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Decisão liminar da Justiça Federal, emitida na última terça-feira (12/05), suspendeu a remoção de famílias quilombolas de seus territórios tradicionais em Alcântara (MA). A liminar determina que a remoção não pode ser levada a cabo até que seja realizada a consulta livre, prévia e informada dos quilombolas afetados pela ampliação do Centro de Lançamento de Alcântara, base de lançamento de foguetes localizada no município.
A decisão vai contra os planos do governo brasileiro. Em março de 2019, Jair Bolsonaro e o presidente dos EUA, Donald Trump, assinaram um acordo para o uso comercial da base. O Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) passou pelo Congresso brasileiro e entrou em vigor em dezembro.
O juiz Ricardo Felipe Rodrigues Macieira, da 8ª Vara Federal Ambiental e Agrária do Maranhão, concedeu a liminar em ação ajuizada pelo deputado federal Bira do Pindaré (PSB/MA), da Frente Parlamentar Mista em Defesa das Comunidades Quilombolas. O direito à “consulta livre, prévia e informada” às populações impactadas por empreendimentos é previsto pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.
“Embora a decisão liminar nos dê um suspiro, ainda não há motivo para grandes comemorações. Não podemos nos dar ao luxo de baixar a guarda. O momento exige atenção máxima”, avaliou o quilombola Danilo Serejo, morador da comunidade Canelatiua, em Alcântara.
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A remoção dos quilombolas havia sido determinada pelo governo brasileiro através da Resolução nº 11, publicada no Diário Oficial da União em 26 de março de 2020. Elaborada pelo Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro, a medida foi assinada pelo ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno.
“A Convenção 169 precisa ser respeitada. Isso não está acontecendo”, afirmou o deputado Bira do Pindaré (PSB-MA). Para ele, “a decisão é extremamente relevante”, apesar de ser a vitória de uma batalha, não da guerra: “ela mostra que no poder judiciário há espaço para garantir a Convenção 169”.
Alcântara é o município com maior número de quilombos no Brasil, com quase 200 comunidades, onde vivem mais de 3,3 mil famílias, totalizando cerca de 22 mil pessoas. Mais de duas mil pessoas de 27 comunidades estavam em risco de serem expulsas de seus territórios com a resolução do governo.
A decisão liminar ainda pode ser objeto de recursos às instâncias superiores. Além disso, a ação ainda será definitivamente julgada pelo juízo de primeira instância. Por isso, a tranquilidade ainda não é total. Se o governo apresentar recursos contra a suspensão da remoção e outro juiz acatá-los, os quilombolas ficam novamente sob o risco de serem expulsos de suas terras em meio à pandemia de Covid-19.
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“A Defensoria Pública da União quer crer que essa decisão reforça o posicionamento que o judiciário brasileiro vem adotando no sentido de respeitar a consulta prévia”, disse Yuri Costa, defensor público federal que atua junto às comunidades tradicionais de Alcântara.
A Resolução nº 11 chamou ainda mais atenção pelo contexto na qual foi publicada, em plena pandemia de Covid-19. Até o fechamento do texto, o Brasil tinha mais de 192 mil casos confirmados da doença. Só no Maranhão, eram mais de oito mil casos e 423 mortes.
A tentativa de remover os quilombolas neste momento vai contra as recomendações de profissionais de saúde e especialistas de todo o mundo, que indicam o isolamento social como ferramenta mais efetiva para conter a disseminação do coronavírus.
“A decisão é importantíssima para resguardar os direitos das comunidades quilombolas de Alcântara, principalmente diante da pandemia e do colapso das estruturas de atendimento médico no Maranhão”, avaliou Juliana de Paula Batista, advogada do Instituto Socioambiental (ISA).
“Não ter que lidar com remanejamentos nesse momento de crise sanitária é um alívio”, afirmou Fátima Diniz Ferreira, do Movimento das Mulheres Trabalhadoras de Alcântara (MOMTRA). Ela chamou atenção para a precariedade do sistema de saúde do município.
O ISA entrou em contato com o Ministério da Defesa, a Agência Espacial Brasileira e o Gabinete de Segurança Institucional, mas não obteve resposta até o fechamento da reportagem.