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Ameaça de termoelétrica na Juréia mobiliza comunidades e parceiros no litoral sul de SP

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Audiência na Assembleia Legislativa de São Paulo reuniu mais de 300 pessoas para debater o projeto e protestar
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Uma das regiões de maior remanescente de Mata Atlântica do Estado de São Paulo, que, nos anos 1980 foi alvo de projeto de usina nuclear e, na década passada, de um projeto de porto, recebe novamente uma iniciativa de grande impacto socioambiental. Trata-se do projeto Verde Atlântico Energias, da Gastrading Comercializadora de Energia S.S., de construção de um complexo para produção e distribuição de energia em Peruíbe, litoral sul de São Paulo.

O projeto inclui a construção de uma usina termoelétrica, com capacidade de geração de 1.700 MW, abastecida com gás natural liquefeito (2 milhões de metros cúbicos por dia), que virá de outros países por via marítima, até um terminal offshore. População, organizações da sociedade civil, indígenas, caiçaras e políticos da região vêm se posicionando contrários ao empreendimento, e avaliam que o processo de licenciamento está muito acelerado, considerando seu impacto.



Atento ao processo, o deputado estadual Luiz Fernando Teixeira convocou uma audiência na Assembleia Legislativa, no último dia 30 de agosto, que mobilizou mais de 300 pessoas, além de deputados da oposição e da base aliada do governo paulista, mostrando que o tema é de interesse suprapartidário. O deputado é autor do Projeto de Lei (PL) 673/2017, que proíbe o licenciamento, a instalação e a construção de empreendimentos que produzam gases ou elementos químicos formadores de chuva ácida em áreas localizadas até 20 km de Unidades de Conservação no Bioma Mata Atlântica.

De acordo com o projeto, os poluentes seriam óxidos de nitrogênio (NOx) e de enxofre (SOx) que são convertidos em ácido nítrico (HNO3) e ácido sulfúrico (H2SO4). Os parlamentares presentes se comprometeram a conversar com suas bancadas para que o PL seja colocado em discussão o quanto antes. Durante a audiência foi criada a Frente Parlamentar da Assembleia Legislativa de São Paulo Contra a Instalação da Usina Termoelétrica em Peruíbe.

Usina, não

Entre as falas dos participantes, a plateia entoava “Usina Não”, bordão que vem marcando a mobilização. Mari Polachini, da ONG Movimento Contra as Agressões à Natureza (Mocan), subiu à tribuna com uma bandeira de Peruíbe, e então os presentes, em sua maioria vindos daquela cidade, cantaram o hino municipal. A ambientalista alertou a todos sobre os riscos da chuva ácida que, segundo ela, será causada pela emissão de gases durante a produção de energia, e que pode seguir rumo à Baixada Santista (composta de nove municípios: Santos, Bertioga, Guarujá, Cubatão, São Vicente, Praia Grande, Mongaguá, Itanhaém e Peruíbe) ou ao Vale do Ribeira, dependendo da direção dos ventos. “As chaminés foram ampliadas, para que os gases não conseguissem ser detectados nas medições, que ocorrem em altura inferior”. Mencionando iniciativas de geração de energia limpa desenvolvidas pelo governo do Estado, Mari considera que o “projeto já nasce sucateado e ultrapassado, na contramão das diretrizes do próprio governo paulista”.

O uso de combustível fóssil para a geração de energia é uma tecnologia muito questionada, e considerada inadequada, no momento em que o mundo todo discute estratégias para mitigar as mudanças climáticas. Raquel Pasinato, coordenadora do programa Vale do Ribeira do Instituto Socioambiental, foi enfática. “É um absurdo, em pleno século XXI, discutirmos um projeto de termoelétrica, ainda mais em uma região onde a conservação e o turismo são as vocações econômicas”.

A empresa argumenta que 27% da matriz energética brasileira vem de termoelétricas, e que o uso do gás natural é uma das estratégias do país para o cumprimento dos acordos climáticos – Acordo de Paris - dos quais é signatário. O compromisso assumido pelo Brasil foi o de ampliar as fontes de energia renováveis, como a energia solar e a eólica, e reduzir as emissões de gases de efeito estufa em até 43% até o ano 2030, meta que dificilmente será alcançada com novos empreendimentos que utilizem combustíveis fósseis como matéria-prima.

