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Em artigo, o coordenador do projeto Mapbiomas, Tasso Azevedo, avalia a crise amazônica. Texto publicado originalmente no blog do autor, em 29/8/2019
A quantidade de incêndios na Amazônia entre os meses de janeiro e agosto cresceu mais de 80% em 2019, quando comparada com 2018. Houve anos piores, mas ainda estamos no início da estação do fogo, e os próximos meses são de alto risco.
Ao cruzar os dados, observa-se uma enorme sobreposição entre as áreas de alertas de desmatamento e as áreas de focos de calor (fogo) detectados por satélite. O fogo de fumaça densa e alta é típico de queima de floresta. Não se trata de uma simples limpeza de pasto, em geral caracterizada por uma fumaça mais rala e rasteira.
Os incêndios florestais dependem essencialmente de dois fatores: combustível e ignição. A floresta derrubada quando seca é o combustível, e a ignição em estação seca é quase sempre uma ação antrópica. Não é acidente.
É parte da dinâmica do desmatamento em regiões tropicais. Primeiro, se põem abaixo as grandes árvores; depois passa o correntão para derrubar a vegetação mais baixa; e depois de algumas semanas secando, ateia-se fogo a fim de terminar o serviço.
A floresta que queima agora foi derrubada em abril, maio e junho. O que veio abaixo em julho e agosto vai queimar em setembro e outubro. Como a área detectada de desmatamento cresceu muito em julho (278%) e agosto (118% até o dia 23), o pior do fogo ainda está por vir.
É fundamental reduzirmos o combustível e evitarmos a todo custo novas ignições. É preciso que se determine a moratória do uso do fogo na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal até o final da estação seca, ou seja, pelo menos até o final de outubro. Junto com esta medida, é essencial uma campanha ostensiva de comunicação, nos moldes das campanhas para eliminar os focos de reprodução do mosquito da dengue, para restringir o uso do fogo como prática agrícola.
Por outro lado, é urgente uma ação de força com o objetivo de estancar o desmatamento que está acelerando. Mais de 90% do desmatamento são ilegais, e muitas vezes estão ligados às máfias de roubo de madeira, ao garimpo e à grilagem de terras. Esses grupos criminosos são alimentados pela impunidade.
São necessárias ações exemplares de fiscalização. Primeiro, nas áreas protegidas como Unidades de Conservação e Terras Indígenas, focando nos garimpos e nas áreas recentemente desmatadas, com apreensão de máquinas e equipamentos e, se necessário, sua inutilização.
E em segundo lugar, é necessário promover o imediato embargo de todas as áreas do Cadastro Ambiental Rural com desmatamento ilegal — começando por aquelas identificadas nos alertas do Sistema de Detecção de Desmatamentos em Tempo Real (Deter) e com laudos completos já detalhados pelo MapBiomas Alerta.
A fim de lidar com a pressão da grilagem, deve-se estabelecer a distinção para uso sustentável das Terras Públicas Não Destinadas na Amazônia. Para estimular atividades sustentáveis, é preciso restringir o crédito rural às atividades que não envolvam desmatamento, combater os madeireiros que atuam ilegalmente e ampliar significativamente as áreas de concessão florestal.
O que vivemos é uma crise real, que pode se transformar numa tragédia anunciada com incêndios muito maiores que os atuais se não forem freados imediatamente. É hora de juntar forças, e não dividir.
Nós temos que aprender com a história. Todos os momentos de sucesso em derrubar as taxas de desmatamento — como entre 2004 e 2012 — foram forjados em um ambiente de ações compartilhadas entre os governos federal e estaduais, organizações não governamentais, o setor empresarial, cientistas e a comunidade local. Falta-nos hoje liderança para agregar. Para desagregar, está sobrando.