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O campeonato era para valer. Seis times dos apicultores do Parque Indígena do Xingu disputavam o troféu. Uniformes, juiz em campo, bola nova, muita vontade. A final, entre o Diauarum e o Kaiabi, terminou empatada no tempo regulamentar. Na prorrogação, persistiu o empate, e então vieram os pênaltis. Os cobradores estavam inspirados, não perdiam uma. Várias cobranças depois, o sol havia se posto e ficara escuro demais. Os goleiros alegaram, com razão: não dava mais para enxergar a bola. O juiz determinou que a partida fosse resolvida no par ou ímpar. Venceu o Diauarum, que jogava em casa, escolheu o ímpar e levou a taça.
Os Kaiabi lamentaram o resultado, mas aceitaram bem a derrota e festejaram o vice-campeonato. Um banho coletivo no Rio Xingu seguido de uma churrascada de pintado celebrou o torneio e seu resultado.
As gerações mais jovens dos povos indígenas do Xingu aderiram definitivamente ao futebol nas últimas décadas. Jogam quase todo fim de tarde, usam chuteiras, camisas de time (mesmo fora de campo), torcem e acompanham campeonatos. Mas tudo de um jeito bem diferente dos demais brasileiros, principalmente aqueles do Sul e Sudeste.
Cada aldeia tem um time. A divisão segue, mas não por uma lógica bairrista, o que manda é o parentesco. Assim, um homem casado geralmente joga ao lado de seus cunhados, enquanto o solteiro fica com os irmãos. Vencer ou perder importa, mas definitivamente não é a questão central. Nada dessa história de competir fervorosamente, enganar o juiz e machucar o adversário se for preciso. Ao menos não como estratégia deliberada e legítima, conforme aprendemos desde a infância.
Também não fica humilhado quem perde e não se glorificam os vencedores. Excessos em geral não fazem parte do jogo de futebol indígena.
O campeonato decidido no par ou ímpar integrava a programação do Encontro Anual de Apicultores do Parque Indígena do Xingu. Há 15 anos os índios da região produzem mel em decorrência de uma parceria entre a Associação Terra Indígena do Xingu (Atix) e o Instituto Socioambiental (ISA). Atualmente, são mais de cem apicultores das etnias Kawaiweté, Yudjá e Kisêdjê, moradores de 30 aldeias nas porções norte e leste da terra indígena. O mel dos índios do Xingu recebe selo de produto orgânico e participa do projeto Caras do Brasil do Pão de Açúcar, que o revende em suas lojas.
(Publicado no site da CartaCapital em 25/8/2015. Uma versão do texto foi publicada originalmente na edição 863 de CartaCapital, com o título "Par ou ímpar")