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O relator da Medida Provisória (MP) 870/2019, que formalizou a reforma ministerial do governo Bolsonaro, apresentou seu parecer na comissão mista que trata da matéria, no início da tarde desta terça (7), no Senado. De acordo com o relatório do senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), a Fundação Nacional do Índio (Funai) retorna à órbita do Ministério da Justiça, mas sem a atribuição de demarcar as Terras Indígenas (TIs).
A decisão foi contestada na comissão, que deve retomar a discussão da MP e pode votá-la no início da tarde de amanhã (8).
A MP transferiu a competência de reconhecer as TIs para o Ministério da Agricultura (Mapa). A pasta é chefiada pela ala mais radical da bancada ruralista, inimiga histórica do reconhecimento dessas áreas. A medida também subordinou a Funai ao Ministério da Família, Mulher e dos Direitos Humanos, comandado pela polêmica pastora Damares Alves (leia a série de reportagens especiais do ISA).
O presidente da comissão mista, deputado João Roma (PRB-BA), concedeu prazo de vista coletiva de 24 horas. Caso seja aprovado, o relatório segue ao plenário da Câmara e, depois, se lá tiver o mesmo fim, ao do Senado. A MP precisa ser votada até 3 de junho. Caso isso não aconteça, ela perderá sua validade e o desenho administrativo do governo volta a ser como era até janeiro.
“A demarcação de TIs é um dever que a Funai vem exercendo, com toda capacitação técnica e qualificação. Não faz sentido manter essa competência no Ministério da Agricultura, já que a Funai voltou para a Justiça”, criticou, ao final da reunião da comissão, a deputada Joênia Wapichana (Rede-RR), primeira indígena eleita para o Congresso. A parlamentar é suplente no colegiado.
Ela diz que as frentes parlamentares ambientalista e de defesa dos povos indígenas estão trabalhando para que uma das emendas que prevê o retorno da atribuição da demarcação à Funai seja aprovada.
Na saída da reunião da comissão, a reportagem do ISA questionou Coelho sobre opção de manter a competência de oficializar os territórios indígenas na pasta da Agricultura. O senador usou como justificativa a decisão recente do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, que negou uma liminar pedida pelo PSB para suspender os efeitos da MP relacionados a esse ponto específico.
“A decisão do ministro Barroso foi clara: o órgão que serve para demarcar, seja as Terras Indígenas, sejam os assentamentos é o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária]”, argumentou. O senador defendeu ainda que as demarcações devem continuar subordinadas à Agricultura porque “essa é uma questão de Estado, do reconhecimento das nações indígenas”.
O líder do governo Bolsonaro no Senado, no entanto, enganou-se. Em sua decisão, Barroso não diz que o Incra é o órgão mais indicado para promover as demarcações, mas apenas reafirma a jurisprudência do STF de que o Poder Executivo tem autonomia para reorganizar sua estrutura administrativa. Além disso, apesar de rejeitar o pedido de liminar, o ministro deixou claro que a suprema corte pode intervir se os processos de reconhecimento das TIs forem paralisados (saiba mais).
“A decisão de Barroso é de caráter provisório e não pode servir de justificativa para que as demarcações fiquem sob a tutela dos ruralistas, inimigos históricos dos direitos dos índios no Congresso”, contesta o advogado do ISA Maurício Guetta. “A paralisação das demarcações pela pasta da Agricultura vai acirrar os conflitos no campo e trará novos embates judiciais. Ruim para os índios, ruim para a segurança jurídica no campo”, conclui.
Coelho também rejeitou a proposta de voltar atrás na transferência do Serviço Florestal Brasileiro (SFB) do Ministério de Meio Ambiente (MMA) para o Mapa. O SFB controla as políticas de conservação e exploração florestais e o Cadastro Ambiental Rural (CAR), registro eletrônico da situação ambiental das propriedades rurais criado pelo novo Código Florestal (Lei 12.651/2012) para monitorar e combater o desmatamento ilegal.
Cientistas e ambientalistas argumentam que o CAR será inutilizado caso continue subordinado ao Mapa. O atual presidente do SFB é o ex-deputado Valdir Colatto, histórico defensor do enfraquecimento da legislação ambiental.
Fernando Bezerra Coelho também considerou inconstitucional o polêmico dispositivo da MP 870 que previa o “monitoramento” e “supervisão” pelo governo de organizações não governamentais e organismos internacionais no país. O senador, porém, não excluiu a possibilidade de controle dessas entidades, prevendo uma “redução de poderes” do governo. De acordo com o parecer, o Executivo poderá “acompanhar as ações, os resultados e verificar o cumprimento da legislação aplicável” a essas instituições.
Uma alteração importante prevista por Coelho - considerada uma vitória pela sociedade civil organizada - é a recriação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), extinto pelo governo Bolsonaro. O colegiado teve papel destacado em políticas relacionadas à agricultura familiar, agrotóxicos e transgênicos, entre outros.
Outra proposta com impacto significativo prevista no relatório é o desmembramento do atual Ministério do Desenvolvimento Regional, também instituído por Bolsonaro, com a recriação das antigas pastas da Cidade e da Integração Nacional. A medida não havia sido discutida na comissão e foi criticada por parlamentares da oposição. Para eles, ela serve apenas para agradar a base governista, colocando novos cargos à sua disposição.