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Nesta segunda (10/3), organizações e lideranças da sociedade civil denunciaram o governo brasileiro na 25ª sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas por violações de direitos indígenas no processo de construção de grandes hidrelétricas na Amazônia. As denúncias foram apresentadas pela coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sônia Guajajara, e pelo advogado da Associação Interamericana de Defesa Ambiental (Aida), Alexandre Sampaio, no evento “O direito das populações indígenas à consulta sobre grandes projetos hidrelétricos no Brasil”, organizado pela coalizão de ONGs internacionais France Libertes, em Genebra, Suíça.
De acordo com a coordenadora da APIB, a violação do direito dos povos indígenas à consulta e ao consentimento livre, prévio e informado sobre empreendimentos e medidas administrativas que afetem seus territórios, previstos pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e não aplicados pelo Brasil, tem criado um perigoso precedente de ilegalidades no tocante à observância dos tratados internacionais e está pondo em risco a sobrevivência da população indígena.
“A aliança de interesses econômicos e políticos aprofunda uma crise sem precedentes na aplicação da legislação que protege nossos direitos. É inadmissível que o governo viole direitos indígenas garantidos tanto pela Constituição brasileira como por convenções internacionais”, afirmou Guajajara.
Já Alexandre Sampaio denunciou a utilização indiscriminada no Brasil, por pressão da Advocacia-Geral da União (AGU) e do Ministério de Minas e Energia (MME), do mecanismo da Suspensão de Segurança no caso de ações na Justiça contra violações das legislações ambiental e indígena referentes a projetos hidrelétricos. Além de derrubar ações que visam proteger as populações afetadas, sem julgamento de mérito e com argumentos infundados sobre supostas ameaças à “ordem social e econômica”, as Suspensões de Segurança também reforçam a não observância da Convenção 169 da OIT, afirmou Sampaio.
“A Suspensão de Segurança tem que ser abolida no Brasil. O problema é que os que a utilizam são os mesmos que se beneficiam dela. Por isso é importante que a comunidade internacional fique ciente dessas manobras e cobre do governo brasileiro medidas efetivas de garantia dos direitos humanos”, explica o advogado.
"Embora legalmente previsto, esse instituto [a Suspensão de Segurança] é autocrático e não deveria ser acolhido com tanta frequência pelos tribunais, sobretudo na suspensão de decisões onde se criam fatos consumados, com a perda de direitos indisponíveis", analisa Carlos Teodoro Irigaray, procurador do Estado do Mato Grosso e pós-doutor em Direito Ambiental. Ele lembra que a Suspensão de Segurança foi criada durante o Governo Vargas e revitalizada na Ditadura Militar.
"É notória a influência política dos governantes, especialmente na alta cúpula do Judiciário, o que torna temerário, o poder concedido aos presidentes dessas Cortes [pela Suspensão de Segurança] para decidirem com base em alegações de difícil comprovação, como a ameaça de lesão à ordem pública e à economia", critica Irigaray (leia artigo do ISA sobre o assunto).
Antes da realização, em Genebra, do evento sobre direitos indígenas no Brasil, vários defensores dos direitos humanos reuniram-se com a embaixadora da Missão Permanente do Brasil na ONU, Regina Dunlop. Diante da afirmação da embaixadora de que seria mais eficaz que as denúncias fossem discutidas com o governo brasileiro em Brasília, Sonia Guajajara e Alexandre Sampaio informaram que as críticas aos grandes projetos são sistematicamente ignoradas dentro do Páis até que sejam expostas em fóruns internacionais, como os das Nações Unidas.
“A reputação do Brasil está em jogo. Estamos aqui para dar visibilidade ao preconceito e à discriminação inaceitáveis sofridos pelos povos indígenas, e para por um fim a isso”, afirmou a coordenadora da APIB.
Documentos
Além da realização do evento sobre direitos indígenas e barragens, uma coalizão de organizações internacionais com status consultivo na ONU (France Libertes/Fondation Danielle Mitterrand, The Women’s International League for Peace and Freedom, The Indian Council of South America (CISA), International Educational Development, Inc., Mouvement contre le racisme et pour l’amitié entre les peuples, Survival International Ltd) e organizações brasileiras entregaram à Assembleia Geral das Nações Unidas dois documentos que destacam as ameaças dos planos do governo brasileiro de construir até 29 grandes barragens na Bacia do Rio Tapajós, incluindo os afluentes Teles Pires, Juruena e Jamanxim. As hidrelétricas previstas provocariam, em vários casos, a inundação de territórios indígenas e de comunidades ribeirinhas. Além disso, causariam outros danos irreparáveis, como a eliminação de espécies valiosas de peixes, que constituem a base da economia e da sobrevivência da população local. Um dos documentos também é assinado pelo ISA (veja abaixo).
Da mesma forma que na hidrelétrica de Belo Monte (PA), o governo não tem realizado processos de consulta livre, prévia e informada com os povos indígenas e outras populações tradicionais atingidos por grandes barragens na bacia do Tapajós. As usinas de Teles Pires e São Manoel inclusive já receberam licenças ambientais. Isso tem provocado crescentes conflitos com comunidades locais, como os povos indígenas Munduruku, Kayabi e Apiaka, que têm protestado contra a violação de seus direitos.
Acesse abaixo os dois documentos apresentados ontem à ONU: