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Por iniciativa de um amplo conjunto da sociedade civil, um manifesto foi entregue nesta terça-feira (10/12) em Madri, Espanha, na 25ª edição da Conferência do Clima (COP-25). Assinado por 124 organizações, dentre elas o Instituto Socioambiental (ISA), além de 500 ativistas, artistas, cientistas, juristas e jornalistas, alerta para “uma escalada autoritária” em andamento no país e aponta que, sem democracia, não há sustentabilidade ou futuro.
“Qualquer regime no qual a sociedade não possa se manifestar livremente, sem receio de ser retaliada por sua atuação legítima, é um regime autoritário”, pontua o texto, assinado por sete ex-ministros do Meio Ambiente, como Marina Silva e Carlos Minc. Após mencionar o período da ditadura cívico-militar brasileira (1964-1985) e a redemocratização, quando se imaginava que, “enfim, a liberdade teria vindo para ficar”, a carta lembra episódios recentes que demonstram estarmos vivendo o contrário.
“O governo envia ao Parlamento um projeto de lei que evita a punição de forças policiais que venham a matar manifestantes; ativistas ambientais são presos e têm suas casas invadidas e organizações da sociedade civil têm seus escritórios vasculhados por policiais com base em acusações e mandatos judiciais desprovidos de fundamentos fáticos. Passa da hora de toda a sociedade brasileira dizer claramente: não toleraremos afrontas a nossos princípios democráticos!”, explicita o documento.
No final de novembro, em Santarém (PA), uma operação da Polícia Civil prendeu quatro bombeiros voluntários — acusados de intencionalmente atear fogo na floresta de Alter do Chão — e invadiu o escritório da ONG Saúde e Alegria, apreendendo documentos e equipamentos de trabalho. Em ambos os casos, não havia provas suficientes para as ações. Logo em seguida, o presidente da República, Jair Bolsonaro, ainda pediu publicamente para que a população não doe mais dinheiro a ONGs, criminalizando o setor de forma generalizada. Desde antes da eleição, o ex-capitão alimenta retórica que estimula a depredação do meio ambiente e a perseguição a ativistas, o que vêm provocando reações dentro e fora do país.
Madri, 10 de dezembro de 2019
Não existe democracia sem sociedade civil livre. É por meio de cidadãos atuantes e vigilantes que políticas são aprimoradas, desvios são denunciados e governantes são fiscalizados. Foi por meio da atuação de organizações da sociedade civil que o Brasil conseguiu reduzir drasticamente a mortalidade infantil, a miséria extrema e o desmatamento perdulário de suas florestas e tomar medidas cruciais contra a corrupção e pela transparência no poder público.
Qualquer regime no qual a sociedade não possa se manifestar livremente, sem receio de ser retaliada por sua atuação legítima, é um regime autoritário.
Há 35 anos, embalado num gigantesco movimento popular, o Brasil encerrava uma longa ditadura militar. Imaginava, com isso, haver deixado para trás, de forma definitiva, o uso do Estado para perseguições políticas e prisões arbitrárias de ativistas realizadas sem base em provas ou qualquer espécie de julgamento. Imaginava que, enfim, a liberdade teria vindo para ficar.
Porém, os rumos que estão sendo tomados pelo Brasil atual são extremamente preocupantes. Pela primeira vez, em mais de três décadas, vemos demonstrações de retrocesso em algumas liberdades fundamentais duramente conquistadas. Por exemplo, integrantes do Governo Federal declaram sua simpatia a instrumentos que restringiram a liberdade e direitos políticos e civis no período ditatorial; o governo envia ao Parlamento um projeto de lei que evita a punição de forças policiais que venham a matar manifestantes; ativistas ambientais são presos e têm suas casas invadidas e organizações da sociedade civil têm seus escritórios vasculhados por policiais com base em acusações e mandatos judiciais desprovidos de fundamentos fáticos.
Passa da hora de toda a sociedade brasileira dizer claramente: não toleraremos afrontas a nossos princípios democráticos! Não é aceitável conviver diariamente com ataques do Presidente da República, de seus ministros e auxiliares à imprensa livre, a organizações independentes e a direitos fundamentais individuais e coletivos. Não é aceitável conviver diariamente com massacres da população de maioria negra das nossas favelas e periferias, executados ou tolerados pelas forças de segurança pública que deveriam protegê-las. Não é aceitável ver manobras do poder público para fechar espaços cívicos. Não é aceitável a censura à cultura e à pesquisa.
Por essa razão, manifestamos nossa solidariedade e nosso apoio às instituições e pessoas que têm sido vítimas de abusos das autoridades e que fazem seu papel de enfrentamento dos desmandos e de preservação da nossa democracia e da ordem constitucional: as organizações da sociedade civil; a imprensa; o Congresso Nacional; o Ministério Público; os povos indígenas e as populações tradicionais; os servidores públicos das áreas científica, cultural e socioambiental; os professores e as universidades públicas.
Nossa democracia foi duramente reconquistada há apenas 35 anos. Não permitiremos que ela seja destruída mais uma vez.
Assinam este manifesto as instituições: clique aqui.