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Há cerca de um mês, o povo Ka’apor enfrenta uma nova ofensiva de madeireiros na Terra Indígena Alto Turiaçu, noroeste do Maranhão. Organizados em um acampamento para desmantelar um ramal de exploração madeireira às margens do Rio Hola, no norte da TI, os Ka’apor já foram alvo de duas emboscadas, ainda aguardam providências dos órgãos oficiais – e continuam sem qualquer notícia sobre a jovem Iraúna Ka’apor, que desapareceu em fevereiro deste ano.
A tensão aumentou no dia 18 de agosto, quando 50 indígenas faziam o avivamento do limite norte da TI e encontraram madeireiros no interior da área. Os Ka’apor já tinham indícios dessa invasão e chegaram a informar a Polícia Federal e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama). Diante da ausência de respostas dos órgãos, resolveram firmar acampamento em um dos ramais madeireiros nas proximidades do povoado de Tancredo Neves, no município de Nova Olinda do Maranhão, impedindo que seis caminhões de madeira e um trator saíssem de sua terra.
O acampamento, que já dura mais de dez dias, conta hoje com 70 pessoas e é a oitava área protegida criada pelos Ka’apor contra a exploração de madeira. As ações, no entanto, sofrem represálias. No final de semana do dia 27/8, os indígenas denunciaram que dois guardais florestais indígenas teriam sido alvo de uma emboscada na região próxima do povoado Areal, no município de Maranhãozinho. O local é o mesmo de onde foi morto, em 2014, o líder Eusébio Ka’apor.
No final de julho, a situação de tensão já havia sido denunciada pelos indígenas em uma carta pública. Em entrevista ao ISA, o antropólogo José Mendes, que trabalha há oito anos com os Ka’apor, relata que os indígenas têm se mobilizado sem qualquer apoio de órgãos públicos ou organizações não governamentais, em um contexto regional totalmente refratário a suas ações de proteção territorial.
Existe um total descaso da Funai do Maranhão acerca do caso”, denuncia. No início do mês, conta Mendes, os Ka’apor apresentaram um documento à Procuradoria da República no Maranhão e ao Ibama, relatando a nova situação de invasão e solicitando a retirada dos caminhões e tratores encontrados pelos indígenas. Até agora, no entanto, nenhuma providência foi tomada.
Os Ka’apor continuam também à espera de informações sobre o sequestro da jovem Iraúna, que desapareceu, em fevereiro de 2016, em uma estrada próxima ao município de Centro do Guilherme, em fevereiro (leia mais). “Nós não temos notícias”, diz Mendes, destacando que, apesar de terem se comprometido a investigar o caso em uma reunião com o procurador da República no Maranhão e os Ka’apor, as secretarias de Direitos Humanos e de Segurança estaduais nunca mais se manifestaram sobre o caso.
Outro ramal madeireiro foi descoberto pelos Ka’apor no limite sul de Alto Turiaçu, próximo à Terra Indígena Awá, do povo Awá-Guaja, cuja desintrusão foi iniciada pela Funai em 2014. Mendes conta, no entanto, que a área que faz fronteira à terra dos Ka’apor está degradada e que os fazendeiros voltaram para a TI Awá – abrindo caminho para um novo vetor de retirada de madeira.
Na época de estiagem, essa região do Maranhão – conhecida como Gurupi, onde há um conjunto de Terras Indígenas e Unidades de Conservação contíguas – costuma sofrer com inúmeros incêndios criminosos, o que está motivando os Ka’apor a fazer ações de avivamento dos limites norte, leste e oeste de sua terra. Entre novembro e dezembro 2015, um grave incêndio iniciado na TI Alto Turiaçu alastrou-se para outras terras da região, ameaçando povos em isolamento e de contato recente (relembre).
Duas ações civis públicas movidas pelo Ministério Público Federal no Maranhão correm na Justiça questionando a ausência de proteção da TI Alto Turiaçu pelo Poder Público. Em 2014, a Justiça Federal já havia condenado a Funai, o Ibama e a União a apresentar um plano de fiscalização das TIs Alto Turiaçu, Awa e Caru no prazo de 120 dias, mas a determinação nunca foi cumprida. Para Mendes, essa representação contra os órgãos fez aumentar sua leniência ao invés de diminuí-la.
Procurada pela reportagem do ISA para esclarecer as acusações, a Funai respondeu por nota. Segundo o órgão, “os Ka’apor consideram as atividades de sua Guarda Florestal uma forma de garantir sua integridade e segurança, mas a Funai não apoia esse tipo de atividade, por entender que pode colocá-los em risco”.
A Funai informa que, mesmo com determinação judicial em contrário, não há a previsão para criação de postos de vigilância ou fiscalização na TI Alto Turiaçu. “Contudo, mesmo sem instalações de bases físicas, a Funai estará presente durante todo o ano, priorizando os locais mais críticos”, afirma.
De acordo com a nota, a Funai vem atuando no combate a incêndios e outros ilícitos, principalmente o roubo de madeira, em conjunto com o Ibama, a PF e a Polícia Ambiental. O órgão argumenta que o sucesso do combate à retirada ilegal de madeira não depende só da Funai.
Já o Coordenador de Operações de Fiscalização do Ibama, Roberto Cabral Borges, informa que o órgão tem realizado ações periódicas em conjunto com a PF para coibir a retirada ilegal de madeira. A última delas foi a Operação Hymenaea, em julho, em que foram fechadas 21 serrarias e realizaram diversas prisões.
“Como a gente destruiu as serrarias – e as madeiras são retiradas para levar para as serrarias – a gente estava considerando a área controlada”, informa Borges. Ele disse que não ter recebido informações sobre o ramal encontrado pelos Ka’apor, mas se comprometeu a encaminhar a informação sobre a serraria em Nova Olinda do Maranhão para checagem da chefe de fiscalização local do Ibama.
Até o fechamento da reportagem, a assessoria de comunicação da PF no Maranhão não atendeu as ligações e não retornou o e-mail questionando possíveis respostas ao problema e o posicionamento do órgão. A Secretaria de Direitos Humanos do Maranhão também foi procurada, mas não retornou os contatos, assim como o superintendente da Polícia Civil do Interior no Maranhão.