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Grilagem é a principal causa do desmatamento na bacia do Xingu

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O Projeto de Lei 510/2021 pode ser votado no plenário do Senado; conhecido como “PL da Grilagem”, pretende regularizar milhares de hectares desmatados ilegalmente na Amazônia; no topo do ranking das Terras Indígenas mais desmatadas, Apyterewa e Trincheira Bacajá (PA) enfrentam boom de invasões
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Uma estrada ilegal de mais de 40 quilômetros atravessa as Terras Indígenas (TI) Apyterewa e Trincheira Bacajá, no Pará, e ao longo dela mais de 745 hectares (ha) de floresta foram destruídos entre junho de 2019 e fevereiro deste ano. O avanço das invasões e o boicote às ações de fiscalização colocam em risco a integridade da floresta e dos indígenas, situação que pode se agravar com a votação do Projeto de Lei 510/2021, o “PL da Grilagem”, que foi discutido ontem (10) em audiência pública na Comissão do Meio Ambiente.

“Os casos mais críticos de desmatamento na bacia do Xingu estão relacionados com a especulação fundiária, e a aprovação do PL 510 seria a confirmação de que o crime compensa. Na prática, a medida regulariza milhares de hectares que foram desmatados ilegalmente na Amazônia”, comenta Biviany Rojas, coordenadora do programa Xingu do ISA.

Entre janeiro e fevereiro deste ano, 125 e 127 hectares foram desmatados na Apyterewa e Trincheira Bacajá, respectivamente, “como parte de um grande esquema de grilagem na região”, segundo Rojas. Essas duas Terras Indígenas estão conectadas por uma mesma frente de invasão que se aproxima cada vez mais perto das comunidades: apenas dois quilômetros separam a aldeia Kenkro de um foco de invasão na porção sul da Trincheira Bacajá.

Da aldeia, os indígenas do povo Xikrin conseguem ouvir o barulho de motosserras e tratores avançando sobre seu território. O mesmo acontece na Apyterewa, segundo os relatos dos Parakanã, que além dos sons das invasões denunciam que os rios estão contaminados pela mineração ilegal - o segundo maior vetor de desmatamento na bacia.

Os dados são do Sirad X, o sistema de monitoramento de desmatamento da Rede Xingu +, articulação de indígenas, ribeirinhos e organizações da sociedade civil para a defesa dos direitos dos povos do Xingu.

Boicote às ações de fiscalização

Somada a expectativa de legalização de áreas griladas, o governo federal tem enfraquecido a atuação dos órgãos de fiscalização ambiental.

As operações realizadas pelo Ibama entre novembro de 2019 e abril de 2020 nas Terras Indígenas Ituna Itatá, Cachoeira Seca, Trincheira Bacajá e Apyterewa conseguiram diminuir o desmatamento. As taxas, no entanto, voltaram a subir após o cancelamento, ainda não justificado, das ações de fiscalização e a exoneração dos fiscais responsáveis em abril do ano passado.

Dos 3 hectares desmatados em maio de 2020 na Trincheira Bacajá, por exemplo, o desmatamento pulou para 411 hectares em dezembro, um aumento de 12.980%. Nos meses seguintes, entre setembro e dezembro, mais 1.847 ha foram desmatados nessa TI. Já na Apyterewa, o desmatamento aumentou em 393% no mês seguinte à suspensão das operações, e continuou crescendo: entre julho e dezembro foram desmatados 5,8 mil hectares, 1.287% quase 14 vezes mais do que o total desmatado entre janeiro e junho.

No ano passado as TIs Apyterewa e Trincheira Bacajá ficaram no topo do ranking das mais desmatadas na Amazônia, juntamente com as TIs Cachoeira Seca e Ituna Itatá, também localizadas na porção paraense da bacia do Xingu.

Levantamento da Rede Xingu + revelou que nos últimos três anos, sob Bolsonaro, foram desmatados 66,5 mil ha nas TIs da bacia do Xingu. A partir de outubro de 2018, o desmatamento começou a se intensificar, e em 2019, essa tendência se consolidou, resultado de invasões, roubo de madeira, mineração ilegal e grilagem de terras. [Acesse o especial "Xingu sob Bolsonaro"]

Campeã de desmatamento

Na Terra Indígena Apyterewa, a mais desmatada nos três anos de monitoramento do Sirad X, foi revelado um esquema de grilagem de terras pelo qual novos invasores são instalados no interior da TI em lotes vendidos ou doados irregularmente. O ponto de apoio logístico é a Vila Renascer, povoado que surgiu em 2016 no interior da TI, 11 anos após sua homologação. [Saiba mais]

Além dos conflitos devido a grilagem de terras, a região também enfrentou, nos últimos dois anos, o avanço da mineração ilegal com a confirmação da abertura e funcionamento de garimpos ilegais no interior do território.

Morada do povo Parakanã, essa TI está localizada na área de influência da Hidrelétrica de Belo Monte. A retirada dos ocupantes ilegais e implementação de plano de proteção é parte das condicionantes ambientais da usina, e deveriam ter sido implementadas em 2011, antes da instalação da hidrelétrica. Dez anos depois, a efetiva implementação do plano, no entanto, ainda não aconteceu.

“Caça aos índios”

A grilagem na TI Trincheira Bacajá atingiu seu pico em agosto de 2019, quando mais de 1,1 mil hectares foram desmatados. Naquele mesmo mês, lideranças Xikrin foram ameaçadas por um grupo de invasores na região sudeste da TI que ameaçaram “caçar os índios”. [Saiba mais]

São ao menos três frentes de invasão ativas e segundo a Rede Xingu +, agem de forma coordenada. Na região norte e nordeste foram desmatados 3.794 hectares entre 2018 e 2020, na região sudoeste, 854 ha, e na região sudeste, a mais intensamente desmatada e palco de conflito entre os invasores e indígenas, foram 3.861 ha de floresta destruídos no período.

Em junho de 2020 foi realizado o pedido da retirada dos invasores da Trincheira Bacajá como uma das medidas emergenciais solicitadas na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) apresentada pela Apib ao Supremo Tribunal Federal (STF). Ainda assim, as atividades ilegais na área continuam. De julho a dezembro de 2020 foram mais de 2,5 mil hectares desmatados na TI.

Isabel Harari
ISA
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