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Estudo revela que o Cerrado perdeu em 2020 área quatro vezes maior que a Grande São Paulo

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Levantamento mostra que 66,7% do desmatamento aconteceu em terras privadas; 68% da derrubada em terras públicas (68,4%) ocorreu em áreas griladas por organizações privadas; veja essa e outras notícias no Fique Sabendo.

Bomba da semana



O decreto de calamidade pública de 20 de março de 2020, em decorrência da pandemia de Covid-19, não interferiu no desmatamento relacionado às cadeias produtivas da soja e da pecuária na Amazônia e no Cerrado. O De Olho no Ruralistas participou do consórcio de pesquisa responsável pela publicação dos relatórios Rapid Response que divulga, todo mês, casos de supressão de vegetação nativa pela agropecuária nos dois biomas.

Apesar da situação da Amazônia também ser preocupante, com 11.688 hectares sob alertas de desmatamento registrados, no Cerrado os alertas somaram 21.211 hectares. Só em 2020, o bioma perdeu 734.010 hectares de sua vegetação nativa, o que equivale a quase cinco vezes o tamanho da Grande São Paulo. O número representa um aumento de 13,7% em relação a 2019, quando foram desmatados 648.340 hectares, segundo o consórcio Chain Reaction Research. Desse total, 66,7% estão dentro de propriedades privadas. As gigantes da soja, do gado e dos supermercados são as principais responsáveis por essa cadeia de comércio e devastação .

Dentre os casos de desmatamento monitorados pela Chain Reaction em 2020, 19,2% se encontram em áreas públicas. Ao todo, foram desmatados 141.186 hectares em assentamentos rurais, Terras Indígenas, unidades de conservação e reservas federais e estaduais. A pesquisa aponta que 68,4% desse total apresentam sobreposição de posse de terra. Ou seja, 96.608 hectares desmatados em terras públicas estão registrados por organizações privadas. Em outras palavras, grilagem. Outros 103.212 hectares (14%) estão em terras sem designação legal.

E você com isso?

Sabe-se que a agropecuária é a principal atividade responsável pelo desmatamento no Brasil. No entanto, revelar os responsáveis e as cadeias produtivas envolvidas por causar essa destruição se faz necessário, especialmente quando o setor recebe amplo apoio empresarial e cria a ideia falsamente positiva de que é responsável pela "salvação da lavoura” quando o assunto é produção, exportações e balança comercial. Paradoxalmente, enquanto o Ministério da Agricultura comemora a "supersafra", a fome aumenta no país e volta a assombrar milhões de brasileiros.

Por trás de todo esse crescimento está a devastação e invasão de terras públicas, gerando perdas incalculáveis na biodiversidade, supressão da agricultura familiar, aumento nas emissões de CO2 e danos às bacias hidrográficas, que são essenciais para o desenvolvimento social e econômico. Uma das iniciativas possíveis para reduzirmos esses impactos no Cerrado é a pressão pela retomada de diversos projetos, paralisados desde março de 2020, que reforçam leis para proteção do bioma.

Não perca também

Na segunda-feira (29), a Justiça Federal confirmou a suspensão da Instrução Normativa (IN) 09/2020 da Fundação Nacional do Índio (Funai) para a Terra Indígena (TI) Jeju e Areal, do povo Tembé, em Santa Maria do Pará, no nordeste paraense. A norma permitia o registro de propriedades privadas sobrepostas a terras indígenas ainda não homologadas pelo governo brasileiro. A sentença confirmou decisão liminar de setembro, além de declarar nula a IN. O juiz federal Rodrigo Mendes Cerqueira também registrou que a Funai e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) descumpriram a decisão liminar, e por isso as multas, em caso do descumprimento da sentença, foram aumentadas para o valor máximo, de R$ 500 mil por dia de descumprimento.

No leilão da 17ª rodada da Agência Nacional do Petróleo (ANP) previsto para outubro deste ano, o governo federal ofertará 92 blocos para exploração de petróleo e gás nas bacias marítimas de Campos, Pelotas, Santos e Potiguar. No caso da bacia Potiguar, não há estudos que confirmem a disponibilidade do combustível fóssil no subsolo marinho da região. Segundo a WWF-Brasil, o risco socioambiental para “pagar pra ver” é alto: a região tem altíssima biodiversidade, com centenas de espécies de alto valor comercial, muitas delas à beira da extinção.

