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Governo reconhece obrigação de consultar povos indígenas do Xingu

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Com seu Protocolo de Consulta em mãos, xinguanos apresentam plano de consulta inédito sobre BR-242 e FICO, obras que impactam o Território Indígena do Xingu (MT)
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“Estamos preparados para o diálogo, basta que o governo queira nos atender”, disse Ianukula Kaiabi Suiá em audiência pública realizada na Câmara dos Deputados na última quarta feira (12). O presidente da Associação Terra Indígena do Xingu (Atix) veio a Brasília com uma comitiva de vinte lideranças xinguanas para colocar na mesa do governo um plano de consulta sobre a BR-242 e a Ferrovia de Integração do Centro Oeste (FICO), obras planejadas na região das cabeceiras do rio Xingu (MT).

Os indígenas exigem que seu Protocolo de Consulta seja respeitado. Eles cobram, ainda, que seja realizado um processo único de consulta para as duas obras, considerando que ambas estão projetadas para a mesma região e possuem o mesmo objetivo: estimular o agronegócio. Devem, portanto, provocar os mesmos tipos de impactos, como o desmatamento, aumento da aplicação de agrotóxicos, assoreamento dos rios, dentre outros. Além disso, os traçados são muito próximos de sítios arqueológicos com valor histórico e cultural para os xinguanos, como a gruta de Kamukwaka, que já foi alvo de depredações.

Assista ao vídeo

O governo, representado pelo Ministério da Infraestrutura, se comprometeu a acatar a proposta feita pelos indígenas e criou um Grupo de Trabalho que dará continuidade ao diálogo. “O governo precisa se articular internamente da mesma forma que os indígenas se organizaram”, comentou Joênia Wapichana (Rede-RR), deputada federal que convocou a audiência.

“A consulta é um direito e um instrumento de diálogo fundamental para a busca de soluções sustentáveis ao longo do tempo no caso de medidas administrativas que afetarão os indígenas”, afirmou Wapichana. Além dos indígenas, estiveram presentes representantes do Ministério de Infraestrutura, DNIT, Valec engenharia, Funai, Ibama, Ministério Público Federal, Iphan, e prefeitos da região. [Assista ao vídeo da audiência]

Ainda que estejam em estágios diferentes no licenciamento, os xinguanos entendem que é indispensável juntar os processos da BR-242 e a FICO em um único diálogo sobre os impactos cumulativos e sinérgicos das obras, assim como sobre as medidas de prevenção, mitigação e compensação.

Desmatamento, veneno e pressão territorial

Nos últimos dez anos, foram desmatados mais de um milhão de hectares na bacia do Xingu. Na porção mato-grossense, 40% das cerca de 22 mil nascentes que formam o rio Xingu já foram destruídas. Esses números tendem a crescer com o avanço da agropecuária e a construção de empreendimentos para o escoamento de grãos na região do entorno do TIX.

“Não bebemos mais as águas dos nosso rios. Por que será?”, questionou Watatakalu Yawalapiti. A liderança se refere ao aumento do uso de agrotóxicos que cresce no mesmo ritmo que as lavouras, contaminando a água, o solo e o ar. Nos últimos dez anos, a área plantada de soja cresceu 135% na região, e o uso de agrotóxicos, 130%.

O desmatamento acelera o assoreamento dos rios, diminuindo sua profundidade e alterando suas composições químicas, temperatura e turbidez, o que prejudica a navegação e a reprodução dos peixes, o principal alimento dos indígenas. “Estamos perdendo a base da nossa segurança alimentar”, alerta Ianukula Kaiabi, presidente da Atix.

Os traçados dos empreendimentos passam próximos a alguns dos mais importantes sítios arqueológicos do país, como Kamukwaka e Sagihengu. Esses locais são a origem do Kuarup, o ritual mais importante de todos os povos do Alto Xingu. Ainda que tenham sido tombados pelo Iphan em 2010, sofrem com depredações e invasões, e não têm nenhum plano de conservação. “A nossa origem está na gruta de Kamukwaka, é lá que começou a nossa história, não queremos que a estrada passe perto”, pede o cacique Atahako Wauja. Políticas de proteção mais efetivas aos complexos arqueológicos da região também constam na reivindicação dos xinguanos.

Direito à voz

“Quem não fizer a Consulta Livre, Prévia e Informada que assuma os riscos de não cumprir a Constituição”, afirmou o coordenador da Câmara de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal, Antonio Carlos Bigonha. O direito à oitiva é garantido na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, e na Constituição Federal. “O STF conferiu à Convenção estatura constitucional, conferindo a ela imediata eficácia, independente de regulamentação. A Convenção 169, por versar sobre direitos fundamentais, desfruta de status de norma constitucional e tem aplicabilidade imediata”, continuou.

Os povos do TIX fizeram seu Protocolo de Consulta em 2016, que detalha as regras para a consulta acontecer sobre qualquer medida que impacte suas vidas e território. Ianukula lembra que os indígenas não são contra os empreendimentos, mas têm o direito à voz sobre eles. “Temos um espaço legítimo para a tomada de decisões e proposição de reivindicações. É esse espaço que estamos pedindo. É um direito que estamos cobrando, não é um favor”, disse.

Para o presidente da Atix, o compromisso do governo em acatar o Protocolo de Consulta no processo de licenciamento da BR 242 e FICO vai além do Xingu e pode ser um exemplo para que o direito à oitiva de indígenas e populações tradicionais seja respeitado: “Não estamos falando só do Xingu, mas do direito à consulta de todos os povos”.



Isabel Harari
ISA
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