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Uma equipe de 13 especialistas da Fundação de Vigilância em Saúde (FVS) do Amazonas chegou essa semana a São Gabriel da Cachoeira (AM) para criar um plano emergencial de controle e combate à epidemia de malária que assola o município do Alto Rio Negro. A região registra 5.072 casos da doença nos primeiros quatro meses deste ano, o que representa um aumento de 49% em relação ao mesmo período de 2017.
Com esse índice, São Gabriel ultrapassou em 100 casos o município de Cruzeiro do Sul (AC), primeiro colocado em incidência da doença em 2017, de acordo com dados da FVS. Vale lembrar que a população de Cruzeiro do Sul (81 mil habitantes) é praticamente duas vezes maior do que a de São Gabriel, com 43 mil pessoas, segundo IBGE.
O chefe do Departamento de Vigilância Ambiental da FVS no Amazonas, Cristiano Fernandes da Costa, afirma que São Gabriel oferece um risco três vezes maior de se pegar malária do que os municípios que já são de alto risco. “Se a situação continuar dessa forma podemos chegar a pior epidemia de malária do Amazonas e, talvez, do Brasil”, comentou Costa em reunião na sala de comando e controle técnico e operacional da ação emergencial implantada essa semana pela FVS em São Gabriel.
Houve um aumento de 3.550% nos casos da malária mais perigosa, a Falciparum, que registrou 1.314 doentes somente neste quadrimestre de 2018. O número total de casos, de 5.072, ainda deve aumentar, segundo a equipe de emergência, uma vez que uma força tarefa para fazer o teste na população está em ação. “O aumento da Falciparum em São Gabriel é um alerta que mostra que a saúde no município não vai bem”, admite Eufélia Gonçalve, secretária municipal de Saúde.
Escalada da Malária em SGC
Em 2017 a situação de malária em São Gabriel já era preocupante. A FVS registra que uma pessoa em cada quatro teve malária no ano passado. Metade dos casos são registrados na área urbana e periurbana do município. Os campeões de registro são a região do Parauari e os bairros Miguel Quirino, Tiago Montalvo e Areal. Um fator crítico em São Gabriel da Cachoeira também são os tanques de piscicultura, muitos deles abandonados. Um diagnóstico feito pela FVS registra 220 tanques somente na sede do município. Outro problema grave apontado pelos especialistas é a descontinuidade das ações de combate à malária pela gestão local e a banalização da doença.
“Temos que combater a malária no quintal da nossa casa. Vimos que cerca de 50% dos casos de malária estão na área urbana e o que está acontecendo na cidade reflete na área rural, com a mobilidade das pessoas”, afirma Costa. Muitos moradores das áreas indígenas vão ao centro urbano do município para resolver questões bancárias, acessar benefícios sociais e, em muitos casos, voltam doentes para suas aldeias. João Nilton Yanomami, da comunidade de Maturacá, informa que muitos parentes têm medo de se hospedar nas casas de apoio dos Yanomami na cidade por conta da alta proliferação de malária.
A secretária municipal de Saúde afirma ainda que o crescimento da área urbana em direção à floresta, com a abertura de novos ramais e bairros, como Novo Horizonte e Santa Terezinha, acentuou o problema. “Nossa cobertura de saúde não consegue abranger essas regiões e muitas áreas novas estão sem cuidado”, diz Eufélia Gonçalves.
O aumento de malária em São Gabriel segue também uma tendência nacional. Segundo matéria publicada esse mês pela jornalista Amanda Rossi, da BBC Brasil, em 2017 o número de ocorrências de malária subiu 50% no país, chegando a 194 mil casos. E esse crescimento ocorreu após seis anos de queda da doença no território nacional. Os maiores aumentos foram nos estados do Pará (153%), Amazonas (65%) e em Roraima (56%).
Próximas etapas
A ação emergencial em São Gabriel da Cachoeira permanecerá por 180 dias e a FVS manterá uma espécie de QG, montado na sala de reunião do Distrito Sanitário Especial Indígena do Alto Rio Negro (DSEI-ARN ), para comandar a operação. Semanalmente a fundação reunirá as principais instituições da cidade para emitir um boletim da situação, assim como compartilhar ações, sobretudo, de educação e informação. O Instituto Socioambiental (ISA) está acompanhando as ações emergenciais e apoiando a comunicação sobre o problema, que aflige a todos na região, sobretudo à população indígena.
“A malária foi banalizada no município de modo geral. As pessoas vão pegando malária, não se tratam até o fim, deixam de tomar o medicamento e voltam a ficar doentes”, disse a secretária municipal de saúde. A FVS informa que um grupo de 25 alunos do curso de agente comunitário de saúde do IFAM (Instituto Federal do Amazonas) irá colaborar com o trabalho de emergência sobretudo em ações de conscientização da população. A Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) também está apoiando as ações e os jovens da Rede de Comunicadores Indígenas estão traduzindo para as línguas Tukano, Baniwa e Nhengatu os informativos de prevenção e cuidados para divulgar na área urbana e comunidades das terras indígenas.
O presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), Marivelton Barroso, que representa 750 comunidades indígenas dos municípios de Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro e São Gabriel da Cachoeira, alerta para o risco dessa epidemia se alastrar para os municípios vizinhos. Recentemente seu avô faleceu em decorrência de malária em Santa Isabel. “Essa situação precária ficou velada por muito tempo e agora precisamos agir para que não fuja ainda mais de controle e faça mais vítimas”, alertou Marivelton.
A equipe da FVS chamou atenção para a importância da gestão municipal se engajar no plano de emergência, assim como toda a população e outras instituições públicas que atuam no município, como Exército (que possui 2,5 mil homens em São Gabriel) e outros. Nesta primeira reunião aberta para participação das instituições, realizada nesta sexta-feira 18 de maio, o prefeito do município Clóvis Saldanha não compareceu.