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Janeiro de 2021 chegou ao final em São Gabriel da Cachoeira, no Noroeste do Amazonas, com notícias tristes. Somente nos últimos três dias do mês, de sexta (29/01) a domingo (31/01), foram registrados cinco óbitos pela Covid-19. Os casos totais passaram de 72 para 80. No mês, o município registrou 18 mortes e 1.121 casos. O Comitê de Enfrentamento e Combate à Covid-19 continua mobilizado e já houve resultados nas medidas tomadas até agora: o número de casos recentes registrados está apresentando queda e a vacinação avança tanto na área urbana como no território indígena.
Uma das pessoas que morreu de Covid-19 no município no final de semana foi o advogado Haroldo Pereira da Silva, de 56 anos. Nascido em São Paulo, ele morava em São Gabriel há muitos anos e era casado com Lucilene Fernandes, de 30 anos, indígena da etnia Baniwa. O casal teve dois filhos, de seis e 10 anos. Haroldo ainda tinha outros dois filhos, de 19 e 14 anos, de outro relacionamento.
Emocionada, Lucilene conta que o marido ficou internado por cerca de dez dias no Hospital de Guarnição de São Gabriel da Cachoeira (HGuSGC) e faleceu no sábado (30/10). “Estou sem força para falar. É uma tristeza imensa. Não sei como será a minha vida. Ele era nosso porto seguro”, disse. Ela conta que o marido garantia o sustento da família e que ainda não sabe como vai seguir em frente. A morte de Haroldo causou comoção na cidade, com manifestações de pesar nos grupos de WhatsApp. “Era uma pessoa muito querida, não media esforços para ajudar as pessoas”, contou a esposa. Haroldo tinha um escritório de advocacia na cidade e a família acredita que ele contraiu o vírus enquanto trabalhava.
Confira o que é verdade sobre a vacinação contra a Covid-19
O primeiro registro oficial de contaminação pelo novo coronavírus em São Gabriel da Cachoeira é de 26 de abril de 2020. Até 31 de janeiro deste ano, a cidade já contabiliza 6.150 casos e 80 mortes. No primeiro mês da pandemia, entre 26 de abril e 26 de maio, a cidade teve 741 casos e 21 mortes. Ou seja, o número de casos registrados em janeiro (1.121) foi superior ao do início da crise sanitária, enquanto o número de mortes (18) foi menor.
Segundo o boletim epidemiológico da Secretaria Municipal de Saúde (Semsa), o registro de novos casos vem caindo. Na última semana de janeiro (de 25 a 31) foram 145 novas ocorrências. Em 14 de janeiro, num único dia, foram 146.
Irene Huertas Martín, coordenadora de Médicos Sem Fronteiras (MSF) em São Gabriel explicou que, mesmo quando há maior controle no número de novos casos registrados, os óbitos podem continuar subindo, já que existe um período de tempo entre o início da contaminação até a piora do quadro. Os MSF mantêm uma equipe no município desde dezembro e reforçaram a capacidade de testagem, além de atuarem na organização, atendimentos e promoção do serviço de saúde.
Em São Gabriel, Médicos Sem Fronteiras combate Covid-19 respeitando rituais indígenas
O município avança na vacinação. Até o dia 29 já haviam 498 pessoas imunizadas, segundo o Programa Nacional de Imunização (PNI) local. O Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (Dsei-Yanomami) começou a vacinar os indígenas no dia 28 e, no dia seguinte, havia aplicado 129 doses. O Distrito Sanitário Especial Indígena Alto Rio Negro (Dsei-ARN) ainda não disponibilizou os dados.
São Gabriel da Cachoeira é o município com maior concentração de população indígena do país. Das 46 mil pessoas, cerca de 26 mil vivem na área urbana e as demais em comunidades. Na parte urbana, a vacinação é feita pela Semsa, enquanto nas aldeias, as doses são aplicadas pelos Dseis. Os indígenas estão no grupo prioritário para a vacinação.