Para não dizer que não falei de flores

Pesquisadores brasileiros descobriram uma técnica simples para a restauração de florestas degradadas: empregar animais frugívoros para espalhar sementes. O estudo mostra que muitas espécies de mamíferos e aves consomem sementes inseridas em frutas em comedouros e depois as excretam em áreas maiores. Esse ciclo natural pode ajudar a restaurar áreas degradadas, processo que usualmente é caro e complicado.

O projeto “Implementação de Tecnologias Sociais e Educação Ambiental em Comunidades do Alto Pantanal Mato-Grossense”, desenvolvido pelo Incra com o apoio da WWF-Brasil, venceu o Prêmio ANA 2020, da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico. https://www.wwf.org.br/informacoes/noticias_meio_ambiente_e_natureza/?78... Sob a coordenação do engenheiro agrônomo Samir Curi, o projeto tem como foco a melhoria da gestão da água no Pantanal por meio da utilização de tecnologias sociais e está em andamento desde 2009.

Fique atento

Na primeira live após assumir a presidência da Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) divulgou informações falsas sobre preservação da Amazônia, desmatamento e regularização fundiária. Zambelli atacou ONGs, defendeu a prática ilegal do garimpo em terras indígenas e revelou desconhecer a prática da grilagem. A deputada ainda contou que uma de suas primeiras agendas presidindo a Comissão será uma viagem à Amazônia a convite de um “empreendedor” do setor madeireiro.

A reestruturação nas comissões da Câmara irá refletir diretamente na aprovação de projetos de lei e na agenda política que será implementada no país. No momento mais severo da pandemia, a base parlamentar do governo Bolsonaro tenta se aproveitar do caos na saúde pública para flexibilizar ainda mais as políticas de preservação do meio ambiente e sucatear os órgãos federais da área. As consequências da gestão que Zambelli dará à Comissão preocupa ONGs e ativistas socioambientais.

O MMA publicou uma portaria na última quarta (31) que revoga outras anteriores responsáveis pela criação de Comissões, Comitês e Grupos de Trabalho Permanente (GTP), como, por exemplo, a mesa permanente de Diálogos de movimentos sociais e meio ambiente, a Comissão Intersetorial de Educação Ambiental e o GTP para tratar dos procedimentos de licenciamento ambiental. A revogação dessas portarias se alinha com o governo Bolsonaro pela diminuição do diálogo e da participação da sociedade civil nas decisões públicas, além de dificultar a igualdade de gênero nesses espaços com o fim do Comitê Interno de Gênero.

Letra de sangue

Símbolo do fracasso do projeto de integração conduzido pela ditadura militar, o governo Bolsonaro vem pautando a pavimentação da BR-319, única ligação por terra de Manaus (AM) ao restante do Brasil, via Porto Velho (RO). Dos 885 km inaugurados em 1976 e que cortam um dos blocos mais preservados da floresta amazônica, cerca de 450 não estão asfaltados. A expectativa é que os próximos passos do projeto sejam definidos pelo Ibama, que devolveu o Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) protocolado em agosto de 2020 pelo Dnit pedindo complementações.

Inúmeros estudos já demonstraram o risco e a inviabilidade desta obra, que vai na contramão da ciência. O Centro de Direitos Humanos e Empresas (FGV CeDHE) da Escola de Direito de São Paulo (FGV Direito SP) lançou o relatório Rodovias e impactos socioambientais: o caso da BR-319, em que apresenta um diagnóstico sobre se e como a proteção aos direitos humanos e ao meio ambiente foram consideradas no âmbito do licenciamento da BR-319. Já o Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam) realizou uma projeção dos impactos do desmatamento proporcionados pela pavimentação da rodovia no relatório BR-319 como propulsora de desmatamento: Simulando o impacto da rodovia Manaus-Porto Velho.

