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Deputados ruralistas tentaram, ontem (9/12), instalar uma reunião da Comissão Especial que analisa a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215 no mesmo horário em que ocorriam votações no plenário da Câmara e na ausência do presidente da comissão, o que é proibido pelo regimento. O golpe fracassou, sob o protesto de manifestantes. Uma nova votação do relatório do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) foi marcada para a próxima terça (16/12), às 14h.
Além de impor uma série de restrições aos direitos dos povos indígenas previstos na Constituição, o projeto transfere do governo federal para o Congresso a prerrogativa de aprovar a oficialização de Terras Indígenas, Unidades de Conservação e territórios quilombolas. Na prática, se aprovado, vai significar a paralisação definitiva da formalização dessas áreas. Escutas do Ministério Público Federal levantaram suspeitas de que o parecer de Serraglio pode ter sido elaborado por um lobista da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) (saiba mais).
A sessão da comissão de ontem estava marcada para às 14h, mas foi cancelada por seu presidente, deputado Afonso Florence (PT-BA). Sob pressão dos ruralistas, no entanto, ele remarcou a reunião para às 16h.
Às 15h48, a mesa da Câmara abriu a ordem do dia, o que impede o funcionamento das comissões e obriga os parlamentares a comparecer ao plenário, segundo o regimento da casa.
Apesar disso e da ausência de Florence, às 16h20 o vice-presidente da comissão, Nilson Leitão (PSDB-MT), e outros deputados ruralistas abriram e suspenderam a reunião. Leitão disse que ela seria reaberta depois das votações do plenário, mas o painel de verificação de presença continuou aberto. Um a um, os integrantes do colegiado, em sua imensa maioria da bancada do agronegócio, foram registrando presença e se retirando. Com o painel aberto, o quórum mínimo de 12 foi alcançado, mesmo com a ausência dos parlamentares. O objetivo da manobra era permitir a reabertura imediata da reunião logo após o fim das votações no plenário.
A sala da comissão já estava cheia de manifestantes contrários à PEC. Vários foram impedidos de entrar e permaneceram nos corredores da Câmara. O clima foi ficando mais tenso à medida que os deputados registravam presença (veja galeria de fotos abaixo).
Leitão, Luís Carlos Heinze (PP-RS) e Alceu Moreira (PMDB-RS) voltaram à comissão. Em meio a palavras de ordens dos indígenas, tentavam articular o reinício da reunião. Neste momento, responderam aos manifestantes e teve início uma confusão. Seguranças da casa tiveram de agir.
Heinze e Moreira são os deputados registrados num vídeo, no final do ano passado, em Vicente Dutra (RS), em que atacam índios, gays e quilombolas e estimulam produtores rurais a usar segurança privada parar expulsar comunidades indígenas do que consideram ser suas terras (saiba mais).
“O que ocorreu aqui [na comissão especial] foi uma ilegalidade. Essa sessão não tem validade regimental”, criticou o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), um dos poucos parlamentares que exigiu a suspensão da reunião.
Só depois disso, Afonso Florence foi até a sala e justificou que não tinha sido informado da abertura da sessão por Leitão, apesar de ter autorizado o funcionamento do painel de presença. Florence comunicou então que a sessão aberta pelos ruralistas não tinha validade.
“Essa precipitação cria um litígio desnecessário: tentar fazer uma reunião sem base regimental, o que, além da controvérsia política, implica ilegalidade de qualquer decisão que tenha sido tomada”, argumentou Florence. “Quem abre a reunião, segundo o regimento, é o presidente, não o vice-presidente. Estou surpreso e acho que deve haver uma explicação plausível para esses fatos”. Ele negou que os ruralistas tenham tentado um golpe para impor a votação da PEC.
De acordo com a secretaria da comissão, Leitão não teria aberto a reunião, mas apenas informado que ela seria retomada depois da ordem do dia. Os ruralistas correm contra o tempo. Se proposta não for aprovada na comissão até o final desta legislatura, daqui duas semanas, ela será arquivada.
Regulamentação da Constituição
Está prevista para a tarde desta quarta (10/12), no Senado, a votação do Projeto de Lei Complementar (sem nº) que regulamenta o parágrafo 6º do artigo 231 da Constituição. Sob a justificativa de regulamentar o conceito de “relevante interesse público da União” no processo de demarcação de Terras Indígenas, o projeto pretende legalizar dentro dessas áreas fazendas, estradas, hidrelétricas e linhas de transmissão, entre outros empreendimentos. O projeto é de autoria do senador Romero Jucá, (PMDB-RR), um dos mais notórios adversários dos direitos indígenas.
“Assim como a PEC 215, o Projeto de Lei deve ser objeto de grande preocupação por parte da sociedade brasileira como um todo e, principalmente, dos povos indígenas”, lembra Maurício Guetta, advogado do ISA. “O objetivo da proposta é impor graves e inconstitucionais limites aos direitos dos índios.”