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Cientistas que denunciam desmontes do Governo Federal sofrem censuras e ameaças

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Pesquisadores brasileiros sofrem com censura e perseguições durante o Governo Bolsonaro, que esta semana ganha na Justiça o direito de celebrar o golpe de 1964; veja esta e outras notícias no Fique Sabendo.

Bomba da semana



Diante do cenário caótico da Covid- 19 no Brasil, chegando ao maior colapso sanitário da história do País e mais uma troca de Ministro da Saúde, a semana tem como destaque perseguições e censura de pesquisadores brasileiros pelo governo Bolsonaro.

Doutorando do Instituto de Pesquisas da Amazônia (INPA), o pesquisador Lucas Ferrante integra o grupo que previu o descontrole da Covid-19 em Manaus e, que apesar dos avisos, foi ignorado pela prefeitura da capital amazonense. Além disso, Ferrante fez publicações nas revistas científicas Science e Nature, denunciado o desmonte ambiental pelo Governo Federal e chegou a contribuir com o Ministério Público Federal para que movesse ações barrando projetos que destruiriam reservas indígenas e a grande parte da Amazônia. O The Intercept Brasil apresentou o seu caso em maiores detalhes e os ataques enfrentados pelo pesquisador: perseguição, ameaças de morte e violência física.

Infelizmente, casos semelhantes ocorreram ainda neste mês de março. O editorial da Folha, intitulado como “Mordaça federal”, publicado na última terça (16), apresentou outros episódios de censura em instituições de ensino superior. Entre eles, abertura de processos para investigar professores que criticaram o presidente em um evento transmitido pela internet, além de investigações iniciadas pela Controladoria-Geral da União com base no pressuposto de que os docentes proferiram “manifestação desrespeitosa e de desapreço direcionada ao presidente da República”. As medidas tomadas alinham-se com um ofício encaminhado, no mês passado - e posteriormente cancelado -, às Universidades Federais pelo Ministério da Educação, solicitando providências para “prevenir e punir atos político-partidários”.

Na semana passada, uma Portaria publicada pelo ICMBio, no Diário Oficial, determinou que a partir de 1º de abril, todos os “manuscritos, textos e compilados científicos produzidos no âmbito e para este Instituto em periódicos, edições especializadas, anais de eventos e afins” deverão ser previamente avaliados pelo Diretor de Pesquisa, Avaliação e Monitoramento da Biodiversidade do ICMBio, cargo atualmente ocupado por Marcos Aurélio Venâncio, tenente-coronel da reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

E você com isso?

De fato, ações de controle e censura partindo do Governo Bolsonaro não são novidades, assim como não é coincidência os órgãos federais estarem repletos de militares e a sua recente “conquista” na Justiça para celebrar o golpe de 1964. Como afirma a antropóloga e historiadora Lilia Schwarcz , mesmo sem ter dado um golpe de estado, as ações autoritárias de Bolsonaro estão aos poucos corroendo a Constituição e a democracia. Como muito bem lembrado pela Coalizão Ciência e Sociedade , dentre as mais importantes conquistas da Constituição de 1988, destaca-se a liberdade de expressão, principalmente contemplada no inciso IX do artigo 5º, que estabelece:

É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.

Um país só pode se desenvolver plenamente com apoio e respeito aos seus cientistas e aos três pilares da pesquisa científica: coleta de dados, análises e divulgação dos resultados. Liberdade e transparência caminham juntas e alicerçam a credibilidade da ciência. Da mesma forma, ciência e democracia se sustentam mutuamente por meio da busca imparcial de conhecimento e de sua ampla difusão junto à sociedade.

Não perca também

O Governo Bolsonaro tem 5 dias para apresentar plano de isolamento de invasores em terras indígenas. A medida foi tomada pelo ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF) e faz parte da decisão de homologar parcialmente as medidas do governo para conter o avanço da Covid-19 nas aldeias.

Os invasores são um dos principais vetores de contaminação do novo coronavírus entre esses povos. Em reportagem publicada no ano passado, o ISA mostrou que invasões às Terras Indígenas cresceram exponencialmente desde o início da pandemia, ampliando o risco e a disseminação da Covid-19 entre suas populações.

Em Rondônia, um produtor rural foi detido transportando madeira extraída de forma ilegal de terra indígena localizada no município de Chupinguaia. Segundo denúncia, a madeira foi retirada da Terra Indígena Tubarão Latundê, que faz divisa com a propriedade do produtor rural, utilizada como ponto de depósito de madeiras extraídas de forma ilegal.

O Instituto de Biociências da USP realizará na semana que vem o evento ‘Incêndios no Pantanal e na Amazônia - causas, consequências e o futuro que queremos’, nos dias 29, 30 e 31 de março, das 10h às 12h. O evento é uma iniciativa de estudantes, docentes e funcionários do Instituto e acontece de forma virtual e gratuita. Veja os detalhes sobre a programação aqui.

Para não dizer que não falei de flores

Com o auxílio de pesquisadores científicos, a ONG Black Jaguar Foundation (BJF) planeja reflorestar 1 milhão de hectares ao longo dos rios Araguaia e Tocantins, na Amazônia e no Cerrado. Entre os maiores obstáculos para atingir a meta estão os proprietários rurais, que precisam acreditar nos benefícios econômicos do corredor verde. São 24 mil propriedades rurais incluídas no planejamento do corredor.

