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É uma corrida contra o tempo ou melhor, contra o Covid-19 e suas variantes mais transmissíveis, como a temida P1, originada em Manaus. Preocupadas com o ritmo lento da vacinação em São Gabriel da Cachoeira (AM), considerado o município mais indígena do Brasil, lideranças da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) encaminharam nesta segunda-feira (29/03) ofício cobrando celeridade na vacinação ao Ministério da Saúde, à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), à Fundação de Vigilância em Saúde do Estado do Amazonas (FVS) e à Secretaria Estadual de Saúde.
“Já somamos 104 mortes em São Gabriel da Cachoeira por Covid-19, sendo que 44 somente em 2021 devido à segunda onda. Se a vacina não chegar como previsto pelo plano nacional e imunizar toda a população indígena rapidamente, tememos a chegada de uma terceira onda que já é realidade nos países da Europa”, alertou Marivelton Barroso, do povo Baré, presidente da Foirn, que assina o documento enviado aos órgãos dos governos estadual e federal.
Mais vacinação, menos 'fake news': Vacina Parente!
Barroso destaca que, por ser indígena, 90% da população do município está incluída no grupo prioritário para vacinação, de acordo com o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação Contra a Covid-19, do Ministério da Saúde, de 15 de março de 2021. Somado a isso, pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz e do Grupo de Trabalho de Saúde Indígena da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), apontam que “os indígenas têm maior vulnerabilidade à pandemia, tanto em contexto de terras indígenas quanto urbano, expressas no maior risco de infecção e na evolução para formas graves e óbitos”, como consta no documento assinado pela Foirn.
Importante ressaltar que dos 104 óbitos por Covid-19 em São Gabriel, 97 foram de pessoas indígenas. Do total de mortes, 87 ocorreram na parte urbana do município, enquanto 17 falecimentos se deram nas aldeias das terras indígenas demarcadas. As autoridades sanitárias no município se preocupam com o intenso trânsito das populações entre área rural e urbana para compra de insumos, acesso a serviços e atividades sociais. Por isso, como argumenta o documento da Foirn, o bloqueio sanitário com vacinação em massa no centro urbano é fundamental para controlar a transmissão do vírus para as aldeias na área rural.
Levantamento da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-AM) aponta que apenas 61,4% do público-alvo em São Gabriel da Cachoeira recebeu a primeira dose da vacina. Quanto à segunda dose, 30,1% do público-alvo foi imunizado. De acordo com o “vacinômetro” divulgado pela Secretaria Municipal de Saúde até dia 23 de março, 16.509 pessoas foram vacinadas no município, sendo que 11.076 receberam a primeira dose e 5.433 já concluíram a segunda dose. A divisão das vacinas segue da seguinte forma, de acordo com o Informe 90 do Comitê de Crise de Covid-19 do município, de 25 de março:
Com uma população total de cerca de 45 mil habitantes, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), São Gabriel da Cachoeira não possui nenhum leito de UTI. Todos os pacientes graves precisam ser removidos para Manaus por avião, a cerca de mil quilômetros de distância.
O número total de casos confirmados desde o início da pandemia até ontem (29/03) era de 7.742, sendo 15 novos doentes diagnosticados nas últimas 24 horas. Existe ainda uma grande subnotificação de ocorrências, uma vez que muitas pessoas infectadas não têm acesso a testes e foram tratadas em casa. Também houve relatos de óbitos ocorridos em residências que não foram contabilizados pelo município.
A população indígena foi incluída como prioritária para a vacinação em razão da sua vulnerabilidade independente de estarem ou não dentro de seu território demarcado. É dever do Estado promover a vacinação com prioridade para os indígenas que vivem também em contexto urbano, o que já foi decidido pelo Ministro Barroso do Supremo Tribunal Federal (STF) em resposta à ADPF 709 (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental), ajuizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), lembrou a advogada do Instituto Socioambiental (ISA) em São Gabriel da Cachoeira, Renata Vieira.
“Considerando que São Gabriel possui 90% da população indígena, a vacinação deve cobrir todo o território do município. A omissão em São Gabriel demonstra como o Estado vem conduzindo muito mal a política pública para essa população, o que demanda ações imediatas por parte das instituições de governo para corrigir essa conduta”, afirmou.
Para agravar ainda mais a situação, em 25 de março o município de São Gabriel da Cachoeira emitiu decreto flexibilizando as restrições sanitárias, autorizando a reabertura até de casas noturnas, shows ao vivo e bares. O toque de recolher da meia noite às seis da manhã também não está mais em vigor e todos os espaços públicos estão liberados para uso. Academias, igrejas e templos também podem funcionar normalmente até às 22 horas. O uso de máscara ainda é obrigatório, mas como a fiscalização é precária ou inexistente, já é comum ver pessoas circulando e aglomerando sem máscara no município.
Desde 14 de janeiro a Secretaria de Saúde de São Gabriel da Cachoeira divulga os casos registrados nas últimas 24 horas. Confira abaixo a soma dessas confirmações a cada sete dias, começando no dia 14/01, quando houve o pico da segunda onda no Amazonas:
A Foirn integra o Comitê de Crise da Covid-19 no município e desde o início da pandemia vem atuando em defesa das políticas públicas de proteção aos povos originários e de medidas emergenciais de proteção, como segurança alimentar e melhoria da infraestrutura de saúde, junto com o ISA e outros parceiros.