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Para avançar com a governança territorial, foi realizado entre 26 e 28 de novembro o Seminário de Elaboração de Protocolo de Consulta das Comunidades, Povos e Organizações Indígenas da Coordenadoria Dia Wi’i – pela Garantia da Proteção Territorial e Autonomia dos Povos Indígenas, em Taracuá, Baixo Uaupés, município de São Gabriel da Cachoeira (AM).
Iniciativa da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e de uma de suas coordenadorias, Dia Wi’i, o encontro contou com apoio e assessoria técnica do Instituto Socioambiental (ISA), Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Fundação Nacional do Índio (Funai) e Rede de Cooperação Amazônica (RCA), além de lideranças das organizações indígenas, professores, agentes indígenas de manejo ambiental, conhecedores e estudantes das comunidades situadas na abrangência da coordenadoria, que compreende o Baixo Rio Uaupés e toda a Bacia do Rio Tiquié.
No total, estiveram presentes mais de 150 pessoas, sendo parte estudantes do Colégio Sagrado Coração de Jesus de Taracuá, que cedeu auditório e instalações, além de incentivar os alunos do Ensino Fundamental II e Médio a participarem das discussões.
Em agosto, aconteceu um seminário inaugural para definir a metodologia de elaboração do Protocolo de Consulta das Terras Indígenas do Rio Negro. Ali, se definiu a realização de encontros regionais nas coordenadorias entre 2019 e 2020 para discutir em profundidade e de forma participativa o tema. O primeiro deles, feito agora em Taracuá, teve a tarefa de abrir o caminho para a elaboração do Protocolo de Consulta e Consentimento dos Povos do Rio Negro.
Elementos relevantes para as discussões deram o tom da abertura. Nildo Fontes, vice-presidente da Foirn e diretor responsável pela região da Dia Wi’i, mostrou o organograma da federação e partes de seu estatuto. Também, falou sobre a organização da coordenadoria, das subdivisões (regionais, escolares, de mulheres e outras), assim como sua distribuição em quatro sub-regiões — (1) Alto Tiquié, (2) Médio Tiquié, (3) Baixo Uaupés junto com Baixo Tiquié, e (4) Rio Traíra/Apapóris. Nildo mostrou ainda dados dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental.
Dagoberto Lima Azevedo, Tukano de Pirarara-Poço e doutorando em Antropologia Social na Universidade Federal do Amazonas (UFAM), fez uma apresentação sobre a relevância dos conhecimentos e tecnologias indígenas e como traduzir, no jargão acadêmico, conceitos indígenas como basese (benzimentos e curações), basamori (cantos rituais e cerimônias), entre outros.
Ele trouxe a discussão de como os “donos” de lugares como serras, montanhas e cachoeiras podem ser consultados através de especialistas xamânicos — em referência não só às lideranças e moradores de comunidades, responsáveis pelo uso e manejo —, mas também aos “donos” não humanos, que protegem locais, animais, peixes, águas etc. Ignorar ou afastar esses “donos” (waimasa) significa empobrecer uma área e os benefícios ambientais.
Nas apresentações de abertura, João Paulo Pereira do Amaral, representante da Funai, fez uma breve introdução sobre o direito de consulta livre, prévia e informada na Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Liana Amin Lima, advogada e professora de Direitos Humanos da Universidade Federal da Grande Dourados, coordenadora do “Observatório de Protocolos Comunitários de Consulta e Consentimento Livre Prévio e Informado”, mostrou a importância da Convenção 169 e da “consulta e consentimento livre, prévio e informado” para os povos indígenas como forma de proteção de seus direitos, de contribuir para políticas públicas adequadas, e salvaguardar seus territórios em face de empreendimentos externos que possam trazer impactos ambientais e socioculturais.
Ela expôs sobre o direito fundamental à consulta e ao consentimento, a partir da Constituição Federal e da convenção da OIT, ratificada em 2002 pelo Brasil. Alguns protocolos de outros povos, como o dos Povos do Território Indígena do Xingu (TIX), Protocolo de Consulta Juruna (Yudjá) da Terra Indígena Paquiçamba da Volta Grande do Rio Xingu, Protocolo Kayapó-Menkrãgnoti, Protocolo Yanomami, entre outros, foram apresentados e discutidos.
Após momento de debate na língua Tukano, questões relevantes foram discutidas entre os participantes do seminário, como: sobre o que devemos ser consultados? Quando devemos ser consultados? Como queremos ser consultados e quais etapas em um processo de consulta? Quem deve ser consultado? Qual o papel das organizações de base, da coordenadoria e da federação? Como é o nosso processo de tomada de decisão e consentimento? Essas questões foram trabalhadas em três grupos, das sub-regionais presentes.
Segundo Armando da Silva Menezes, professor Tukano em Taracuá, “a Dia Wi’i tem a missão de informar sobre o direito de consulta para que todas as comunidades e lideranças estejam por dentro de seus direitos e, a partir deste entendimento, construírem seus protocolos de consulta”. Damásio Azevedo, outro professor Tukano, de São José II, no Médio Tiquié, colocou que, “para que aconteça uma ação de política governamental que vise o desenvolvimento social, econômico e que afete o bem viver dos povos indígenas, é preciso que, primeiro, sejamos consultados, para que posteriormente não se danifique o território original dos povos indígenas do Rio Negro, especificamente nesse caso da região Dia Wi’i”.
Corroborando com esta ideia José Evanildo da Silva, Desana da comunidade Trovão, afirmou que “consultar é muito importante para que nossa região saiba o que vai acontecer. Isso é muito importante pelas nossas terras, nossas culturas, nossos trabalhos e nossa convivência”.
Mariluce Mesquita, freira Bará, contou que esteve no Sínodo da Amazônia em Roma, junto ao padre Justino Tuyuka, ambos religiosos indígenas do Alto Rio Negro. Ela reforçou que é necessário “trabalhar unidos, trabalhar em rede”, pois “só a Igreja ou a Foirn, ou seja quem for, não vai conseguir sozinho”. Segundo Mariluce, “temos que fazer valer nossos direitos para podermos viver tranquilos. Estávamos em Roma 37 povos indígenas, escutamos sobre petroleiros, madeireiros, balsas invadindo as terras indígenas”, contou.
Nildo Fontes, da Foirn, ressaltou que “no evento foi elaborado e aprovado um documento que, a exemplo do seminário inaugural, reafirmou sobre a representatividade da Foirn e suas organizações de base como parte das estruturas políticas de consulta”. Foi assinado também um documento nesse sentido. “Em termos de resultado, foi muito produtivo para o entendimento das lideranças que participaram e que em nenhum momento discordaram da proposta de protocolo. Manifestaram ter esse instrumento primordial para governança territorial”, completou.
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