Baú Socioambiental

Ditadura nunca mais: os crimes cometidos contra os povos indígenas no regime militar



Essa semana foi marcada pelas reações aos flertes do presidente Bolsonaro com o autoritarismo, a tortura, a censura e a perseguição política remetidas no aniversário do intervenção militar de 1964. Em 2021, em plena devastação causada pela pandemia e por práticas criminosas de omissão e violência às populações indígenas, cabe lembrarmos da política de genocídio praticada pelo regime militar.

Em 1967, a pedido do então ministro do Interior, general Albuquerque Lima, foi ordenada a realização de uma comissão de inquérito administrativo para apurar os delitos praticados pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI), órgão indigenista fundado em 1910. A comissão foi presidida pelo procurador federal Jáder de Figueiredo Correia e teve como resultado o Relatório Figueiredo, publicado em 1968 e considerado um dos primeiros documentos oficiais sobre os crimes praticados pelo Estado brasileiro contra os povos indígenas.

Com a implementação do Artigo Inconstitucional nº5 (AI-5) no ápice da repressão, o documento foi arquivado. O que se seguiu foi a implementação do Plano de Integração Nacional (PIN) pelo regime militar, para expandir as fronteiras internas do Brasil, criando cidades, ampliando os negócios, as rodovias e o escoamento de matérias-primas. Essa expansão significou a perpetuação das violações e dos crimes de assassinato, tortura e perseguição de comunidades e lideranças indígenas que lutavam por seus territórios ou que tivessem comportamento considerado inconveniente frente à política de desenvolvimento do governo.

O Relatório Figueiredo ficou desaparecido por 45 anos, supostamente eliminado em um incêndio no Ministério da Agricultura, até ser ressuscitado em 2013 pelo Museu do Índio, no Rio de Janeiro, com mais de 7 mil páginas preservadas. A Comissão Figueiredo percorreu, em pleno regime militar, cerca de cem postos indígenas dos 130 existentes, em cinco inspetorias regionais do SPI. O emblemático relatório resultante dessa investigação menciona denúncias que detalham caçadas humanas promovidas com metralhadoras e dinamites atiradas de aviões, inoculações propositais de varíola em povoados isolados e doações de açúcar misturado com veneno estricnina, além de toda sorte de práticas de tortura e assassinatos sistemáticos promovidos pelo SPI em conluio com fazendeiros, políticos locais, arrendatários e mineradoras.

A Comissão Nacional da Verdade (CNV), promovida em 2011 para apurar violações de direitos humanos cometidas entre 1946 e 1988, utilizou o relatório para mensurar os crimes praticados contra as populações indígenas. Até o momento, são contabilizados 8300 indígenas mortos pela ditadura, entre estes 1180 tapaiunas, 118 parakanã, 72 araweté, 14 arara, 176 panará, 2650 waimiri atroari, 3500 cinta larga, 192 xetá, 354 yanomami e 85 xavante.

A Constituição Federal de 1988 definiu que as Terras Indígenas são propriedade da União, mas de posse exclusiva e permanente dos indígenas. Segundo a Carta Magna, o Estado brasileiro deve demarcar e proteger as fronteiras das TIs, reconhecendo os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, preservando assim seus modos de vida. Diante das sucessivas violações praticadas pelo regime militar, cabe-nos repudiar os gestos favoráveis à política de extermínio dos povos originários do passado e do presente e fortalecer a memória, a vida e a luta dos povos indígenas no Brasil.

Isso vale um mapa?

Estudo realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) sobre o impacto ambiental provocado pela pavimentação da rodovia BR-319 mostra que o desmatamento acumulado no estado do Amazonas pode aumentar quatro vezes até 2050. O material produzido por por Britaldo Soares-Filho, Juliana Leroy Davis e Raoni Rajão também estima prejuízos econômicos da ordem de 350 milhões de dólares anuais para o agronegócio, com a perda de serviços ambientais.

O seguinte mapa é uma simulação dos impactos do desmatamento ocasionados pela pavimentação da BR-319. Foram considerados dois cenários para a região até 2050. O primeiro não inclui a pavimentação da estrada e assim mantém a média dos últimos cinco anos do desmatamento no Amazonas. O segundo inclui a pavimentação da rodovia e decorrentes fluxos migratórios, expansão agrícola e ocupação de terras. Logo, as taxas de desmatamento nessas condições são altas, atingindo 9,4 mil quilômetros quadrados por ano em 2050



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