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O retorno das ariranhas à paisagem baniwa

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Animal semiaquático, considerado localmente extinto após intensa caça comercial no século XX, mostra sinais de recuperação no Alto Rio Negro
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As ariranhas estão voltando para a paisagem do Rio Negro, no noroeste amazônico, depois de terem sido consideradas extintas na região. O animal, conhecido como lobo-do-rio ou lontra gigante, foi alvo da caça comercial estabelecida durante o século XX em toda Amazônia.

A intensa caça de ariranhas buscava atender a alta demanda dos mercados europeu e norte-americano por peles de luxo, sendo as peles do Rio Negro as mais valorizadas pelo mercado internacional devido à bela coloração que os animais adquirem ao permanecer em constante contato com as águas pretas do rio.



Um estudo liderado pela bióloga Natalia Pimenta, atualmente assessora do Instituto Socioambiental (ISA), em parceria com lideranças e pesquisadores indígenas baniwa, utilizou dados de documentos históricos, amostragens ecológicas e registros da história oral desse povo indígena para reconstruir a trajetória de ocupação do território indígena pelas ariranhas, desde sua origem até os dias atuais.

A ariranha foi a espécie mais impactada pela caça comercial do século XX, reduzindo a área de distribuição original da espécie. No entanto, cerca de 30 anos após a proibição da caça no Brasil, a volta das ariranhas ao território baniwa foi trazida à tona por alunos da Escola Indígena Baniwa e Coripaco Pamáali, em julho de 2014. A partir de então iniciou-se uma articulação entre lideranças da Organização Indígena da Bacia do Içana (OIBI), Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), Fundação Nacional do Índio (FUNAI), pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e representantes do ISA para a realização de um projeto que fomentasse a discussão sobre o manejo dos lagos do Rio Içana e assim contribuísse para o plano de gestão ambiental e territorial da Terra Indígena do Alto Rio Negro.



Os pesquisadores registraram a história oral baniwa sobre a caça comercial de lontras e ariranhas realizada na região através de entrevistas com os moradores mais antigos. Os mais velhos da região chegaram a participar da atividade de caça comercial e foram fontes fundamentais na pesquisa.



A série histórica dos números de animais abatidos na bacia do Rio Negro, registrados em documentos fiscais fornecidos pelas empresas de aviamento da época, mostra que bastaram 10 anos de caça comercial para levar as populações de ariranhas do Rio Negro ao colapso. As lontras, embora também tenham sido afetadas pela caça comercial, persistiram. Os impactos da caça comercial histórica nas populações de lontras e ariranhas do rio Negro foram publicados em março de 2018 na revista internacional PLoS ONE (ver publicação).

Em um segundo momento, os pesquisadores monitoraram 35 lagos e igarapés da região em busca de sinais da ocorrência de ariranhas ao longo das paisagens existentes no Rio Içana. A partir daí, constataram que a ligação entre os igarapés, rios e lagos é essencial para a recolonização das áreas afetadas pela caça. Foi através desses pequenos corpos d’água que os animais que se mantiveram resguardados nas cabeceiras dos longos igarapés e puderam se locomover para as áreas de onde haviam sido extintos.



Estes resultados foram apresentados pela revista científica Conservation Biology (ver publicação) em junho de 2018.

A publicação desta pesquisa intercultural em pesquisas científicas internacionais contribui para a valorização do conhecimento ecológico indígena, ao mesmo tempo em que ressalta a importância da participação das populações indígenas em estudos sobre manejo dos recursos naturais em seus territórios para conservação da biodiversidade.

Uma breve apresentação da pesquisa também foi apresentada na Aru – Revista de Pesquisa Intercultural da Bacia do Rio Negro, produzida no âmbito do Projeto de Monitoramento Ambiental e Climático, que tem como principal objetivo divulgar as pesquisas desenvolvidas na bacia do Rio Negro para a população indígena local. A pesquisa contou com suporte da CAPES e CNPq através de bolsas de estudo, e com apoio financeiro da The Rufford Foundation e Idea Wild.

A ariranha (Pteronura brasiliensis) é uma espécie semiaquática, endêmica da América Latina, que ocupa as margens dos corpos hídricos para abrigo e o ambiente aquático para busca de alimento e locomoção. Dona de um apetite voraz, a ariranha é capaz de consumir cerca de 10% do seu peso por dia, o que equivale a aproximadamente 3kg de peixe!

A onça d’água, como também é conhecida na Amazônia brasileira, pode atingir 1,80m quando adulta e vive em grupos sociais de até 20 indivíduos, havendo apenas um casal reprodutivo no grupo estabelecido em um território bem delimitado. A dependência por corpos d’água saudáveis e ricos em peixe faz da ariranha uma espécie indicadora de qualidade ambiental e de disponibilidade de recurso pesqueiro. E por ser um predador topo de cadeia, é responsável pelo equilíbrio de todo o ambiente aquático.

As características ecológicas e os aspectos sociais das ariranhas a torna uma espécie muito sensível a caça, e foi responsável pelo colapso das populações de ariranhas durante o século XX em toda a Amazônia. Apesar da recente recuperação da espécie, a ariranha segue classificada como “ameaçada” na IUCN Red List devido às ameaças que enfrentam pelo avanço da exploração de recursos naturais e destruição de habitat em sua área de distribuição.

Saiba mais sobre a espécie através do rap da Ariranha, uma forma divertida e inteligente de aprender a cuidar do meio ambiente. A canção tem letra e música de Ciro Campos (ISA), interpretada por Caru Ricardo, faz parte do novo projeto Planeta Oca da dupla Dois Sóis que conta também com a participação especial Tchello Palma.

Veja aqui a música em outras plataformas: https://onerpm.com/al/7219547698




O pesquisador indígena Valêncio Macedo (Baniwa, Walipere, da comunidade Urumutum Lago), coautor das publicações, foi responsável por coordenar a pesquisa em âmbito local, devido a seu amplo conhecimento sobre a região dos lagos obtida durante o desenvolvimento de pesquisa voltada para o manejo de pesca no rio Içana (Kophe Koyaanale). Atualmente Valêncio é agente indígena de manejo ambiental (AIMA) do Projeto de Monitoramento Ambiental e Climático da Bacia do Rio Negro, e contribui para o entendimento dos ciclos socioecologicos da bacia do rio Içana
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