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Sistema Agrícola Quilombola e o reconhecimento da qualidade orgânica dos alimentos

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Mauricio Biesek, assessor técnico do Programa Vale do Ribeira




A roça de coivara é o esteio do Sistema Agrícola Tradicional Quilombola do Vale do Ribeira. Ela é realizada mediante autorização da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) e respeita o que estabelece a lei da Mata Atlântica sobre corte e a queima controlada da vegetação em comunidades tradicionais. A roça é manejada no máximo por cinco anos. O conhecimento tradicional construído pelos antecessores são experimentados e reproduzidos de acordo com as mudanças do conhecimento empírico ao longo da trajetória das comunidades, propiciando o entendimento dinâmico do território e das culturas referentes à época de plantio, a fase da lua adequada a cada cultura, a composição vegetacional, o porte da vegetação, a camada de serrapilheira, as variações de solos, etc.

Após o primeiro ano de cultivo, as comunidades avaliam anualmente a área de roça inicialmente manejada. Elas consideram se a mesma reúne as condições estruturais de fornecer nutrientes para os cultivos que sucedem. A percepção é baseada no tipo de vegetação espontânea, produtividade do ano anterior e quantidade de resíduos das culturas anteriores. A avaliação perdurará por até cinco anos. Após esse tempo, a área é abandonada para a recomposição da vegetação nativa. Neste sentido, as roças de coivara são itinerantes. De tempos em tempos, mudam de lugar e a área trabalhada volta a se regenerar e forma floresta novamente.

Durante os anos de cultivos, não se utilizam agrotóxicos para controle da vegetação espontânea e nem para o controle de pragas e doenças. Os nutrientes necessários para o desenvolvimento das culturas são oriundas das cinzas da queima controlada, dos restos de madeira que apodrecem e posteriormente dos resíduos das culturas do cultivo anterior. As sementes e mudas utilizadas são produzidas nas comunidades e guardadas em quantidades suficientes para os cultivos seguintes.

Os alimentos (milho, arroz, feijão, mandioca, inhame, batata-doce, cará, abóbora, etc.) oriundos da roça contribuem fortemente na segurança alimentar das famílias, pois fazem parte do hábito alimentar das pessoas e da alimentação dos pequenos animais, especialmente aves e suínos, que fazem parte da composição alimentar das comunidades.

Neste contexto, as comunidades entendem que os alimentos oriundos do sistema agrícola quilombola são diferenciados, pois o impacto ao ambiente são mínimos. Estas observações extrapolaram o conhecimento empírico e foram apoiados por elucidações científicas que comprovaram que a trajetória histórica das comunidades, tendo o sistema agrícola como eixo motriz da reprodução social, contribui para a manutenção das comunidades e das florestas no território.

Portanto, o entendimento que os alimentos são diferenciados com impactos mínimos se aproxima da concepção de sistemas orgânicos de produção, descrito na lei nº 10831 de 23/12/2003, considera no artigo 1º “todo aquele em que se adotam técnicas específicas, mediante a otimização do uso dos recursos naturais e socioeconômicos disponíveis e o respeito à integridade cultural das comunidades rurais, tendo por objetivo a sustentabilidade econômica e ecológica, a maximização dos benefícios sociais, a minimização da dependência de energia não-renovável, empregando, sempre que possível, métodos culturais, biológicos e mecânicos, em contraposição ao uso de materiais sintéticos, a eliminação do uso de organismos geneticamente modificados e radiações ionizantes, em qualquer fase do processo de produção, processamento, armazenamento, distribuição e comercialização, e a proteção do meio ambiente”.

Entendendo esse contexto, as associações das comunidades quilombolas do Vale do Ribeira e o Instituto Socioambiental (ISA), com apoio do Projeto Territórios da Diversidade e recursos da União Europeia, construíram a proposta de reconhecer a qualidade orgânica dos alimentos do Sistema Agrícola Tradicional Quilombola, propondo iniciativas que respeitem os hábitos e saberes locais que objetivam trazer reconhecimento, renda e protagonismo às comunidades.

Até o momento, ocorreram dez oficinas para diálogo à respeito dos mecanismos de controle para a garantia da qualidade orgânica, pois é importante compreender qual sistema se aproxima da estrutura das comunidades. A conclusão foi que o mecanismo que mais responde à situação conjuntural é a organização de controle social – OCS. Esta etapa englobou 16 comunidades do Vale do Ribeira Paulista, distribuídos em 10 OCS e 14 grupos, processo construído com 145 agricultores, sendo 57 homens e 88 mulheres.

O mecanismo escolhido pelas comunidades é prevista na Instrução Normativa nº 19 de 28/05/2009.A responsabilidade pela qualidade orgânica é dos membros que fazem parte das OCS e a fiscalização dos procedimentos estabelecidos pelos agricultores cabe ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA.

O planejamento prevê cadastrar as dez OCS até o fim de 2018 e acompanhar a gestão dos procedimentos estabelecidos pelos agricultores, contendo estimativas de produção excedente de cada produto da sociobiodiversidade, acesso aos mercados justos e solidários, fortalecimento das relações associativistas/cooperativistas orientadas dialeticamente pela assessoria técnica do ISA em parceria com as comunidades.

Desta maneira, o respeito à cultura das comunidades, o diálogo dos caminhos a serem trilhados no fortalecimento do Sistema Agrícola Tradicional Quilombola são democráticos e representam a opinião e a vivência dos envolvidos no processo de reconhecimento da qualidade orgânica, bem como atende a legalidade estabelecida pelo Estado nas suas diversas esferas.

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