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Com cantos e dança, uma delegação de 70 indígenas da bacia do Xingu entrou na Comissão de Direitos Humanos do Senado no último dia 11 para a primeira de uma série de reuniões sobre os impactos de obras de infraestrutura sobre seus territórios. A comitiva veio a Brasília na semana passada para debater com o governo um plano de consulta sobre obras de infraestrutura que impactam as Terras Indígenas e Unidades de Conservação da bacia do Xingu e exigir que seus direitos sejam garantidos nos processos de planejamento, implementação e ampliação da operação desses empreendimentos.
“Viemos até aqui para lutar pelos nossos direitos e pela defesa do nosso território que está ameaçado. Não estamos pedindo nenhum favor, o governo precisa nos respeitar e fazer a consulta”, resumiu Mydjere Kayapó.
Além da audiência pública no Senado, eles participaram de agendas com o Ministério Público do Trabalho, Frente Parlamentar Mista de Apoio aos Povos Indígenas, Funai, Ministério da Infraestrutura e Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). O recado foi firme: a garantia do direito à Consulta Livre, Prévia e Informada sobre decisões administrativas e legislativas que os afetem, a realização de consulta sobre impactos de obras que impactam os territórios e o combate ao crime organizado, como grilagem e garimpo ilegal.
“O presidente está decidindo tudo por nós sem consultar os povos indígenas. A consulta não tem que ser só com o cacique, tem que ser com todos. Se perguntar pras crianças se eles querem mineração, eles vão perguntar: ‘vamos beber água suja? Então não queremos’. É dever do estado respeitar os povos indígenas”, alertou Alessandra Munduruku, liderança do Tapajós que participou da audiência no Senado.
Os indígenas também repudiaram o PL 191/2020 que abre as Terras Indígenas para atividades econômicas predatórias, como garimpo, mineração industrial, exploração de petróleo e gás natural, implantação de hidrelétricas e outras obras públicas e plantio de transgênicos.
“Somos contra qualquer tipo de PL que destrua nossas Terras Indígenas”, firmou Oe Paiakan Kayapó. A deputada Joênia Wapichana (Rede/RR) reforçou: “Esse projeto é totalmente inconstitucional porque abre possibilidade de garimpo em Terras Indígenas. O Brasil tem que corrigir os erros que houveram: até hoje não vemos nenhum reparo nos desastres de Mariana e Brumadinho. Como queremos abrir mais mineração em Terras Indígenas? Além disso é um projeto anti direitos indígenas, já que não garante o direito à Consulta Prévia”.
O Senador Fabiano Contarato (Rede/ES), Presidente da Comissão de Meio Ambiente, reiterou: "Não podemos nos calar diante de tamanho violação que está acontecendo às populações indígenas. É com humildade que eu peço perdão a vocês por todas as violações que esse governo tem feito aos povos originários."
As lideranças Panará, Kayapó, Kawaiwete, Ikpeng, Wauja, Yawalapiti, Khisetje e Kalapalo fazem parte da Rede Xingu +, uma aliança de 22 organizações de povos indígenas, associações de comunidades tradicionais e instituições da sociedade civil atuantes na bacia do Rio Xingu.
Terras Indígenas e Unidades de Conservação da bacia do Xingu são fortemente impactadas pelo Corredor Logístico de Exportação norte localizado no interflúvio Tapajós-Xingu que engloba a BR-163, MT-322, EF-170, a Hidrovia do Baixo Tapajós e as Estações de Transbordo de Carga (ETC) de Miritituba.
A Ferrogrão e a concessão da BR-163 são projetos qualificados na carteira de projetos do Programa Parcerias e Investimentos (PPI) e considerados prioridades para o governo federal. Já a MT -322, fundamental para o funcionamento da estação da Ferrogrão em Matupá (MT), não tem nenhum tipo de licenciamento ambiental, e está irregular apesar de cortar duas Terras Indígenas: a TI Capoto Jarina e o Território Indígena do Xingu.
