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Tornar-se um linguista para pesquisar as línguas indígenas e deixá-las mais conhecidas é o sonho de Marinaldo Almeida Costa, de 28 anos, do povo Tukano, nascido em Pari-Cachoeira (Terra Indígena Alto Rio Negro), São Gabriel da Cachoeira (AM). Naldo, como é chamado, foi aprovado no primeiro vestibular indígena da Unicamp para o curso de Linguística.
"Quero trabalhar para que as línguas indígenas tenham mais visibilidade. Vou correr atrás de parcerias como, por exemplo, com o Google Tradutor, para inserir línguas indígenas dentro do aplicativo. Assim, incentivamos mais pesquisadores a virem para essa área, indígenas e não indígenas. Pensando nas gerações futuras, meu maior sonho é tornar as línguas indígenas imortais", contou Naldo, de 28 anos, lembrando que 2019 é o ano internacional das línguas indígenas, segundo a Unesco.
Toda essa diversidade cultural está sendo celebrada pela Unicamp. Uma rede de acolhimento formada por funcionários, estudantes e professores receberá esses estudantes no próximo dia 20 de fevereiro, quando os calouros precisam efetuar as matrículas presenciais em Campinas. Até iniciarem seus estudos, os calouros ficarão hospedados nas casas desses voluntários e na sequência terão moradia nos alojamentos da universidade, assim como alimentação e bolsa auxílio.
"O fato de termos 23 etnias aprovadas no primeiro vestibular indígena da Unicamp para nós é extremamente benéfico. Dentre outras coisas, a ideia de criar o vestibular indígena era o de ampliar a diversidade dos estudantes da Unicamp e sabemos que as realidades, os comportamentos, as tradições e culturas varia de etnia para etnia. Portanto, ter uma maior diversidade étnica também é uma oportunidade da gente conhecer as diferenciações. Nós aqui da universidade temos muito a aprender com os diferentes povos indígenas e é uma maneira, inclusive, de ajudar a romper os estereótipos que a população em geral possui em relação aos povos indígenas", afirmou o professor José Alves de Freitas Neto, coordenador do vestibular.
Um grupo de WhatsApp foi criado pelos calouros indígenas da Unicamp e as mobilizações, amizades e trocas virtuais já começaram. Organizações representativas dos povos indígenas e seus parceiros também estão colaborando na difusão dos resultados dos aprovados para as aldeias, muitas conectadas apenas pelo sistema de radiofonia. Além disso, a mobilização para custeio das passagens e preparação da viagem dos estudantes também está engajando as comunidades indígenas, suas organizações e apoiadores. O projeto Mawako, que reúne alguns estudantes da Unicamp, junto com ex-alunos do Colégio Santo Américo (SP), garantiu a logística de 10 estudantes. E o Instituto Bem te Vi, de São Paulo, já manifestou interesse em custear a viagem dos demais.
Com 52% dos aprovados neste vestibular pioneiro, professores e lideranças indígenas de São Gabriel da Cachoeira celebram o resultado. A primeira vitória foi conseguir realizar as provas do vestibular no município, na fronteira com a Venezuela e a Colômbia, distante 850 km de Manaus em linha reta. "Nós aqui do Rio Negro sentimos que ganhamos mais força para lutar pelos nossos direitos. Estamos muito felizes com o resultado dos nossos jovens e estamos mobilizados para que todos cheguem no dia 20 de fevereiro a Campinas para fazer a matrícula", ressalta Adelina Sampaio, do povo Desana, coordenadora do Departamento de Jovens da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn).
André Baniwa, uma das principais lideranças indígenas do Rio Negro, acredita que o resultado do vestibular da Unicamp tem um "significado especial, que é o de demonstrar o potencial e a qualidade do trabalho dos professores indígenas no ensino das escolas indígenas", lembrando, por exemplo, da experiência da Escola Baniwa e Coripaco, Pamáali, fundada em 2000 e premiada pelo MEC com o título de escola de referência em inovação e criatividade na educação escolar básica.
"Esperamos que isso fortaleça ainda mais as experiências que vem se desenvolvendo nas últimas duas décadas de uma educação que segue o princípio de processo próprio de aprendizagem, que inclui valorização da memória, das identidades dos povos indígenas e do desenvolvimento sustentável com o bem viver das comunidades em suas terras", enfatiza André, presidente da Organização Indígena da Bacia do Içana (Oibi), que desenvolve uma série de projetos de comercialização de produtos indígenas, como a pimenta Baniwa, a cestaria e a cerâmica.
João da Silva, Baniwa, é um ex-aluno da Pamáali, aprovado no vestibular da Unicamp. "Vou em busca de inovação para garantir a sustentabilidade do nosso povo Baniwa. Quero voltar e aplicar meu conhecimento em benefício de todos", disse João, que passou no curso de Ciências Econômicas e espera fortalecer o empreendedorismo indígena na área de produtos sustentáveis e da floresta, como já vem fazendo os Baniwa.
A professora Lorena Araújo, Tariana, vice-presidente do Conselho dos Professores Indígenas do Alto Rio Negro (Copiarn), destaca que essa foi uma conquista das "famílias dos alunos, da comunidade educativa e do movimento indígena". "Estamos sempre lutando pela qualidade da educação que há anos vem sendo sucateada pelos nossos governantes. Então, um resultado igual a esse nos anima e nos fortalece a continuar lutando pelos nossos jovens", comemora.
A jovem Daniela Patrícia, nascida em Mitu na Colômbia (distante cerca de 400 km de São Gabriel), é da etnia Tukano e vive há mais de 10 anos com a família no município. Aprovada para o curso de Estudos Literários, Dani é integrante da Rede de Comunicadores Indígenas do Rio Negro e diz que "muitos desafios estão por vir na adaptação ao ambiente e à cultura da universidade". "A gente sabe que querendo ou não ainda há preconceitos e estamos nos preparando em relação a isso. Enquanto estiver em Campinas, quero mostrar que São Gabriel da Cachoeira, além de ser uma cidade linda e rica em natureza, tem a cultura dos povos rionegrinos, que vai muito além do que se pensa", concluiu.