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Medidas apresentadas pelo governo do Amazonas são insuficientes para conter avanço da Covid-19 no interior do estado, onde há diversas comunidade indígenas e ribeirinhas
Assim como todo o mercado de turismo, as iniciativas de turismo de base comunitária (TBC) também vêm sofrendo com os impactos econômicos negativos da pandemia de Covid-19. As atividades de visitação nas Unidades de Conservação (UCs) Federais estão em processo de reabertura, conforme portaria n° 890/2020 do Instituto Chico Mendes de de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) de 25 de agosto de 2020, e permanecem proibidas em Terras Indígenas (TIs), como confirma determinação da Fundação Nacional do Índio (Funai) que suspende as anuências dos projetos em curso.
O risco agora é o de que a retomada do turismo, em um cenário ainda crescente da doença e sem que medidas seguras de controle tenham sido implementadas, possa disseminar a Covid-19 no interior do Amazonas e, consequentemente, nas comunidades indígenas e ribeirinhas.
A capital, Manaus, concentra toda a rede de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), o que afeta negativamente toda a população do interior do estado, onde vivem 195 mil indígenas. A região do Médio e Alto Rio Negro – municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos –, por exemplo, tem cerca de 750 comunidades indígenas. Só os dois primeiros municípios juntos reúnem 64.348 indígenas e são responsáveis por 33% de toda a população indígena que se desloca para a capital do Amazonas em busca de tratamento.
A Amazonastur, empresa estadual de turismo do Amazonas, publicou em 19 de junho um conjunto de protocolos de biossegurança com medidas para a retomada das atividades. Contudo, nem os protocolos e nem o plano de reabertura do Amazonas apresentam ações para garantir rápida identificação de casos e controle e tratamento da Covid-19 nos municípios do interior procurados para visitação. Barcelos e Santa Isabel do Rio Negro, por exemplo, são o destino preferencial para o turismo de pesca no estado.
Segundo a Amazonastur, o segmento da pesca esportiva movimenta 20 mil turistas de todo o mundo e mais de 100 milhões de reais anualmente. Para a pesca esportiva, na qual a maior parte das operações de turismo é realizada em barcos-hotéis com cabines duplas e ambientes de convívio fechado, em ar condicionado, o protocolo da Amazonastur não considera que o turista venha a se contaminar no trajeto até o destino e, posteriormente, contagie o grupo e a tripulação durante a viagem.
Caberia às empresas definir procedimentos e medidas adequadas para cada embarcação e para a prevenção e proteção dos funcionários. Os próprios municípios receptores ainda não apresentaram medidas de controle e prevenção à Covid-19 para a retomada do turismo.
Na região do Médio e Alto Rio Negro, existem cinco projetos de TBC em quatro TIs localizadas em Santa Isabel do Rio Negro e São Gabriel da Cachoeira. Essas iniciativas de turismo indígena envolvem diretamente 27 comunidades indígenas, dos rios Negro, Jurubaxi, Uneuixi e Marié.
A temporada 2018-2019 desses cinco projetos injetou no comércio local quase três milhões de reais em despesas operacionais e reverteu mais de um milhão de reais entre renda familiar e coletiva nas comunidades A partir de sistemas de repartição justa de benefícios coletivos e de governança dos investimentos entre as comunidades, as iniciativas revertem parte dos recursos pagos pelos visitantes para expedições de monitoramento e fiscalização e investimentos de infraestrutura nas comunidades. Com a suspensão das anuências de visitação em TIs, sem políticas claras para garantir a proteção desses territórios e sem programas de apoio e incentivo para a recuperação dos empreendimentos comunitários, toda essa construção está em risco.
Neste contexto, associações indígenas, instituições parceiras e empresas que operam conjuntamente essas iniciativas de turismo estão discutindo planos de contingência para avaliar quando e como será possível retomar o turismo nas TIs com segurança. Mesmo não sendo possível operar nas TIs, as empresas parceiras das iniciativas indígenas estão se preparando para realizar o turismo de pesca de maneira controlada no rio Negro, pois entendem o possível impacto que podem levar para a região e, indiretamente, afetar as comunidades.
Nesse sentido, estão implementando medidas mais abrangentes envolvendo a tripulação e os visitantes, considerando protocolos para remoção e/ou isolamento de pessoas que apresentarem sintomas durante a pescaria. Diferente do que era esperado, a retomada não possibilitará que sejam suspensas as medidas de distanciamento social, sendo ainda necessário discutir a restrição de circulação dos turistas e da própria tripulação nas cidades durante a temporada.
Quando controlada a pandemia, os destinos que conquistaram a confiança dos visitantes serão os mais procurados. Não por acaso, muitos países proibiram viagens para o Brasil ou a entrada de brasileiros em seus territórios. A forma como os destinos lidam com a Covid-19 será crucial para a recuperação da confiança e decisão de viajar.
Desde o início da pandemia, o Rio Negro vem trabalhando conjuntamente para barrar o novo coronavírus. A partir da criação de um comitê de enfrentamento à Covid-19 em São Gabriel da Cachoeira, e que envolve prefeitura, Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) e instituições locais, a FOIRN acionou uma rede de parcerias e captou recursos para melhorar a estrutura precária da saúde e realizar ações integradas de combate à pandemia.
Ainda, com apoio das instituições e dos operadores de turismo parceiros das iniciativas indígenas de visitação, foram elaboradas campanhas de sensibilização do público em geral para não visitar as comunidades e seus territórios durante a pandemia e, preferencialmente, não cancelar as viagens agendadas e aceitar remarcação de data com a cobrança de taxas de apoio à comunidades - ou, alternativamente, apoiar à distância por meio de doações.
- Realizar uma reflexão conjunta entre os órgãos da saúde e do turismo para melhor adequação dos protocolos sanitários da Amazonatur, para que a retomada da visitação observe os novos hábitos necessários para prevenção ao contágio;
- Assegurar os recursos necessários para a realização das ações de monitoramento e vigilância nos territórios cujas iniciativas de visitação estão suspensas;
- Promover campanhas de sensibilização para que turistas não visitem as comunidades durante a pandemia e que, ao invés de cancelar, que remarquem as viagens (com taxas de apoio para as comunidades durante a pandemia como compromisso);
- Reestruturação da rede de atenção básica de saúde aos povos indígenas e ribeirinhos, prevendo a criação de polos estratégicos, descentralizados e a ampliação da capacidade de tratamento de pacientes da Covid-19 (leitos, equipamentos e equipes médicas);
- Manter e ampliar a divulgação das iniciativas comunitárias, para fortalecer o engajamento e apoio dos viajantes durante a pandemia e estimular o planejamento de futuras viagens;
- Criar fundos de apoio ao desenvolvimento de iniciativas de turismo indígena e promover a diversificação e valorização dos produtos (artesanatos, alimentos e outros) para sua comercialização também fora da visitação;
- Produzir e difundir materiais digitais e audiovisuais para informar e sensibilizar os turistas que visitam a Amazônia sobre seu papel na contribuição para a conservação desse bioma e para o respeito aos povos tradicionais e indígenas que nele vivem;
* Marivelton Baré, presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN)
* Camila Barra, antropóloga e consultora de Turismo Indígena
* Thaissa Sobreiro, doutora em Ciências Ambientais
* Ana Gabriela Fontoura, turismóloga e consultora de TBC
* Guillermo Estupinan, biólogo e especialista em Recursos Pesqueiros (WCS)
* Juliana Radler, jornalista do ISA e membro do Comitê de Enfrentamento à Covid-19 em São Gabriel da Cachoeira