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Apesar de a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, e de o Decreto nº 5.051 de 2004, assegurarem o direito dos povos indígenas de serem consultados sempre que os governos decidam por algo que venha a lhes afetar de alguma forma, nem sempre isso acontece. As consultas, quando ocorrem, são realizadas de forma inadequada e carecem de legitimidade. Nesse sentido, o Protocolo indica a forma correta de se fazer isso - regulamentando o direito à consulta para o caso específico dos xinguanos. A aprovação do protocolo aconteceu durante a reunião de Governança Geral no Diauarum, no TIX, entre 28 e 30 de outubro. (Saiba mais sobre a reunião aqui).
O TIX se encontra hoje numa ilha de floresta com seu entorno altamente impactado pelo desmatamento e uso intensivo do solo pelo agronegócio, gerando desequilíbrios ambientais diversos, como mudanças no regime das chuvas, assoreamento dos rios, diminuição de peixes e animais de caça, contaminação por agrotóxicos, entre outros.
No campo político, os últimos anos têm se mostrado desfavoráveis para as populações indígenas no Brasil. Os governos federais que se sucedem no poder insistem em fazer do Mato Grosso uma grande monocultura de soja e milho, investindo em grandes obras que atendem diretamente aos interesses do agronegócio, ignorando seu impacto sobre as comunidades indígenas. No Legislativo e no Judiciário, os direitos indígenas consagrados na Constituição de 1988 são ameaçados por regulamentações que pretendem abrir as Terras Indígenas à exploração e por novas interpretações jurídicas que restringem abruptamente os direitos territoriais dos índios.
As ameaças mais contundentes são as grandes obras, principais vetores de intensificação dos problemas socioambientais dos xinguanos. A 10 quilômetros ao sul da fronteira do TIX está sendo construída a BR-242, destinada a promover o escoamento de grãos. A estrada passa por dentro das fazendas de Blairo Maggi, ex-governador do MT e atual ministro da Agricultura. Paralela à BR-242, está sendo planejada a construção da Ferrovia de Integração do Centro Oeste (Fico) que atende a mesma demanda de escoamento de commodities agrárias das propriedades da região. À oeste do TIX, está planejada a construção da “Ferrogrão”, estrada cujo objetivo também é o transporte de grãos do agronegócio.
O caso da construção da Pequena Central Hidrelétrica (PCH) no Rio Culuene, que começou a ser construída em 2004, trouxe à tona as graves consequências ao se esquivar do direito a consulta prévia junto aos povos impactados e optar por um caminho enviesado. A PCH Paranatinga foi construída em cima de local sagrado para os povos do Alto Xingu, onde os velhos contam ter surgido a cerimônia do Kwarup, sem que nenhum processo de consulta pública fosse feito. Apenas um diminuto grupo de caciques foi consultado a portas fechadas em Cuiabá e acabou concordando com a construção da hidrelétrica em troca do repasse de recursos financeiros para uma associação indígena criada a toque de caixa com o único intuito de receber os valores a título de compensação, sem a concordância das demais etnias e , sem projeto claro para o uso do dinheiro ou qualquer estrutura de controle social.
O resultado da experiência com a PCH Paranatinga foi traumático para o TIX. A imensa maioria das etnias, ao se verem excluídas do processo de discussão, se mobilizaram para impedir sua construção, chegando a ocupar o canteiro de obras. Ao mesmo tempo, as lideranças que participaram das negociações com os empresários e governantes foram fortemente criticadas pelos seus próprios parentes, gerando graves desentendimentos políticos entre as etnias do TIX. Durante todo o processo de construção do Protocolo de Consulta, os índios das quatro regiões do TIX lembraram desse caso como exemplo de como a consulta não deve ocorrer.
Vítimas de processos tortuosos de consulta pública, os índios do TIX resolveram elaborar o Protocolo de Consulta a fim de exigir que as consultas ocorram de acordo com a lei e respeitando as especificidades dos xinguanos. No Protocolo, eles deixam claro que no Xingu não tem cacique geral e que todos os povos devem ser ouvidos no âmbito da Estrutura de Governança do TIX. As lideranças aprovaram um roteiro de reuniões que deve ser seguido a fim de garantir um diálogo de qualidade em que os índios possam compreender a proposta do governo, quando houver, debatê-la e estabelecer uma negociação justa com as instâncias governamentais responsáveis.
O próximo passo é publicar o Protocolo e divulgá-lo junto às autoridades públicas, desde os municípios vizinhos do TIX, até a Presidência da República - passando pela Secretaria Especial de Saúde Indígena e órgãos licenciadores de empreendimentos. Conta-se com a Funai e Ministério Público para zelar, juntamente com os xinguanos e seus parceiros, pelo cumprimento do Protocolo. Somado ao Plano de Gestão, o Protocolo de Consulta do TIX fortalece a luta dos xinguanos na definição de seu próprio futuro.
Anexo | Tamanho |
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2017_protocolo_xingu_versao_digital_-_rca.pdf | 1.78 MB |