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O novo coronavírus chegou à cidade mais indígena do Brasil, São Gabriel da Cachoeira, no Noroeste do Amazonas, com registro de quatro casos confirmados entre 26 e 28 de abril, segundo a Secretaria Municipal de Saúde. Desses pacientes, três são indígenas e um é militar do Exército. O Comitê de Enfrentamento e Combate à Covid-19, criado por decreto municipal, atuou para adiar ao máximo a chegada do vírus ao município. Um total de 43 dias separam o primeiro registro da Covid-19 em Manaus, em 13 de março, e a confirmação dos dois primeiros casos em São Gabriel, ocorrida em 26 de abril.
Uma série de características colocam a cidade numa situação de alerta e especial vulnerabilidade para enfrentar a pandemia. Uma delas é o fato de aproximadamente 90% dos 44 mil habitantes serem indígenas. Esse grupo é considerado mais suscetível a doenças infecciosas e já está exposto a altas incidências de outras morbidades, como malária e dengue, além das dificuldades de acesso aos limitados serviços de saúde.
Outro agravante é que a estrutura hospitalar no município não consegue atender a uma grande demanda de pacientes. A cidade tem apenas o Hospital de Guarnição do Exército (HGU), com 59 leitos e sete respiradores, não contando com Centro de Terapia Intensiva (CTI). “Nosso medo é esse. Temos sete respiradores aqui. E se 10 pessoas precisarem?”, perguntou o secretário municipal de Saúde, Fábio Sampaio. “Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), temos 44 mil habitantes, mas acredito que seja muito mais do que isso. Devemos ter mais de 50 mil pessoas no município”, afirmou.
Caso o quadro do paciente se agrave, seria necessária transferi-lo para Manaus em uma unidade aeromédica -- viagem que dura aproximadamente duas horas. Como vem sendo amplamente divulgado, o sistema de saúde da capital amazonense já entrou em colapso devido ao alto número de pacientes com Covid-19. Até terça-feira (28/04), eram 4.337 casos confirmados, com 351 mortes. A crise já chegou aos cemitérios, com retroescavadeiras abrindo valas comuns para enterros coletivos.
Para Marivelton Barroso Baré, presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), é preciso reforçar as medidas de isolamento social: indígenas que vivem nos territórios não devem ir à cidade, a não ser em casos de extrema urgência. Várias comunidades já estão tomando medidas de prevenção e proibiram que pessoas de fora circulem ou pernoitem, a não ser agentes de saúde.
“Estamos fazendo um grande esforço de comunicação, usando todos os meios, principalmente a radiofonia, para manter nossos parentes avisados dos riscos que o coronavírus traz à sobrevivência dos povos indígenas”, ressaltou Marivelton.
Em São Gabriel, a Vigilância Epidemiológica investiga como aconteceu a contaminação. Mas há indícios de que o contágio já é comunitário, o que dificulta muito o controle da transmissão. Além dos quatro casos confirmados, há 10 suspeitos. No total, 198 pessoas que passaram por áreas com circulação do vírus estão em monitoramento. O isolamento delas vem sendo acompanhado de perto pela Secretaria Municipal de Saúde.
Os dois primeiros casos de coronavírus foram confirmados em 26 de abril: um indígena Baniwa, que foi levado em estado grave para Manaus e uma militar do Exército, que trabalha no HGU. Ela está em isolamento domiciliar, apresentando melhoras. Já no dia seguinte foram registrados outros dois casos, ambos de indígenas da etnia Baré. Um deles, de 46 anos, foi transferido para Manaus em estado grave. O outro, de 76 anos, encontrava-se estável, em observação no HGU.
Como esses pacientes foram tratados no Hospital de Guarnição, as informações do estado de saúde foram repassadas pela assessoria de comunicação da 2ª Brigada de Infantaria de Selva, em São Gabriel.
Logo após a confirmação dos casos, o Comitê de Enfrentamento e Combate ao Covid-19 se reuniu e decidiu reforçar as medidas de isolamento social. No mesmo dia o prefeito, Clóvis Moreira Saldanha, assinou três decretos implantando uma série de medidas, dentre elas toque de recolher das 21h às 6h, proibição do transporte público de passageiros e do serviço de táxi-lotação e uso obrigatório de máscaras. Em 18 de março, ainda no início da pandemia, a prefeitura já havia decretado estado de emergência em saúde. O decreto foi reeditado nesta terça,com medidas mais restritivas, inclusive no comércio.
Frente à situação de colapso da saúde do Estado, o secretário municipal de Saúde, Fábio Sampaio, informa que vem trabalhando para aumentar a estrutura de atendimento e cobertura de saúde para evitar a propagação de novos casos do coronavírus. Entre as medidas já realizadas estão a contratação de pessoal e a implantação do horário ampliado nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), além de reforço nos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). Ele informou ainda que vem buscando, junto ao Governo Federal, a viabilização de um hospital de campanha.
“Somos um município com quase 100% da população indígena. Pedimos um hospital de campanha ou um hospital indígena ou a criação de um instituto de ampla complexidade. Algo mais ágil para oferecer à população frente à esperada alta de casos de coronavírus”, afirmou. Ele chegou a se reunir, em Brasília, com a secretária nacional de política de Promoção da Igualdade Racial, Sandra Terena. Essa secretaria é vinculada ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Com o uso obrigatório de máscaras no município a partir do registro dos primeiros casos de Covid-19, cresceu a produção de máscaras caseiras de tecido, assim como articulações para doações. Os Expedicionários da Saúde fizeram a doação de 12 mil máscaras de tecido SMS 50G com tripla camada, equivalente a N91 certificada, que bem lavadas e conservadas podem ser reutilizadas por meses, já atendendo a 25% da população do município. O material chegará nos próximos dias em avião da Força Aérea Brasileira (FAB).
O Instituto Socioambiental (ISA), em parceria com mulheres indígenas Sateré Mawé, moradoras de Manaus, e apoio de May East, da Artists Project Earth (APE), doou mil máscaras de tecido e prepara mais oito mil unidades que serão feitas por mulheres indígenas do Alto Rio Negro.