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Artigo originalmente publicado na Média Ninja
O sul da Bahia foi devastado pelo volume inédito de chuvas em dezembro. Há um alerta para o risco de tempestades violentas na região Sudeste. Enquanto isso, os três estados do Sul sofrem com o calor e com a falta de água, em plena estação chuvosa. Nada disso acontece por acaso, ou por força de fenômenos meramente naturais. A conta da omissão frente à ameaça das mudanças no clima está chegando de forma brutal.
A responsabilidade pela crise climática desdobra-se em vários níveis mas tem endereços certos. Em 2022, completam 30 anos as convenções da ONU sobre a proteção da biodiversidade e as mudanças climáticas globais, assinadas na Rio-92, sem que a comunidade internacional tenha conseguido iniciar um processo de redução das emissões dos gases de efeito estufa ou de controle sobre o desmatamento e as perdas de diversas formas de vida.
No Brasil, a responsabilidade do governo Bolsonaro é clara na promoção incessante da devastação. Ela vai da destruição das normas de proteção ambiental e aos direitos das populações tradicionais e locais – a tal “passagem da boiada”, anunciada em reunião ministerial – até o incentivo à invasão de terras públicas e à extração predatória dos recursos naturais. Mas estende-se a outros atores públicos e privados, como a bancada ruralista, que comemorou a nova lei, de sua lavra, que retira a proteção do Código Florestal às margens de rios e aos remanescentes florestais urbanos, enquanto a Bahia sofria.
Em 30 de dezembro, o governador do Paraná, Ratinho Júnior, decretou estado de emergência hídrica. A estiagem está crítica no oeste do estado, que é o segundo maior em produção agrícola do país.
No último final de semana, já eram mais de 120 os municípios gaúchos que haviam decretado estado de emergência. A situação também é crítica no oeste catarinense. O atraso das chuvas comprometeu os primeiros plantios da safra atual e já são inevitáveis as perdas na produção de milho, soja, arroz, feijão e frutas. Pastagens e criações de gado também sofrem.
Em pleno mês de janeiro, vários municípios do sul do país sofrem o risco de desabastecimento, tanto de água, quanto de alimentos, o que agrava a inflação e as condições de vida dos mais necessitados. A falta de água atinge até as zonas rurais, sendo que mais de cinco mil famílias de agricultores gaúchos estão sendo abastecidos com caminhões-pipa.
A onda de calor no Sul impede o deslocamento da massa de umidade mais ao norte, concentrando as chuvas nas regiões que sofrem inundações. O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) estima que as temperaturas poderão chegar a 45 graus nos próximos dias. A MetSul, empresa de meteorologia gaúcha, considera a onda de calor “brutal, incomum e excepcional”.
O aumento do nível dos oceanos, em consequência das temperaturas médias mais altas e do degelo nas regiões polares, ameaça de forma dramática os países ilhéus. Foi eloquente a imagem do primeiro-ministro de Tuvalu discursando, durante a Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas (COP-26), em área tomada pelo oceano. Mas o Brasil, com 11 mil km de costa atlântica, também já sofre impactos importantes, que tendem a se agravar nos próximos anos.
O aquecimento das águas intensifica a evaporação e a força dos ventos, agravando as tempestades. A elevação do mar submerge algumas áreas costeiras e umedece outras, aumenta a salinização do solo e das enseadas, e potencializa as ressacas, que destroem as regiões mais suscetíveis à erosão.
É o que ocorre em Atafona, distrito de São João da Barra, com seis mil moradores, situado no delta do Rio Paraíba do Sul, no litoral norte do Rio de Janeiro, que já teve quinze quarteirões engolidos pelo mar. Recife, com muitos canais e áreas mais baixas, é a mais vulnerável entre as capitais.
O mar também avança sobre o delta do Amazonas, erodindo e engolindo as barrancas dos canais do Arquipélago do Bailique, no Amapá. O aumento da salinidade compromete a qualidade da água dos mananciais e ameaça várias espécies dos ecossistemas, como os açaizais, fundamentais para a segurança alimentar e a geração de renda das comunidades locais.
A batalha decisiva para o Brasil conter, ou reverter, o impacto das mudanças climáticas no seu presente e futuro está sendo travada Amazônia adentro. Os cientistas têm reiterado que o avanço do desmatamento e da ocupação predatória do território está levando a região a um ponto de inflexão, ou de não retorno, a partir do qual os desequilíbrios no regime de chuvas e no ecossistema seriam irreversíveis.
Já se constata uma redução no volume das chuvas levadas da Amazônia para o centro-sul do país pelos chamados “rios voadores”. Este é um dos fatores que causam a atual crise hídrica, que afeta o abastecimento de água e de energia elétrica, a produção agrícola e as condições de vida nas cidades.
A predação da Amazônia, ao ponto de promover a erosão da biodiversidade, poluir a maior reserva disponível de água doce e inverter a sua função macroecológica de absorver carbono da atmosfera, vai agravar as condições do clima mundial, que também estão no limite, assim como reduzirá as chances de êxito de eventuais estratégias internacionais para enfrentar a situação de forma consistente.
Os cientistas apontam o risco iminente de degradação da Amazônia oriental caso não cessem os processos de ocupação predatória. Ela resultaria da substituição definitiva da cobertura florestal por outro tipo de vegetação, arbustiva, porém muito mais pobre em biodiversidade do que os cerrados do Planalto Central. Seria um passo rumo à desertificação.
A gestão da Amazônia é, cada vez mais, o fator decisivo para definir a qualidade do desenvolvimento econômico, do estágio civilizatório do Brasil e da natureza da sua inserção no mundo contemporâneo.
Enquanto os habitantes do sul da Bahia ainda contabilizam vidas perdidas e prejuízos gigantes, a Zona de Convergência do Atlântico Sul desloca-se lentamente, levando as enchentes a Minas Gerais, Espírito Santo e Goiás, e vai se aproximando do Rio de Janeiro e de São Paulo. O volume de chuvas sobre a Grande Belo Horizonte já é o maior dos últimos 30 anos. Inundações e a queda de barreiras interrompem o trânsito nas estradas. Seis pessoas já morreram em Minas, além de outras dez vítimas do acidente no Lago de Furnas. Barragens ameaçam romper, o que pode multiplicar a tragédia.
O Brasil desmancha-se entre secas e enchentes agudas. O sofrimento espalha-se em zonas urbanas e rurais. Cresce o número de refugiados e de vítimas do clima. E vidas importam. Ou seja, aquele país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza, está sendo ferido de morte. Está dominado por delinquentes políticos e econômicos que não se importam com a devastação que os cerca e nem com a sorte dos seus próprios filhos. Esse cenário ainda exigirá muita luta aos brasileiros realmente dispostos a reverter essa desastrosa situação.
É hora de reagirmos vigorosamente contra os predadores – rurais, urbanos, minerais, florestais – que seguem devastando ares, terras e águas do Brasil, agravando a miséria, aumentando as emissões de gases estufa, envergonhando-nos perante o mundo e determinando o sacrifício das futuras gerações.