Os efeitos dos empreendimentos, sejam de obras já consolidadas como a BR-163 ou ainda em fase de planejamento, como a EF-170, já são sentidos no território. A bacia do Xingu concentrou as cinco Terras Indígenas mais desmatadas na Amazônia e a Unidade de Conservação mais desmatada no Brasil em 2019. Em um ano, 168 mil hectares, uma área maior do que o município de São Paulo, foi desmatada na bacia do Xingu. Destes, quase 40 mil hectares foram desmatados ilegalmente dentro de Áreas Protegidas, um aumento de 52% em relação ao ano de 2018. [Saiba mais]
Dentre os dez municípios da bacia do Xingu que mais desmataram em 2019, cinco estão no estado do Mato Grosso na região de influência da BR-163, rodovia paralela do projeto da Ferrogrão: União do Sul, Feliz Natal, Paranatinga, Peixoto de Azevedo e Marcelândia. Somados, esses municípios desmataram 27, 6 mil hectares de floresta (PRODES/2019), 64% a mais do que o ano anterior. A pavimentação da rodovia foi finalizada no ano passado, e o DNIT prevê um aumento de 30% na circulação de caminhões, o que coloca mais pressão na região.
A cacique Kokoba Kayapó, da Terra Indígena Metuktire, fez um apelo: “estou aqui para me posicionar e falar que não aceito desmatamento, garimpo, nem madeireiro. Precisamos preservar a floresta para os que estão vindo, para meus filhos e netos. Peço para vocês ajudarem a combater esses problemas”.
O avanço da agropecuária e de atividades ilegais como grilagem, roubo de madeira e garimpo explicam essas altas taxas, que são potencializadas pelos impactos de obras de infraestrutura implementadas sem as devidas salvaguardas socioambientais. O quadro fica ainda mais alarmante se os efeitos dos empreendimentos forem analisados de forma conjunta, já que os impactos individuais passam a se articular de forma sinérgica e cumulativa, resultando em um cenário ainda mais devastador.
Por essa razão os indígenas pedem que o governo realize uma Consulta que leve em consideração o conjunto de obras do corredor logístico ao invés de fazer análises e consultas isoladas, como se um empreendimento não potencializasse os danos do outro. Os indígenas exigem falar sobre desenvolvimento regional e não de forma isolada sobre empreendimentos e dos processos econômicos e de uso do solo que promovem.
A Secretária de Apoio ao Licenciamento Ambiental e Desapropriação do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Rose Hofmann, afirmou que já entrou em contato com o Ministério de Desenvolvimento Regional, na perspectiva de iniciar um debate mais amplo sobre a região. “É hora de colocar outros atores do governo no debate, em um passo antes do Licenciamento Ambiental ou paralelo a ele. Temos que reconhecer que isso é novo para todos, nunca debatemos de forma ampla com os povos indígenas como ordenar o território. Me disponibilizo a fazer essa articulação”.
Com uma reunião marcada com o presidente da Funai, Marcelo Augusto Xavier da Silva, na sede do órgão na manhã do dia 12, as lideranças foram surpreendidas por um cordão da Força Nacional. “Chegamos aqui e nos deparamos com a Força Nacional. Isso é certo? Há muito tempo atrás quando garimpeiros e madeireiros invadiram nosso território a Funai acionava a Força Nacional para tirar os invasores, e nós lutamos ao lado dele. Mas hoje não, eles estão contra nós. Parece que a ditadura está voltando”, afirmou Mydjere Kayapó.
A portaria, emitida pelo Ministro da Justiça, garante o apoio da Força Nacional “nas ações de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, na defesa dos bens e dos próprios da União” no prédio onde fica a sede nacional da Funai. A medida coincidiu com as datas em que delegações do Xingu e do sul da Bahia se encontravam na capital.
Os xinguanos se reuniram e denunciaram o ocorrido em reunião com o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH).
Em nota, o órgão afirmou que o pedido de presença da Força Nacional feito pela Funai “contraria sua missão constitucional” e repudiou a medida “como ação intimidadora da legítima manifestação dos povos indígenas” [Leia na íntegra]. Na sequência, o MPF também publicou recomendação que rejeita o uso da Força Nacional de Segurança no prédio da Funai.
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Nota CNDH | 122.35 KB |
Recomendação MPF | 131.13 KB |