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Às vésperas da eleição, ex-ministro Ayres Britto pede resistência em defesa da democracia

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Jurista contesta interpretação ruralista do “marco temporal” que vem dificultando demarcação de Terras Indígenas. Declarações foram dadas em evento sobre 30 anos da Constituição apoiado pelo ISA
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O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto pediu que a sociedade resista aos ataques à democracia, à Constituição e aos direitos socioambientais que vêm ocorrendo em meio à crise política.

“Resistir é preciso. Porque nós somos um país juridicamente primeiro-mundista. Então, é cerrar fileiras em torno da Constituição, inclusive em matéria ambiental e de proteção dos índios, por exemplo”, afirmou, ontem (3), em um seminário sobre os 30 anos da Constituição, em Brasília.

“Essa chuva ácida, esse retrocesso, esses atentados ao meio ambiente, ao ideal de redução das distâncias sociais, tudo isso não vai resistir à força da democracia. A democracia vai acertar o passo”, disse. “E nós não abriremos mão da democracia e da Constituição, que fez da democracia o princípio dos princípios”, ressaltou Britto.

O ex-ministro também condenou a interpretação sobre o “marco temporal” defendida por políticos ruralistas. Trata-se de uma teoria segundo a qual as comunidades indígenas só teriam direito às terras que ocupavam em 5/10/1988, data da promulgação da Constituição. A tese foi incorporada ao discurso anti-indígena após o julgamento da demarcação da Terra Indígena (TI) Raposa-Serra do Sol (RR) no STF, em 2009. O marco foi incluído na decisão sobre o caso. No ano passado, passou oficialmente a ser aplicado às demarcações devido a um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), o que vem inviabilizando a oficialização das TIs. Ele desconsidera o histórico de violências e expulsões sofridas pelos povos indígenas.

“Para aquelas situações em que os índios à época da [promulgação da] Constituição não estavam em suas terras, eles estavam escorraçados, vítimas de violência física. Não deixaram de permanecer nas redondezas, no entorno de suas terras. E não recuperaram suas terras porque encontraram uma ambiência de hostilidade, de agressão”, concluiu o ex-ministro, que deixou o STF em 2012. Ayres lembrou que essa interpretação está em seu voto sobre o julgamento da TI Raposa-Serra do Sol.

Britto falou com a reportagem do após o fim do seminário “30 anos da Constituição Socioambiental”, promovido pela Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU) com apoio do ISA e de outras organizações da sociedade civil (veja abaixo a entrevista). O evento ocorreu a quase quatro dias do primeiro turno das eleições.

Foi consenso entre os participantes que, depois de décadas de avanços, vivemos um período de ameaças e retrocessos na aplicação da Constituição e que eles podem se acentuar após o pleito. Diante desse cenário, são necessários mobilização social e uma ação coordenada do Ministério Público e da sociedade civil para defender os direitos socioambientais previstos na Carta Magna. Participaram do evento procuradores, ONGs, movimentos sociais, técnicos do governo, pesquisadores e estudantes. A procuradora-geral Raquel Dodge e o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Herman Benjamin também estiveram no seminário.

Bolsonaro

O ex-deputado constituinte Fábio Feldmann mostrou-se preocupado com os rumos do país. “Vamos ter que estar muito atentos em relação às conquistas que obtivemos nos últimos 30 anos”, alertou.

Feldman avaliou que a possível eleição para presidente do deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) é um risco para os direitos ambientais, de comunidades indígenas e tradicionais em função de manifestações contrárias do parlamentar a esses direitos (veja entrevista abaixo). Bolsonaro foi absolvido recentemente de uma acusação por racismo, por comparar quilombolas a animais, e já declarou que, se for eleito presidente, não demarcará nem mais “um centímetro” de TIs.

“Estamos vivendo uma grande crise da Democracia e dos direitos”, comentou a subprocuradora-geral da República Deborah Duprat. Ela criticou o teto de gastos públicos instituído pelo governo Temer. De acordo com ela, as restrições orçamentárias estão inviabilizando o funcionamento de instituições como a Fundação Nacional do Índio (Funai), responsável pela demarcação das TIs, e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, que titula os quilombos.

“O desafio em 2019 será o de manter a própria Constituição. Nesse sentido, o papel do MPF é fundamental para garantir o Estado de Direito Democrático”, avaliou o advogado do ISA Maurício Guetta. Na primeira mesa do seminário, ele fez um histórico dos avanços obtidos por meio dos direitos previstos na Constituição, como a demarcação de mais de 113 milhões de hectares de TIs e a redução do desmatamento na Amazônia.

“Estamos vivendo um processo de liquidação de ativos constitucionais e esse processo atinge seu ápice nessas eleições e talvez no que venha pela frente”, salientou o professor de Direito da USP Conrado Hübner Mendes. “Estamos no clima de trincheira na defesa da Constituição”, acrescentou. Ele criticou de forma veemente a atuação recente do STF. De acordo com o jurista a “indigência argumentativa”, a “composição e o desgoverno” presentes na corte hoje são um obstáculo à efetivação dos direitos constitucionais. Mendes disse que as decisões do tribunal vem sendo tomadas ao “sabor da conjuntura” e “caso a caso”.

Oswaldo Braga de Souza
ISA
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