O Senado Federal criou ontem (18) a Frente Parlamentar Mista Antirracismo com as finalidades de promover debates e iniciativas a respeito de políticas públicas e outras medidas que busquem efetivar a igualdade racial prevista na Constituição da República, contando com a participação dos mais diversos segmentos da sociedade, entre outras.

De última hora

No Mato Grosso do Sul, jagunços de fazendeiros são acusados de torturarem e deixarem indígenas surdos no município de Aral-Moreira. A denúncia foi feita pelo Conselho da Aty Guasu, principal organização política e social do povo Guarani Kaiowá. Segundo a organização, os indígenas relataram que foram abordados com ameaças de morte por homens armados que dirigiam uma caminhonete dentro do Tekoha Guaviry, terra reivindicada pelos Guarani Kaiowá. Os jagunços trabalham na Fazenda Querência, que é reincidente em casos de violência contra povos indígenas na região.

Ainda no Mato Grosso do Sul, um proprietário rural da região de Dourados se tornou réu por violação de cemitério indígena e ocultação de cadáveres. O cemitério foi construído antes de 1950 e a estimativa é que 80 corpos estavam enterrados no local. Segundo laudo da Polícia Federal, os corpos foram retirados por escavadeira e colocados em um reboque de trator.

Fique atento

A Portaria Nº 111, publicada nesta semana pelo Ministério do Meio Ambiente, institui a Comissão de Monitoramento e Avaliação com a finalidade de avaliar e monitorar as parcerias com as organizações da sociedade civil celebradas com o Ministério do Meio Ambiente mediante Termo de Colaboração ou Termo de Fomento.

Segundo a decisão, as ações de monitoramento e avaliação poderão utilizar ferramentas tecnológicas de verificação do alcance de resultados, incluídas as redes sociais, aplicativos e outros mecanismos de tecnologia da informação.

Letra de sangue

“Levem para os atingidos a informação de que é preciso separar as lideranças”, afirmou o juiz federal Mário de Paula Franco Júnior, responsável pelo Caso Samarco, em vídeos de uma reunião realizada com representantes de comissões de várias cidades do Espírito Santo em janeiro deste ano. Mário de Paula divide a situação entre “lideranças boas”, citando alguns dos presentes, e recomenda que “se afastem de lideranças negativas”.

A legitimidade de todas essas comissões é questionada pelo Ministério Público Federal, que aponta diversas irregularidades na formação – inclusive com falsificação de assinaturas – e nos pedidos de indenização. A maioria dos processos correu em sigilo, sem acesso do MPF e demais interessados.

Baú socioambiental

25 anos que o povo Tembé tem território reconhecido



Em 20 de março de 1996, o povo Tembé conquistou a posse da Reserva Indígena Turé Mariquita II no oeste do estado do Pará. O território é uma das Terras Indígenas pertencentes à etnia na região, junto a TI Turé Mariquita, TI Alto Rio Guamá, TI Marakaxi, TI Tembé e TI Alto Turiaçu.

O reconhecimento do território foi possível devido a ações de compensação atribuídas aos impactos de um mineroduto utilizado para a exploração do caulim na região, construído sem o consentimento dos Tembé pela mineradora Imerys no Pará, que na época era Pará Pigmentos S/A. A reserva foi concedida aos Tembé como resultado de um compromisso entre a comunidade, a Funai e a mineradora. No entanto, com o prosseguimento do programa de compensação, todas as propostas formuladas pela empresa eram voltadas para a exclusão de direitos, com modificações para diminuir as compensações. Recentemente, um novo acordo foi firmado em favor dos Tembé, uma indenização voltada para as necessidades da comunidade.

Os Tembé no Pará, assim como os Guajajara no Maranhão, constituem ramos de um grupo que possui uma autodenominação mais abrangente, os Tenetehara. Ambos os grupos sofrem com os efeitos da atuação violenta de madeireiros e de fazendeiros responsáveis pelo desmatamento consequente da expansão da monocultura do óleo de palma de dendê. Desde 2014, o MPF enfrenta uma batalha na justiça para aprovar uma perícia judicial sobre a contaminação por agrotóxicos e os impactos socioambientais e à saúde na zona de produção no município de Tomé-Açu, na RI Turé-Mariquita II e nas demais terras ocupadas pelos indígenas.

Apenas este ano, dois membros do grupo, Isac Tembé e Didi Tembé, foram assassinados por conta de conflitos na região. A Mongabay realizou uma investigação sobre a tensão crescente entre os indígenas e as plantações palma na Amazônia.

Isso vale um mapa

O território dos Tembé enfrenta graves impactos com o aumento do desmatamento, principalmente decorrente do aumento da produção de óleo de palma. Embora o Brasil seja responsável por apenas 1% da produção global de óleo de palma (cerca de 540 mil toneladas em 2020), a indústria está crescendo rapidamente no país.

A área ocupada pelo dendê no norte do Pará — responsável por cerca de 90% da produção brasileira atualmente — quase quintuplicou entre 2010 e 2019, atingindo 236 mil hectares. Enquanto a produção nacional caiu ligeiramente em 2018, a produção no Pará aumentou em 47.653 toneladas (3,2%) no mesmo período, impactando de maneira ostensiva as comunidades indígenas da região do oeste do Pará.

No mapa abaixo, é possível ter uma visualização do impacto do desmatamento sob a Reservas Indígenas Turé Mariquita I e II.

Imagens: