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Sábado último, 23 de maio, a comunidade do Quilombo Morro Seco, no município de Iguape (SP), realizou um grande mutirão para a colheita de arroz, que incluiu café da manhã, almoço e jantar para os participantes e a realização de uma roda de conversa e de um baile, com apresentação do fandango por músicos e grupo de dança da comunidade.
Conhecido regionalmente como puxirão, o mutirão é uma das modalidades de trabalho coletivo empregadas tradicionalmente pelos quilombolas do Vale do Ribeira nos trabalhos relacionados à roça. De acordo com o Inventário Cultural dos Quilombos do Vale do Ribeira, a cultura do arroz sempre exigiu grandes puxirões na colheita porque, ao amadurecer, o arroz deve ser colhido rapidamente, evitando o risco de mudar o tempo e a chuva arruinar a safra. (Saiba mais sobre o inventário).
Os puxirões de antigamente reuniam mais de 50 pessoas e terminavam com bailes que amanheciam ao som dos músicos da comunidade. Em Morro Seco, como na maioria dos quilombos do Vale do Ribeira, os puxirões com baile deixaram de ser realizados há décadas, sendo substituídos por reunidas, outro tipo de trabalho coletivo que junta menos gente, por um período menor de tempo e nas quais não se realiza o baile. Revitalizar esta prática tradicional do Sistema Agrícola Quilombola e, principalmente, apresentá-la para as gerações mais novas foram as razões que levaram as lideranças do quilombo Morro Seco à retomada dos mutirões.
Desta colheita participaram 60 pessoas, entre moradores de Morro Seco, e dos quilombos Nhunguara, Pedro Cubas, São Pedro, Ivaporunduva e Piririca, além da equipe do Instituto Socioambiental e de representantes da Associação Cultural Cachuera!, da Associação Desportiva Cultural de Capoeira (Adecc-Eldorado), da Revista Pesquisa Fapesp, da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e da igreja católica. Muitos jovens quilombolas relataram que estavam participando pela primeira vez na vida de um mutirão para a colheita do arroz.
Assista à vídeo-reportagem especial sobre o mutirão
Roda de conversa e baile
Uma vez terminado o mutirão, iniciou-se uma roda de conversa entre os participantes sobre os modos tradicionais das roças quilombolas. Seu Armando Modesto Pereira, liderança de Morro seco, 80 anos, falou sobre o mutirão atual, comparando-o com os que ocorriam em Morro Seco antigamente: “Hoje, neste nosso mutirão que estamos fazendo aqui está acontecendo uma coisa de esperança, que nós pretendemos continuar isso para muitos e muitos anos. Porque isso aqui é um exemplo de vida, de trabalho e de educação. Meu pai dizia que ele ia nos mutirões e comia paçoca com carne seca com a mão. O mutirão era feito de vários jeitos, não só de colheita, mas também para o roçado, para a plantação e limpeza do arroz. E naqueles mutirões, quantas pessoas que tinham? O mesmo tanto que nós temos aqui agora, 60 pessoas. Eles não vinham na hora que nós chegamos hoje, o povo naquele tempo chegava com o clarear do dia. Porque hoje é uma demonstração. Naquele tempo era obrigação chegar cedo e ir trabalhar. No dia do mutirão tinha o fandango, que naquele tempo não se falava em baile. Então o povo naquele trabalho ia com muita animação porque não tinha outra diversão. O povo ia para o mutirão para se divertir, trabalhar, comer e dançar”.
Para seu Bonifácio, também liderança de Morro Seco, irmão de Armando, que hoje tem mais de 90 anos, o dia foi de alegria. "Mas que não seja só o Morro Seco que merece isso. Todas as comunidades têm o direito de se manifestar com este espírito de harmonia, para que um dia nós podemos estar todos com as mãos suspensas, dando graças a Deus pelo que fizemos neste tempo. Preparando um futuro para as nossas famílias, muito obrigado".
Uma roda de conversa foi feita com jovens participantes da Formação de Agentes Socioambientais (FAS), organizada pelo ISA com o apoio do Fundo Nacional de Meio Ambiente, que vieram de Ilha Comprida e Cananéia. Tanto para eles como para os jovens quilombolas foi uma oportunidade de conhecer melhor esta prática do Sistema Agrícola Quilombola.
Tradicionalmente, quem organiza o mutirão é responsável pela alimentação, pela bebida e pelo baile. Por se tratar de uma roça coletiva de arroz, os quilombolas de Morro Seco mobilizaram parte de sua produção agrícola – frango caipira, feijão, mandioca, farinha, cará, frutas etc. para oferecer as refeições aos convidados. Quilombolas de Pedro Cubas , Nhunguara e de São Pedro também doaram produtos de suas roças. Os participantes do mutirão puderam apreciar pratos típicos da culinária quilombola, como paçoca com carne seca, café de cana, coruja, cuscuz de fubá, beiju de farinha de mandioca e frango com mamão verde.
Ao fim da roda de conversa os participantes e suas famílias foram acolhidos no salão comunitário de Morro Seco onde foi servido um jantar e na sequência ocorreu o baile com o fandango de Morro Seco e violeiros de Ivaporunduva e Piririca, reunindo cerca de 150 pessoas.
As ações realizadas no último sábado fazem parte da estratégia de fortalecimento do Sistema Agrícola Quilombola e também do projeto de Cultura Tradicional e geração de renda do Quilombo de Morro Seco, com patrocínio da Petrobrás e da Fundação Interamericana, respectivamente.