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O secretário de Coordenação de Projetos do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Tarcísio Gomes de Freitas, admitiu na terça-feira (24), em seminário realizado na Câmara dos Deputados, que a União arcará com uma parcela ainda não dimensionada dos custos socioambientais da Ferrogrão. Para atrair investidores privados, a proposta do governo é estabelecer um valor absoluto como teto para compensações ambientais da obra.
Os estudos preveem custos de R$ 391 milhões para essas compensações, o que corresponde a apenas 3% do total da obra- estimada em mais de R$ 12 bilhões. Esse dinheiro seria gasto apenas durante os primeiros dez anos, sendo que a concessão está prevista para 65 anos. Portanto, 55 anos de operação ficarão descobertos e sem qualquer recurso de responsabilidade do empreendedor previsto para medidas de prevenção, mitigação ou compensação dos impactos socioambientais.
Esses custos ainda não dimensionados serão, segundo Freitas, de responsabilidade da União. “Dessa forma, o governo quer garantir os lucros dos investidores privados e socializar os custos socioambientais para todos os contribuintes brasileiros”, alerta Biviany Rojas, advogada do ISA.
O Instituto já havia questionado essa proposta do governo de estabelecer um valor absoluto como teto para compensações socioambientais sem ter claro os principais impactos, as medidas necessárias para mitigá-los, e muito menos os custos das mesmas. [Saiba mais].
Questionado novamente durante o seminário sobre isso, Freitas reconheceu que o governo poderia recalibrar o valor do teto dos custos socioambientais, mas não discutiu a possibilidade de revê-lo. “Em alguma medida você tem que passar os custos para o poder concedente [a União]. Você não tem tanto controle assim sobre medidas de compensação, não tem clareza como esse negócio funciona, mas você tem que manter o projeto atrativo. Eventualmente você pode calibrar”, disse.
Freitas também admitiu que o processo de concessão da Ferrogrão, avançará mesmo sem consulta aos povos indígenas e populações tradicionais impactadas. Se a ferrovia sair do papel, ao menos 48 Áreas Protegidas, entre Unidades de Conservação e Terras Indígenas, serão impactadas.
“A oitiva como vocês estão falando, tem que ser pós-leilão. Não adianta gastar energia agora”, afirmou às lideranças indígenas do Território Indígena do Xingu (TIX) presentes. A oitiva a que o secretário se refere é o processo de Consulta e Consentimento Livre Prévio e Informado (CCLPI), previsto na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário e que não necessita de regulamentação para ser aplicada por ser um direito humano fundamental.
A reportagem ISA perguntou ao secretário se a consulta seria realizada nos moldes determinados pela Convenção n.º 169 da OIT. “Isso não vai acontecer, assim não. Não vai ter projeto assim. Nós não temos tempo”, respondeu.
“A consulta tem que acontecer agora, antes da licitação do empreendimento, de forma que possa influenciar as condições da concessão prevista para 65 anos. Não tem nenhuma utilidade o governo se dispor a escutar os povos indígenas e comunidades tradicionais depois de assinar o contrato de concessão, quando não há mais nada a discutir”, alerta Rojas.
Em articulação inédita nos processos de construção de grandes empreendimentos, os povos indígenas e populações tradicionais estão reivindicando seu direito à voz ainda na fase atual, prévia à licitação da obra. Durante o seminário, lideranças indígenas dos povos Munduruku, Panará, Kayapó e do Território Indígena do Xingu, além de representantes do Projeto de Assentamento Extrativista (PAE) Montanha e Mangabal, reafirmaram que querem ser consultados.
Wareaiup Kaiabi, presidente da Associação Terra Indígena do Xingu (Atix) lembrou que já existem protocolos de consulta indicando de que forma os interessados em construir qualquer empreendimento devem conduzir a conversa com as populações impactadas: “Temos o nosso Protocolo no Xingu. Os interessados em fazer a ferrovia têm que fazer a consulta. Estamos preparados para isso e queremos ter voz agora, antes de a obra sair do papel”.
Os Munduruku e os ribeirinhos de Montanha e Mangabal também já têm seus protocolos consolidados. Ageu Lobo Pereira, presidente da Associação da Comunidade Montanha e Mangabal, lembrou que a consulta é um direito humano fundamental. “Eu fico pensando como vai ficar a futura geração ameaçada por esses grandes projetos? Tem que começar com a Consulta Prévia no local, conhecer o nosso modo de vida, das populações que vivem no rio e na floresta”. [Veja aqui o protocolo dos Munduruku e aqui o dos ribeirinhos de Montanha e Mangabal]
Com quase mil quilômetros de extensão, partindo da região produtora de cereais de Sinop (MT) até o porto de Miritituba (PA), a Ferrogrão visa consolidar o novo corredor ferroviário de exportação do Brasil pelo Arco Norte. Paralela à BR-163, a ferrovia deve acirrar conflitos fundiários e potencializar os impactos socioambientais da rodovia ainda pulsantes na região.
De acordo com a ANTT, a ferrovia terá uma capacidade instalada de 58 milhões de toneladas. Em relação à soja, prevê-se que a produção do grão no Mato Grosso aumente 56,2% entre 2021 e 2050. “Na mesa do brasileiro não vai soja, vai macaxeira. Não vamos deixar que aprovem projetos que nos massacram”, apontou Alessandra Korap Munduruku, da Associação Pariri.
Essa foi a pergunta repetida à exaustão tanto pelos participantes do seminário na Câmara (24/4), quanto na audiência pública convocada pela Comissão de Direitos Humanos do Senado e realizada no dia seguinte (25/4).
Biviany Rojas, do ISA, ressaltou o contexto regional complexo em que se insere a ferrovia, com índices altos de violência, conflitos agrários e disputa territorial. “O risco de subestimar impactos e de geração de conflitos é grande”, alertou.
Os índios Kayapó, representados pelo cacique Beporoti, bateram na mesma tecla: não foram consultados. Os Kayapó foram contundentes. “Por enquanto, estamos pedindo as consultas. Parece que não querem escutar a gente”, disse o cacique .
O senador Paulo Rocha (PT-PA), que conduziu boa parte da audiência, pediu ao representante da ANTT, Fernando Formiga, que intermediasse uma reunião entre o diretor da Agência e os representantes indígenas e não indígenas presentes em Brasília, para que sejam realizadas audiências públicas nos municípios de Trairão, Itaituba, Caracol e Novo Progresso. Entretanto, as audiências públicas não substituem a CCLPI que deve ser obrigatoriamente realizada com todas as comunidades que serão impactadas pela obra.
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Protocolo de Consulta Munduruku | 6.81 MB |
Protocolo de Consulta Montanha e Mangabal | 3.33 MB |
25_04_ferrograo_senado_1_2.pdf | 4.14 MB |