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Invasões, garimpo, desmatamentos e queimadas explodiram na Amazônia desde a eleição de Jair Bolsonaro. Nesse cenário, todos os povos indígenas estão ameaçados, mas alguns grupos vivem uma situação limite: os povos indígenas isolados. São índios que recusam o contato com não indígenas e dependem intrinsecamente das florestas para sobreviver.
Levantamento do Instituto Socioambiental (ISA) mostra que as recentes queimadas que assolam a Amazônia também atingiram os territórios habitados por esses grupos. Desde julho, foram 3.699 focos de incêndio em território com a presença de isoladoss. A Floresta Extrativista (Florex) Rio Preto-Jacundá com 1.538 focos, o Parque Nacional (Parna) do Araguaia com 239, a Estação Ecológica (Esec) da Terra do Meio com 188, o Parque Indígena do Xingu com 179 e a Terra Indígena Kayapó com 160, foram os territórios mais atingidos.
“(Os invasores) colocam fogo onde já está derrubado, mas depois espalha e queima tudo, pega fogo na mata mesmo”, afirma Awapu Uru-Eu-Wau-Wau, sobre as queimadas que afetam seu território, em Rondônia, que tem seis registros de comunidades isoladas. Monitoramento realizado pelo ISA identificou um total de 10 polígonos de degradação florestal e 46 áreas de desmatamento(319,8 ha) na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau apenas em agosto. A situação também é grave na Terra Indígena Tenharim/Marmelos, no Sul do Amazonas, segundo relato de Ivanildo Tenharim. O fogo se alastra sobretudo nas áreas de campos amazônicos que existem no território. Ali, há um registro de grupo isolado em processo de coleta de informações.
As queimadas, por sua vez, são consequências de uma floresta cada vez mais invadida e desmatada. Com a mudança do quadro político, e as falas frequentes do presidente Bolsonaro contra as TIs e outras áreas protegidas, garimpeiros, madeireiros e grileiros sentiram-se incentivados para adentrar ilegalmente nesses territórios.
O livro "Cercos e Resistências - povos indígenas isolados na Amazônia brasileira” (compre aqui) abarca alguns dos casos mais emblemáticos sobre a situação crítica de sobrevivência destes grupos, com o objetivo de alertar o Estado brasileiro, a sociedade civil, imprensa e organismos internacionais para a urgente necessidade de proteger os povos indígenas isolados e seus territórios. Ou agimos agora ou essas populações correm o risco de serem massacradas.
Editado pelo ISA, o livro apresenta um panorama atual da existência e situação dos povos isolados e a fragilidade de seus territórios frente à expansão do desmatamento e implementação de empreendimentos. Ainda, apresenta capítulos sobre a situação específica e desafios de alguns povos. Para isso, foi indispensável a colaboração de diversos pesquisadores e profissionais da sociedade civil com longa trajetória nas regiões descritas, além de parceiros indígenas que compartilham territórios com os povos isolados e são hoje essenciais no trabalho de proteção destes grupos.
A maior parte dos grupos isolados tem conhecimento de seu entorno não indígena, mas optaram por manter-se afastados. A Funai classifica tal condição como isolamento voluntário. Desde 1987, o órgão mantém uma política de não contato, respeitando essa escolha. Por meio das Frentes de Proteção Etnoambiental, a Funai trabalha para proteger as áreas habitadas por esses indígenas, garantindo a sua existência ao manter a floresta em pé e livre de invasores. O livro traz depoimentos dos coordenadores dessas frentes, destacando a palavra de quem vive e atua nos rincões mais afastados da Amazônia.
O trabalho de sistematização e atualização dos registros de povos indígenas isolados realizado a partir do cadastro da Funai e do sistema de informação do ISA identificou a existência de 121 registros: 28 confirmados; 26 em estudo e 67 registros em informação. Esses registros dos povos indígenas isolados estão distribuídos em um conjunto de 86 territórios: 54 Terras Indígenas e 24 Unidades de Conservação (15 federais e nove estaduais). Apenas um deles está fora da Amazônia, os Avá Canoeiro, em estudo. Há, ainda, oito áreas sem nenhum mecanismo de proteção.
