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Reportagem e edição: Oswaldo Braga de Souza
O Congresso derrubou 16 dos 22 vetos do presidente Jair Bolsonaro ao Projeto de Lei (PL) 1.142/2020, que prevê medidas emergenciais de enfrentamento à pandemia de Covid-19 entre indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais. O PL foi sancionado parcialmente pelo presidente em julho, dando origem à Lei nº 14.021/2020.
A análise dos vetos ocorreu em duas sessões diferentes, nesta quarta (19), na Câmara e no Senado. O resultado final, obtido numa votação única em cada casa, foi negociado numa reunião de líderes, na véspera. Partidos de oposição, como Rede e Psol, defenderam a derrubada de todos os vetos, mas preferiram aceitar o acordo por não terem votos para fazer valer sua posição.
Foram rejeitados os vetos aos dispositivos que garantiam oferta de água potável, materiais de higiene e limpeza, leitos hospitalares, UTIs e materiais informativos para os territórios indígenas. O mesmo ocorreu com os que obrigam o governo a elaborar planos específicos para indígenas isolados e de recente contato, quilombolas e outras comunidades tradicionais. Também caíram os vetos a mecanismos que facilitem o acesso ao auxílio emergencial para as populações abarcadas pelo projeto (saiba mais no quadro ao fim da reportagem). Agora, esses dispositivos serão incorporados à Lei.
“Nós agora teremos uma ferramenta para cobrar, inclusive judicialmente, a execução dos vetos que acabamos de derrubar hoje”, afirmou a relatora do projeto na Câmara, deputada Joênia Wapichana (Rede-RR). “Vamos estar atentos. É o momento de fiscalizar a execução da lei”, disse. Ela comemorou a votação como mais uma grande vitória para os povos indígenas, após a aprovação do PL.
“Nenhum PL aprovado para enfrentar a pandemia teve mais vetos, o que revela a carga de ódio e preconceito que tem esse governo contra os grupos mais vulneráveis”, criticou o deputado Bira do Pindaré (PSB-MA).
“De todos os vetos apresentados pelo presidente da República, nenhum foi mais desumano do que o veto ao projeto de lei 1.142, aprovado pelo Congresso para preencher uma lacuna de falta de ação do governo em relação aos povos indígenas. Vivenciamos um dos piores momentos da história do Brasil em relação aos nossos povos. E simplesmente o presidente da República vetou, por exemplo, acesso a água potável, materiais de higiene, aquilo que é elementar e está preconizado na Constituição”, defendeu a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA). Ela mencionou que os vetos ao projeto pioraram ainda mais a imagem do Brasil na comunidade internacional.
Foi mantido o veto ao dispositivo que obrigava a administração federal a distribuir cestas básicas às comunidades indígenas. Segundo a justificativa do governo, já há programas oficiais em andamento com o mesmo objetivo.
Também foram mantidos os vetos à criação de um programa de crédito agrícola para as populações indígenas e tradicionais e à indicação de dotação orçamentária específica para algumas das ações estabelecidas no projeto. Nesses dois casos, o governo alegou que a proposta criaria despesas obrigatórias sem estimar seu impacto financeiro, o que seria contra as leis de Responsabilidade Fiscal (LRF) e de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
“Normalmente, essa justificativa faria sentido. Só que, como estamos em regime fiscal especial, o chamado ‘orçamento de guerra’, não há obrigação do Legislativo apontar o impacto orçamentário das medidas”, contrapõe Leila Saraiva, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
Ela lembra que esse regime suspendeu várias das regras e restrições fiscais usuais em virtude da emergência provocada pela pandemia. O próprio teto de gastos públicos foi flexibilizado para ações relacionadas diretamente ao combate à Covid-19. Saraiva acrescenta que a ausência de dotações na lei pode dificultar a fiscalização de sua execução orçamentária, um dos elementos importantes para avaliar o grau de implementação das ações previstas na legislação.
- Dotação orçamentária para ações previstas no projeto
- Distribuição de cestas básicas, sementes e ferramentas agrícolas para indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e demais comunidades tradicionais
- Programa específico de crédito agrícola para povos indígenas e quilombolas
- Disponibilização de água potável; materiais de higiene, limpeza e desinfecção; leitos hospitalares e UTIs; ventiladores e máquinas de oxigenação; materiais informativos; internet
- Planos de contingência para indígenas isolados e de recente contato
- Planos emergenciais para quilombolas, pescadores e outras comunidades tradicionais
- Garantida a inclusão dos povos indígenas nos planos emergenciais para atendimento dos pacientes graves das Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde
- SUS deverá fazer o registro e a notificação da declaração de raça ou cor, garantindo a identificação de todos os indígenas atendidos nos sistemas públicos de saúde
- Em áreas remotas, a União adotará mecanismos que facilitem o acesso ao auxílio emergencial, benefícios sociais e previdenciários, de modo a possibilitar a permanência de povos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e de demais povos tradicionais em suas próprias comunidades.
- Inclusão das comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares como beneficiárias do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), assegurado o cadastramento das famílias na Relação de Beneficiários (RB) para acesso às políticas públicas