diretas com as companhias estatais (contratos de programa) e obrigando a realização de licitação para concessão do serviço, o que facilita a entrada de empresas privadas no setor.

A situação é favorável, portanto, para que o sistema de Altamira seja entregue à iniciativa privada, o que traz alertas de diversos setores da sociedade civil que acompanham essa temática. “Tememos que uma empresa privada não invista o necessário para ampliar o sistema e cobre tarifas elevadas, visando apenas o lucro, como acontece hoje com a energia elétrica”, disse Jackson Dias, da coordenação do MAB em Altamira.

Cálculo feito a partir do termo de referência contratado pela Norte Energia em 2019 mostra que as tarifas podem chegar a uma média de R$ 48 mensais de água e R$ 38 mensais de esgoto por família, considerando um consumo médio de 155 litros por habitante por dia (média nacional, considerada baixa para a região) e 3,3 moradores por domicílio.

Por conta do processo judicial, no mês de novembro, prefeitura e Norte Energia, com acompanhamento do MPPA, iniciaram um novo diagnóstico conjunto na rede de abastecimento. Os desafios que permanecem são a transição do sistema como um todo para a prefeitura sem que haja problemas na operação do sistema e a escolha entre a concessão do serviço ou administração direta.

Atualmente, Altamira continua sem um plano municipal de saneamento e nem conselho municipal, e todas essas questões ainda dependem de esclarecimentos à população e de debates públicos qualificados para que as obrigações do saneamento básico não permaneçam por mais tempo num jogo de empurra entre a empresa e a prefeitura.



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