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Na semana passada, em meio à Mobilização Nacional Indígena, terminou a votação, no Senado, do Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 2/2015, sobre o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional, o chamado “novo marco legal da biodiversidade” (leia redação final do Senado). Agora, ele volta para a Câmara, que deve aprovar ou rejeitar as alterações feitas pelos senadores.
A votação no plenário do Senado foi feita em três tempos: o primeiro, na semana retrasada, quando se aprovou, de forma global, o parecer do senador Jorge Viana (PT-AC), da Comissão de Meio Ambiente (leia mais). Depois, na semana passada, na terça (14/4), foram votados três destaques ainda pendentes e, por fim, na quarta (15/4), os dois restantes.
Os cinco destaques que foram votados em separado, na semana passada, tratavam de três assuntos: o uso da expressão “povos indígenas” ao invés de “populações tradicionais”; uma mudança em uma isenção para repartição de benefícios oriundos do acesso e exploração de recursos genéticos e conhecimentos tradicionais; e alterações na definição de “produto acabado”.
Os senadores não acolheram o uso da expressão “povos indígenas”, apesar de seu enorme significado simbólico e da mobilização que ocorria às portas do Congresso no momento da votação. Assim, ao converter-se em lei, o PL fará sempre menção às “populações indígenas” e não a “povos indígenas”.
Repartição de benefícios
As outras alterações estão relacionadas ao cerne do projeto, seu elemento fundamental: garantir uma repartição justa e equitativa dos benefícios derivados do acesso e uso do nosso patrimônio genético e do conhecimento tradicional a ele associado.
A repartição de benefício é um instrumento previsto pela Convenção da Diversidade Biológica (CDB), tratado internacional que regula o tema. A convenção determina que quem usa e explora economicamente os recursos genéticos e conhecimentos tradicionais deve remunerar, de forma “justa e equitativa”, os detentores desses recursos e conhecimentos (os povos indígenas e tradicionais), reconhecendo-os como instrumento valioso de produção de saber.
Por isso, foram muito importantes as alterações feitas agora. Os senadores acolheram a mudança proposta pela Comissão de Meio Ambiente em relação à isenção da repartição de benefícios para os produtos derivados do acesso ao patrimônio genético realizado antes da edição da Medida Provisória (MP) 2.186-16/2001, que regula o tema hoje. O texto original, que saiu da Câmara, isentava da repartição de benefícios a exploração econômica de “produto acabado” ou de material reprodutivo cujo acesso ao patrimônio genético tivesse sido realizado antes de 29 de junho de 2000. O novo texto, aprovado pelo Senado, restringe a isenção à exploração econômica feita antes dessa data. Ou seja, apenas produtos desenvolvidos antes da edição da MP ficam isentos de repartição.
Quanto à outra questão, o PL da Câmara previa que só haveria repartição de benefícios sobre “produtos acabados”, apenas quando o patrimônio genético ou conhecimento tradicional presente no produto fosse considerado um dos “elementos principais de agregação de valor”, essencial para a existência de suas características. No texto da Câmara, a definição de “produto acabado” era a seguinte: “produto cuja natureza não requer nenhum tipo de processo produtivo adicional, oriundo de acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado, no qual o componente do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado seja um dos elementos principais de agregação de valor ao produto, estando apto à utilização pelo consumidor final, seja este pessoa natural ou jurídica”. Além disso, na definição de “elementos principais de agregação de valor ao produto”, o projeto aprovado pelos deputados dizia que esses são “elementos cuja presença no produto acabado é determinante para a existência das características funcionais ou para a formação do apelo mercadológico”.
O novo texto, apesar de manter a repartição de benefícios exclusivamente vinculada aos produtos acabados, amplia bastante o reconhecimento da participação do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional em seu processo produtivo. Na nova redação, não há mais necessidade de que eles sejam identificados como um “elemento principal de agregação de valor”. Basta que sejam um “elemento de agregação de valor”. E mais, o elemento de agregação de valor passou a ser definido como um elemento cuja presença no produto acabado contribui para – e não mais determina – a existência das características funcionais ou para a formação do apelo mercadológico.
Esse passo, dado pelo Senado, se acatado pela Câmara, pode fazer com o PL retome, pelo menos em parte, o espírito da CDB, fazendo com que a repartição de benefícios não se torne sempre uma exceção.