MPF acompanha o licenciamento

Os potenciais impactos da construção da usina sobre a zona costeira, Unidades de Conservação federal e Terra Indígena, além do acelerado ritmo do licenciamento ambiental, motivaram o Ministério Público Federal a abrir procedimento para investigar o projeto. O Dr Yuri Corrêa da Luz, procurador em Registro, informou durante a audiência que um grupo de três procuradores federais, com apoio do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema), do Ministério Público Estadual, está reunindo informações sobre o processo, para garantir que a legislação seja cumprida. Luz criticou o formato das audiências promovidas pelo Consema. “Deveriam ser mais espaçadas, para permitir que as informações sejam checadas. O processo é considerado minimamente decente se todos os interessados forem ouvidos”.

No caso dos indígenas e caiçaras, reconhecidos como povos e comunidades tradicionais, não houve nenhum tipo de consulta livre, prévia e informada, como prevê a Convenção OIT 169, da qual o Brasil é signatário. No EIA-RIMA, o empreendedor assume a necessidade da consulta aos povos indígenas, mas não aponta de que forma e quando ela ocorrerá. “Se a usina for construída, será a morte da mãe terra, que nos acolhe, nos abriga. Estamos mobilizados para enfrentar essa discussão”, afirmou Lenira Djatsy, liderança tupi-guarani da Terra Indígena Piaçaguera, em Peruíbe, dizendo que até o momento não foram procurados pela empresa. A Funai já tem procedimento aberto para a avaliação dos impactos aos indígenas.

Viabilidade ambiental contestada

Segundo a bióloga Ingrid Oberg, a Usina Hidroelétrica Henry Borden, em Cubatão, supre a necessidade de energia dos municípios da Baixada Santista, sendo desnecessária a construção da termoelétrica, que seria um projeto descolado da realidade local. “Não conseguimos romper com a colonização dos territórios, projetos vêm de fora, quando a geração de renda deveria ser discutida para e pelo povo”, afirmou Oberg. Além disso, a obra estaria em desacordo com o Plano Diretor do município de Peruíbe e com o Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE), documento que levou treze anos para ser elaborado de forma participativa.

Segundo o ZEE, a área se enquadra como Z5, onde são permitidos empreendimentos industriais de baixo impacto; comércio e prestação de serviços; armazenamento, embalagem, transporte e distribuição de produtos e mercadorias; e parques tecnológicos. Para a Gastrading, o projeto é de baixo impacto, o que é contestado por técnicos e pela população, que também questionam o motivo de o licenciamento ser feito pela Cetesb, e não pelo Ibama.

O superintendente do Ibama em São Paulo, José Edilson Dias, disse, durante a audiência, ser contrário ao empreendimento, pois a região tem grande relevância ambiental. Questionado sobre o motivo do licenciamento ser conduzido pelo órgão estadual, Dias afirmou desconhecer a decisão da Diretoria de Licenciamento Ambiental (Dilic) do Ibama, mas que confia plenamente na competência dos técnicos da Cetesb.

Adriana Lima, presidente da União dos Moradores da Juréia, citou empreendimentos que, em tese, tinham equipes técnicas qualificadas e fiscalização por parte de órgãos públicos, mas resultaram em desastres, como a construção da Usina de Belo Monte, a unidade da mineradora Vale em Mariana (MG), e as obras do Valo Grande, que causaram grande impacto no Vale do Ribeira. “Os impactos mudam a vida das pessoas. Nossa opção de desenvolvimento é outra, queremos projetos de vida, não de morte”, concluiu Lima.

A pressão sobre os recursos naturais não é uma exclusividade deste empreendimento, como foi lembrado pelo deputado federal Nilto Tatto. Projetos que visam flexibilizar a legislação sobre o registro de agrotóxicos, venda de terra para estrangeiros, alterações no rito de demarcação de Terras Indígenas e territórios quilombolas, alterações de Unidades de Conservação via Medida Provisória, entre outros tantos retrocessos, estão na agenda nacional. Tatto relembrou as ameaças que a Juréia já sofreu em outros momentos, e ressaltou a importância dos movimentos de resistência na região. “Peruíbe tem uma sina de luta e vitória”, afirmou.

Próximos passos

O Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema) promoveu, no mês de agosto, quatro audiências públicas na Baixada Santista, em acordo com os procedimentos do licenciamento ambiental. A quinta audiência, em Peruíbe, não aconteceu, pois o local escolhido para sua realização não tinha capacidade para receber a quantidade de interessados em discutir o projeto. Foi agendada nova audiência para 28 de setembro, às 18 horas, no Peruíbe Palace, localizado à Avenida 24 de dezembro, nº 30, no centro de Peruíbe.

Depois disso, o processo seguirá para análise das câmaras técnicas do Consema, e, posteriormente, ao plenário do conselho, para então a Cetesb emitir parecer sobre a licença prévia. Acesse aqui o EIA-RIMA do empreendimento.

Ivy Wiens
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