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Com dois casos da Covid- 19 já confirmados, Altamira (PA), maior município do Brasil em extensão, se prepara para enfrentar a disseminação da doença em meio a um surto de dengue e malária. Existem apenas 43 respiradores e 20 leitos de UTIs, segundo dados do CNES- DATASUS, para uma população estimada em 114,5 mil pessoas e um único hospital de média e alta complexidade na cidade que atende outros sete municípios.
Altamira,já sobrecarregada em diversos serviços pela população da região, ainda enfrenta as consequência da usina hidrelétrica (UHE) de Belo Monte, projeto marcado por um desastroso número de impactos socioambientais, como falta de infraestrutura de saneamento e saúde, aumento da violência, reassentamento incompleto de famílias desalojadas e aumento de desmatamento e pressão sobre Terras Indígenas e Unidades de Conservação na região.
Esse cenário tende a se agravar com o avanço da pandemia, especialmente nas áreas não saneadas da cidade e para as populações mais vulneráveis - trabalhadores informais, ribeirinhos e pescadores, que tiveram seu modo de vida radicalmente transformado após as remoções forçadas e a transformação do rio Xingu em reservatório da usina.
A população do Reassentamento Urbano Coletivo (RUC) Laranjeiras, por exemplo, pode não conseguir lavar as mãos e alimentos com água e sabão para se prevenir da Covid 19. Com o sistema de água insuficiente e a constante falta d’água nas casas, o bairro depende de caminhões pipa - que nem sempre chegam - para ter acesso a água.
Os RUCs, bairros construídos pela Norte Energia, empresa concessionária de Belo Monte, para reassentar a população removida, são os pontos que mais sofrem com a falta de água e saneamento básico. Com o sistema de abastecimento e ligação de esgoto incompletos, parte das condicionantes ambientais de Belo Monte, a população depende de carros pipa e poços artesianos para acessar água.
“Em tempo de pandemia de coronavirus, essa situação inadmissível de grave violação de acesso ao bem mais básico e fundamental à vida - água - impede que as famílias possam manter a higienização básica necessária às medidas de prevenção do vírus”, denunciam os movimentos sociais e organizações da sociedade civil de Altamira em ofício entregue a Norte Energia, à prefeitura e ao Ministério Público.[Leia na íntegra]
Dez anos após a emissão da Licença Prévia da UHE Belo Monte e quase cinco anos depois da emissão da Licença de Operação, ainda há diversos problemas na implementação e gestão do sistema de saneamento básico, uma das mais importantes condicionantes do licenciamento ambiental.
Em setembro do ano passado, a prefeitura organizou uma audiência pública para apresentar um plano municipal de saneamento e informou a pretensão de repassar a concessão do sistema à uma empresa privada. Diante da falta de transparência com a população e “considerando que atualmente o sistema de saneamento não está concluído”, o Ministério Público do Estado do Pará (MPE), a Defensoria Pública da União (DPU) e a Defensoria Pública do Estado do Pará (DPE) expediram uma recomendação conjunta à prefeitura de Altamira solicitando a suspensão imediata do processo de aprovação do plano de saneamento e do processo de concessão. [Leia a recomendação na íntegra].
“A nossa preocupação institucional é com as pessoas que não têm condições econômicas de arcar com mais uma despesa [se o sistema passar a ser gerido por uma empresa], porque já estão sofrendo o ônus de Belo Monte. Essas pessoas foram deslocadas para os bairros mais afastados que já tem várias deficiências, como transporte e educação, além de água e saneamento”, pontua a defensora Andrea Barreto, da DPE.
Em nota, a assessoria da Norte Energia afirmou que todas as casas dos novos bairros são interligadas à rede de água e esgoto do município e que o sistema de saneamento já foi entregue à municipalidade.
Barreto ressalta que a condicionante de Belo Monte relativa ao sistema de saneamento básico vai além do contexto urbano: “pensar no saneamento é pensar em uma condicionante muito mais abrangente que não envolve só os povos da cidade, mas os da área rural e os ribeirinhos”.
Na última sexta (4), a Defensoria Pública Agrária da DPE ajuizou uma ação cautelar para proteger os ribeirinhos assentados nas margens do rio Xingu depois de deslocados compulsoriamente por conta do criação do reservatório da hidrelétrica.
A medida exige que a guarda patrimonial da empresa Norte Energia se abstenha de ir às áreas ribeirinhas enquanto durar a pandemia e pede também que, dentro de quinze dias, seja apresentado um cronograma de execução do Projeto Básico do reassentamento ribeirinho, incluindo o sistema de saneamento básico. O reassentamento na beira do rio, para mais de 300 famílias, é uma obrigação da empresa estabelecida na condicionante da Licença de Operação em 2015.
A ação é baseada em relatos e vídeos que denunciam a entrada da Norte Energia no território em meio a pandemia do coronavírus. “Este fato demonstra não apenas a violação do direito humano ao território, mas também como a requerida está gerando risco à saúde e vida das pessoas, com a aglomeração na área rural, em cenário de COVID-19”, diz o texto. [Leia na íntegra]
Movimentos sociais e organizações da sociedade civil de Altamira (PA) organizaram uma campanha para garantir a saúde dos povos que vivem no maior município do Brasil. A iniciativa, em um primeiro momento, busca arrecadar verba para a aquisição de cestas básicas e materiais de limpeza e higiene, que serão distribuídos para 200 famílias em situação de extrema vulnerabilidade social. [Acesse aqui a campanha].
A primeira fase da campanha fica aberta até o dia 11/04. O recurso vai possibilitar a inclusão de produtos da floresta e produtos da agricultura familiar nas cestas básicas, como o óleo do coco babaçu, a fim de apoiar a produção de ribeirinhos e agricultores da região.
Além da campanha para arrecadação de recursos, os movimentos estão organizando ações para cobrar um posicionamento dos governos e da Norte Energia, empresa concessionária da hidrelétrica de Belo Monte. Em carta entregue ao governo municipal, Ministério Público Federal e outros órgãos, os movimentos pedem uma reunião ampliada com representantes da sociedade civil, por aplicativo virtual e cobram medidas emergenciais para enfrentar a pandemia e seus efeitos.
Reforçam, ainda, que devem ocorrer ações conjuntas do poder público, instituições, empresas privadas e sociedade civil. “Se um destes pilares faltar ou falhar, não conseguiremos mitigar a tragédia que se anuncia em Altamira. Sua participação, portanto, não é solicitada. Ao contrário, é obrigatória”. [Leia a carta na íntegra]
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