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A prefeitura vem seguindo os decretos do estado para evitar a contaminação pelo novo coronavírus e, na semana entre 25 e 31 de janeiro, estabeleceu o toque de recolher por 24 horas, com reforço de ações de fiscalização pela Guarda Municipal, Vigilância Sanitária, Polícia Civil e Polícia Militar. As ruas estão mais vazias e a população, de fato, aderiu ao uso de máscaras. No entanto, ainda há muitos comércios não essenciais em funcionamento. As filas na casa lotérica, registradas desde o início da pandemia, continuam acontecendo. Algumas medidas foram tomadas pelo estabelecimento e a organização é maior, mas ainda há aglomeração.
Na última sexta-feira, a indígena Marina Nunes, de 39 anos, da etnia Baré, estava na fila desde às 06h para receber o Bolsa-Família. Ela, que saiu da comunidade de Caná, no Rio Negro, para sacar o benefício, às 11h, ainda aguardava para ser atendida. A viagem de Caná até São Gabriel leva um dia, então Marina precisa se alojar em um acampamento improvisado na beira do rio -- exposta ao risco de contaminação.
Uma das causas apontadas para o avanço da doença é a nova variante do coronavírus. Conforme nota técnica da Fiocruz Amazônia e Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-AM), a variante P.1 do novo coronavírus foi encontrada em 91% das amostras que tiveram seu código genético sequenciado em janeiro no estado do Amazonas. E, segundo a pesquisa, a variante foi encontrada em São Gabriel da Cachoeira. Há registros da variante também em Manaus, Careiro, Anori, Iranduba, Rio Preto da Eva, Presidente Figueiredo, Tabatinga e Manacapuru.
Desde que o número de casos da Covid-19 começou a crescer, São Gabriel vem reforçando a estrutura de atendimento e se esforçando para reduzir os impactos da crise de Manaus, que vive um colapso do sistema de saúde com falta de oxigênio e de leitos.
A prefeitura reforçou o serviço de saúde destinado à Covid-19 e o estoque de insumos, entre eles oxigênio. O Instituto Socioambiental (ISA), os Expedicionários da Saúde (EDS), os MSF e o Greenpeace garantiram o incremento do estoque de cilindros e concentradores de oxigênio. O Exército vem dando apoio logístico no transporte de cilindros e vacinas e reforçou o quadro de pessoal no HGuSGC, sendo que seis profissionais de saúde vindos de Manaus sob coordenação da 12ª Região Militar chegaram à cidade no sábado.
Em São Gabriel da Cachoeira, há três unidades de saúde com estrutura para internação de pacientes de Covid-19. O HGuSGC, administrado pelo Exército, é o único com estrutura para atender a casos mais graves, mas a unidade não tem UTI e, em caso de piora, a alternativa é a transferência para Manaus, que está com o sistema colapsado. Para casos leves e moderados há a Unidade Básica de Saúde (UBS) Miguel Quirino, da Semsa e a Unidade de Atenção Primária Indígena (Uapi) São Gabriel da Cachoeira, sob responsabilidade do Dsei-ARN.
Boletim epidemiológico da Semsa indica que, no domingo, havia 44 internados em São Gabriel, sendo 17 no HGu, 14 na UBS Miguel Quirino, 11 na Uapi/Dsei-ARN e duas transferências para Manaus.
Um dos problemas enfrentados pela estrutura da saúde é a interrupção do fornecimento de energia. O Comitê de Combate à Covid-19 já levou o problema à empresa responsável. Na noite de sábado para domingo, o HGu sofreu com a queda de energia. A causa foi um acidente de carro, que danificou postes e fiação. A unidade hospitalar, que conta com gerador, divulgou nota no domingo informando que: “Na noite do dia 30 para 31 de janeiro, o hospital ficou parcialmente sem energia. Todas as providências foram adotadas oportunamente para que não houvesse prejuízo ao atendimento e aos pacientes internados. A situação no momento encontra-se normalizada.”
A Uapi/Dsei-ARN passou pelo problema e ligou os cilindros de oxigênio em substituição aos concentradores.
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