Além do desmonte das políticas de proteção socioambiental, desmatamento e obras de infraestrutura planejadas para a Amazônia também ameaçam esses povos. Um cenário para 2039, elaborado em parceria com o ISA e a UFMG, aponta quais serão os impactos das principais obras no território desses povos.
No total, 133 obras de infraestrutura planejadas para a Amazônia afetarão 52 áreas protegidas (TIs ou UCs federais e estaduais), além de cinco áreas sem proteção nenhuma. Com isso, 92 registros de povos indígenas isolados estão seriamente ameaçados.
O estudo também aborda o efeito cumulativo de várias obras construídas nas imediações de um mesmo território, e que afetam vinte registros (sete em estudo e 13 informações) de grupos isolados. São eles a integração da BR-163 com a Ferrogrão e hidrovia do rio Amazonas; a integração da BR-319 com a hidrovia do rio Amazonas; e a integração entre a hidrovia dos rios Tapajós/Juruena/Teles Pires com o conjunto de hidrelétricas planejadas nesses rios.
O capítulo também aponta a perda florestal para os próximos 20 anos que ocorrerá caso se confirme o desmonte das políticas de proteção socioambiental na Amazônia.
Assim, ao longo dessas duas décadas, 77 áreas protegidas (54 TIs, 15 UCs federais e oito UCs estaduais) e sete áreas sem proteção terão perdido uma área total de seis milhões de hectares.
Os resultados mostram que, até 2025, pode haver uma anulação dos ganhos de governança obtidos desde 2005, ou seja, o pior cenário possível reverte, em apenas sete anos, todos os avanços alcançados nos últimos 14 anos com a redução do desmatamento.
Caso essa hipótese se concretize, algumas áreas protegidas terão perdido toda a sua cobertura florestal até 2039. É o caso das TIs Cana Brava e Krikati (MA), Flona Bom Futuro (RO), Esec Três Irmãos (RO) e Resex do Rio Cautário(RO). Outras áreas terão sido desmatadas em quase sua totalidade, como a Rebio Gurupi (86%), Flona de Jacundá (83%), TI Arara do Rio Branco (80%), TI Awá (71%), TI Jacareúba/Katawixi (69%), TI Caru (66%), TI Araribóia (64%) etc.
Sem a floresta, esses povos enfrentarão a morte ou um contato traumático. “Não tem contato que não seja tenebroso. Todos os contatos são trágicos por motivos variados, mas sobretudo a redução muito drástica da população”, explica Karen Shiratori, antropóloga da Universidade de São Paulo, que contribui para o livro.
“O Brasil é o país com o maior número de povos em situação de isolamento. Isso é incrível, imaginar a riqueza dessa situação. Existem pessoas que tem o modo de vida e que exercem sua liberdade de uma forma totalmente diferente da nossa”, afirma. “É interessante pensar o isolamento como um exercício de liberdade radical. Não exatamente do voluntário como uma escolha, mas como uma manifestação inequívoca da liberdade”, diz ela.
“Essa resistência retrata uma espécie de fúria, uma sanha em viver, uma impossibilidade de se viver bem de outra forma”, escreve Uirá Garcia, em seu capítulo sobre os Awá. “Enfim, pessoas que negam a um preço altíssimo o encontro com o seu próprio extermínio.”
O objetivo da publicação é, por meio de um panorama detalhado sobre o tema, influenciar os três poderes para paralisar a invasão e o desmatamento no território desses povos. Outro ponto importante é fortalecer a Funai, por meio de suas Frentes de Proteção Etnoambientais, hoje um dos principais instrumentos para a proteção desses territórios.
Organização: Fany Ricardo e Majoí Gongora
1ª Edição
254 páginas
Onde comprar: https://isa.to/2JSywKU